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Congresso derrota governo e resgata térmicas a gás na base. E agora?

Governo Lula sofre revés no Congresso, com derrubada de vetos a 'jabutis' do marco das eólicas offshore, e contratação de térmicas a gás na base deve voltar à pauta em nova MP

Líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Foto Andressa Anholete/Agência Senado)
Líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT/AP) | Foto Andressa Anholete/Agência Senado

PIPELINE. Governo Lula sofre revés no Congresso, com derrubada de vetos a ‘jabutis’ do marco das eólicas offshore, e contratação de térmicas a gás na base deve voltar à pauta em nova MP.

MME adia definição sobre como tratar custos dos gasodutos no LRCAP. Gás para transporte garante recursos do Fundo Clima e Mover. Leilão de gás da União pode escorregar para 2026 e PPSA cogita contratar a Petrobras como agente comercializador. Copersucar mira biometano e mais. Confira:


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Derrotado esta semana no Congresso Nacional, com a derrubada de parte dos vetos presidenciais aos ‘jabutis’ do marco das eólicas offshore, o governo federal promete enviar uma Medida Provisória, nos próximos dias, para revisar alguns pontos sobre o assunto.

E a expectativa é que a contratação obrigatória das térmicas a gás natural na base – uma herança da Lei de Privatização da Eletrobras – volte à pauta.

Na última terça-feira (17/6), à revelia de uma costura que vinha sendo feita pelo Ministério de Minas e Energia (MME), parlamentares derrubaram oito vetos na lei das eólicas offshore:

  • um, em particular, “eterniza” o compromisso com a contratação das térmicas a gás – ou seja, garante que toda a potência ofertada em leilão e, eventualmente não contratada, seja relicitada.

De concreto, retoma o compromisso com a contratação do 1,25 GW ofertado, mas não contratado em 2022, já na reta final do governo de Jair Bolsonaro (PL), no primeiro e único leilão das térmicas locacionais – assim chamadas devido à obrigatoriedade de alocação das usinas em determinadas regiões, para ajudar a ancorar novos gasodutos.

O montante de térmicas a gás a ser contratado, ao fim, é um campo aberto, ainda sujeito a negociações (mais detalhes abaixo).

Este pode ser, aliás, um dos pontos a serem contornados pela nova MP, que visa mitigar os impactos dos ‘jabutis’ na conta de luz – entidades que representam consumidores industriais de energia, aliás, cogitam recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).

O assunto não se restringe às térmicas a gás – compromissos de contratação de eólicas no Sul, hidrogênio líquido a partir do etanol no Nordeste e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), além da renovação de contrato de Candiota (RS), a carvão, também estão na lista dos vetos derrubados.

A seguir, a gas week se debruça sobre o futuro das térmicas a gás na base.



Atualmente, vale o que está na lei de privatização da Eletrobras: dos 8 GW previstos em lei, ainda restam 7,25 GW se considerados os montantes já contratados e os efeitos do veto recém-desfeito pelo Congresso.

Mas essa conta pode mudar: uma das emendas ao PL das eólicas offshore (e cujo veto presidencial ainda não foi apreciado) reduz a contratação das térmicas locacionais para 4,25 GW.

Em contrapartida, as emendas mudaram a forma de cálculo do preço-teto dos leilões das térmicas, de forma a ancorar nas tarifas de energia os custos dos gasodutos de transporte necessários para levar o gás às usinas que serão construídas em regiões hoje não atendidas por infraestrutura de gás.

Originalmente, o preço teto era a correção, pela inflação, do valor estipulado para o leilão A-6 de 2019. 

  • Ou seja, os ‘jabutis’ das eólicas offshore reduziram o montante de térmicas na base a ser contratado, mas por outro lado incorporaram uma regra que amplia as chances de sucesso dos empreendimentos.

Essas duas mudanças substanciais foram vetadas pelo presidente Lula (PT), mas ainda estão pendentes de análise pelo Congresso – que pode derrubá-las. Está prevista uma nova sessão conjunta, para apreciação dos vetos, até 17/7.

E, na outra frente, está a nova MP e possíveis contornos para uma possível retomada das contratações – o calendário de licitações foi interrompido desde o início do governo Lula.


As emendas do PL das eólicas offshore em disputa alteram a lei de privatização da Eletrobras, aprovada a partir da MP 1031, editada pelo governo Bolsonaro – e que virou, no Congresso, uma grande barca de ‘jabutis’ do setor elétrico.

Originalmente, a lei de desestatização da Eletrobras incluiu um comando legal para contratação de 8 GW de térmicas a gás. Dos 2 GW ofertados no leilão de 2022, contudo, apenas uma parte (753 MW) foi contratada:

  • Eneva assegurou Azulão II e IV (que somam 590 MW), dentro do complexo de geração de gás associada à produção de gás de Azulão, na Bacia do Amazonas;
  • e a Global Participações negociou Manaus I (162,9 MW), que consumirá gás do Polo Urucu, da Petrobras, na Bacia do Amazonas, que já é interligado à capital pelo gasoduto Urucu-Coari-Manaus.

Juridicamente, o MME bancou desde 2022 que a diferença entre o ofertado e contratado nos leilões locacionais de térmicas poderia ser descartada.

Mas os parlamentares garantiram, nas emendas do PL das eólicas offshore, que caso os montantes definidos em lei não fossem “contratados integralmente nos anos previstos por inexistência de oferta, as diferenças deverão ser contratadas nos anos subsequentes até que seja atingido o valor total de capacidade definido para cada objetivo (…)”.

É esse o teor do veto recém-derrubado pelos parlamentares.  

Um dos projetos de térmicas locacionais que aguardam a continuidade dos leilões de térmicas locacionais é a UTE Brasília, da Termo Norte, vinculada ao empresário Carlos Suarez e que enfrenta a oposição de ambientalistas.

Na terça (17/6), aos gritos de “fora, rei do gás”, acompanhados das faixas com da campanha ambiental “xô, termelétricas”, ambientalistas conseguiram suspender novamente a audiência pública de licenciamento da usina.

O Instituto Arayara chegou a ingressar com uma ação para suspender o processo de licenciamento, com base em uma vitória já obtida na justiça para suspender a outorga de captação de recursos hídricos pela termelétrica.

As térmicas a combustíveis fósseis (o gás entre eles) têm recebido uma oposição crescente de ambientalistas, mas também de consumidores industriais e outras entidades do setor elétrico. Geradores renováveis, por exemplo, também temem o aumento dos cortes de geração (curtailment)

Ao informar sobre a nova MP, a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) do governo Lula destacou que pretende, com a medida, “garantir menor impacto sobre o preço da energia aos consumidores”.

De acordo com ressalvas apresentadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no Plano Decenal de Energia (PDE) 2034 (na íntegra, em .pdf), as usinas a gás na base (com inflexibilidade de 70%) concorrem com a expansão das energias renováveis, mais limpas, e, em certa medida, com os leilões de térmicas flexíveis – o Leilão de Reserva de Capacidade é encarado, hoje, como uma oportunidade de recontratação de usinas a gás existentes.

Um estudo de sensibilidade sobre as térmicas locacionais, contidos no PDE, concluiu que a não contratação dessas usinas, ao levar à expansão de fontes renováveis (sobretudo eólica e solar) e térmicas flexíveis, aumentaria a renovabilidade da matriz elétrica e reduziria as emissões de gases de efeitos estufa em 45% ao ano.

  • Ainda segundo o PDE, a retirada da obrigatoriedade de expansão das térmicas locacionais: agregaria a instalação de 13,5 GW de geração renovável – complementada por 4,4 GW de térmicas flexíveis a gás; 200 MW de armazenamento e quase 600 MW retrofit de termelétricas existentes.

A economia desse novo arranjo para o sistema, no horizonte decenal, é estimada em R$ 15 bilhões (consideradas as diferenças entre investimentos e custos operacionais entre os dois cenários).

Mas, no Brasil, o Congresso, que nos últimos anos se tornou o protagonista do orçamento público, com as emendas parlamentares, também tem definido, via ‘jabutis’, os rumos do planejamento energético

Além de desenvolvedores de novas térmicas, as transportadoras e distribuidoras de gás também são aqueles que podem eventualmente se beneficiar da instalação de térmicas como clientes âncoras para planos de interiorização da rede de gasodutos.

A UTE Brasília, por exemplo, é uma das três âncoras do gasoduto Brasil Central (São Carlos/SP-Brasília/DF), projeto também vinculado a Suarez. A EBrasil possui dois projetos para Goiás, também na rota do projeto.

Termogás, também vinculada a Suarez, é acionista de distribuidoras de gás em estados que hoje não contam com infraestrutura e que se beneficiariam diretamente de gasodutos ancorados pelas termelétricas – como Goiás, Amapá, Piauí e o Distrito Federal.

A companhia também possui projetos de novos gasodutos de transporte, como o Meio Norte (CE-MA-PI).

Mas não só ela: A TAG tem planos de expansão no Nordeste e no Norte, para levar gás às usinas locacionais; e a TBG estuda uma rota para o Triângulo Mineiro.

Entre os estados, há também uma disputa em jogo sobre o rateio dos GW a serem contratados. O decreto 11.042/2022, ao regulamentar as condições para a contratação prevista na lei de privatização da Eletrobras, fixou o “CEP das usinas”.

  • 1 GW no Nordeste;
  • 2,5 GW no Norte;
  • 2,5 GW no Centro-Oeste;
  • e 2 GW no Sudeste.

Mas, nas emendas do PL das eólicas offshore, essa redistribuição das cotas mudou.

Ao reduzir para 4,25 GW o compromisso de contratação de térmicas na base, o texto cortou 1 GW da previsão de contratação livre de térmicas na região Sudeste. Projetos em São Paulo e Rio de Janeiro, que recebem as rotas do pré-sal, por exemplo, deixaram de ser contemplados pela lei.

  • metade da potência a ser alocada na região passa a ser obrigatoriamente direcionada ao Triângulo Mineiro – rota do Brasil Central;
  • e a outra metade em região atendida pela Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) – ou seja, em parte de Minas Gerais e Espírito Santo.

O texto (cujo veto ainda está pendente de análise) também reduziu os compromissos de contratação nas demais regiões – à exceção do Nordeste.

Ganha:

  • 1 GW para 1,25 GW no Nordeste (500 MW no PI e 750 MW no MA)


Perde:

  • 2,5 GW para 1 GW no Centro Oeste (500 MW em GO e 500 MW no DF);
  • 2 GW para 1 GW no Sudeste;
  • e 2,5 GW para 1 GW no Norte (250 MW no AP e 750 MW no AM).

Ao cabo, tudo dependerá da conclusão das análises dos vetos e do teor da nova MP.


Em tempo, o LRCAP… O ministro Alexandre Silveira disse que o MME espera abrir este mês a consulta pública sobre o novo Leilão de Reserva de Capacidade, mas adiou a definição sobre como tratar os custos dos gasodutos de transporte para depois da consulta.

Caminhões a gás. A sessão conjunta do Congresso, realizada na terça (17/6) para análise dos vetos presidenciais, resgatou dois dispositivos legais que incluem projetos de transporte a gás e a biometano dentre as iniciativas aptas a receber recursos do Fundo Clima e incentivos do Mover.

Leilão de gás da União. Silveira admitiu que o certame pode atrasar e ficar para o 1º semestre de 2026. O objetivo inicial do governo era colocar de pé o leilão ainda este ano, para ofertar molécula a preços mais competitivos à indústria.

  • O presidente da PPSA,  Luís Fernando Paroli, afirmou que a companhia cogita contratar a Petrobras como agente comercializador, como uma das alternativas para viabilizar a oferta;
  • O presidente da Fiesp, Josué Gomes, por sua vez, disse que o que o setor industrial pede ao governo é uma política sustentável de acesso a preços mais competitivos para o gás no Brasil, sem subsídios.

Corredor Pré-sal. O gerente-executivo de Gás e Energia da Petrobras, Álvaro Tupiassu, cobrou uma definição sobre o projeto da estação de compressão de Japeri (RJ), da NTS. A obra visa ampliar a capacidade de envio de gás do pré-sal do Rio para São Paulo, para compensar o declínio da Bolívia.

Oferta permanente. Dillianz, do agronegócio, arrematou um bloco na Bacia dos Parecis — região com potencial para exploração de gás e desenvolvimento de negócios de captura e armazenamento de CO² (veja o resumo do leilão)

Biometano. A Copersucar está de olho nas oportunidades que se abrem com mandatos para novos biocombustíveis; e espera agregar uma produção de 2 milhões a 4 milhões de m³/dia, nos próximos dez anos.

Fertilizantes. A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, completou um ano à frente da estatal esta semana, tendo como uma de suas principais entregas a retomada das fafens na Bahia e em Sergipe em novembro.

Opinião. A experiência espanhola com GNL demonstra que até mesmo as boas ideias, quando em excesso, se transformam em desperdício, escrevem Marina Cyrino e Ricardo Piedras, da ATGás.

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