PIPELINE. Modelo do novo Leilão de Reserva de Capacidade começa a ganhar corpo, com separação de produtos para evitar nova onda de judicialização. Pacificar o debate sobre como tratar os custos dos gasodutos de transporte é o segundo desafio nas mãos de Alexandre Silveira.
ANP retoma discussão sobre gas release em nova agenda regulatória. PetroReconcavo e Brava selam parceria no RN. Eneva estuda CCS nas bacias do Parnaíba e Paraná e mais. Confira:
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A decisão sobre o formato do novo Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP) deve voltar, em breve, à mesa do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD).
O modelo do certame começa a ganhar corpo, depois de dois meses de discussões sobre como chegar a uma proposta menos vulnerável aos tribunais.
A principal mudança encaminhada é a separação dos produtos, eliminando a competição direta entre térmicas a gás natural e usinas a óleo com planos para conversão para biocombustíveis. Além delas, o leilão abrirá espaço para ampliações de hidrelétricas.
- O segundo grande desafio do MME será pacificar, agora, o debate sobre como tratar, na modelagem do leilão, os custos do uso dos gasodutos de transporte.
Entre idas e vindas, a proposta levantada pelas transportadoras de gás – a de criação de um mecanismo de pass-through – vem sendo depurada no ministério.
O repasse do custo das usinas com a contratação firme dos gasodutos na forma de encargos para o setor elétrico encontrou resistência dentro do próprio MME.
E fora dele, tem sido ativamente questionada pela Eneva – que vê na proposta um desequilíbrio no jogo concorrencial com suas térmicas na cabeça do poço, desconectadas da malha de transporte, e seus projetos a gás natural liquefeito (GNL).
A seguir, a gas week analisa como chegamos até aqui e para onde tende a caminhar o leilão de reserva.
Separação de produtos para distensionar disputas
O diagnóstico, dentro e fora do governo, é de que a regra original do leilão saiu fadada à judicialização. E assim foi:
- As geradoras a óleo questionaram, primeiro, o teto do Custo Variável Unitário (CVU), que havia sido reduzido pelo MME;
- Na sequência, a Eneva judicializou o leilão, contra a inclusão do fator A ( mecanismo de competição com base na flexibilidade das térmicas) sem consulta pública. A liminar favorável à empresa foi o estopim para que o MME derrubasse o leilão.
A separação de produtos tem sido encarada como uma forma de distensionar a disputa entre as térmicas a óleo e a gás e que culminou na judicialização do certame, em março.
O LRCAP é sensível para planos de muitos agentes que veem no certame uma oportunidade de recontratar usinas descontratadas ou em vias de perder seus contratos no mercado regulado.
Ao cabo, a separação é uma decisão política de contratar as térmicas a óleo. E que vai implicar numa recalibragem da demanda – tarefa a cargo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
- A tendência, pelo modelo do leilão, é que para as fontes com mais oferta habilitada e disponível, haja a alocação de mais demanda.
Ao fim, embora não concorram diretamente pelos mesmos produtos, as diferentes fontes disputam indiretamente.
Debate sobre tarifa de transporte esquenta
Conforme antecipado pelo eixos pro (conheça o serviço de cobertura exclusiva), dentre as propostas que serão levadas à decisão de Silveira está a criação do pass-through, mas com mecanismo de modicidade:
- o custo do transporte vira encargo, rateado pelos consumidores de energia, mas com um teto para as tarifas dos gasodutos.
- Ou seja, caso ocorra um tarifaço, o custo dos gasodutos a partir de um limite não será repassado para as tarifas de energia.
Ao cabo, a decisão caberá ao ministro Alexandre Silveira.
Contraproposta. Em meio à repercussão negativa, as transportadoras estão acenando com um ajuste na proposta, para mitigar o impacto sobre os consumidores de energia.
- A ideia é permitir que o gerador possa revender a capacidade contratada e não utilizada nos gasodutos num mercado secundário de curto prazo (para distribuidoras e consumidores livres, por exemplo).
- A receita da revenda ajudaria, então, a abater os encargos tarifários que bancariam o custo do transporte de gás.
- Nesse modelo, as transportadoras notificariam as operações de cessão de capacidade à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e as receitas com cessão de capacidade entrariam numa espécie de conta gráfica da remuneração dos geradores pelos custos do transporte.
O modelo seria, na visão das transportadoras, uma forma de tentar traduzir mais fielmente o perfil de uso do sistema no cálculo dos encargos.
E de reduzir a oposição à proposta.
Os lados da moeda
O pass-through é uma proposta encabeçada pelas transportadoras, representadas pela ATGás.
Elas entendem que, pelas regras originais do LRCAP, a inclusão das tarifas de transporte dentro da receita fixa dos projetos – componente que ajuda a definir os vencedores do certame — prejudica as usinas conectadas à malha e dão uma vantagem competitiva às térmicas a GNL.
O principal ponto de argumentação é que um eventual esvaziamento da capacidade de gasodutos teria, como consequência, um pico nas tarifas de transporte nos próximos anos.
Mesmo que as receitas das transportadoras eventualmente caiam, na revisão tarifária deste ano.
- E qualquer aumento das tarifas vem na contramão da redução dos custos das infraestruturas do gás prometida pelo governo com os desdobramentos do novo decreto da Lei do Gás;
- O governo mira uma reavaliação geral dos custos da cadeia do gás, incluindo a revisão das bases de ativos das transportadoras e um pente-fino nos contratos legados).
A preocupação ganhou novos contornos com sinalizações de empreendedores de que pretendiam participar do certame sem fechar contratos de longo prazo com as transportadoras de gás – uma estratégia que pode encarecer as tarifas dos gasodutos para os demais usuários do sistema (entenda)
Isso porque, no cálculo da tarifa dos gasodutos, a receita dos transportadores é rateada entre os agentes que reservam capacidade no sistema com contratos firmes.
Recapitulando: o sistema de transporte funciona como uma espécie de condomínio. A transportadora é remunerada pela infraestrutura por uma receita permitida, que é repartida entre os usuários. Se o número de carregadores (quem contrata a capacidade) cai, aumenta o valor a ser pago pelos demais.
E em tempo: o pass through não muda a remuneração das transportadoras.
A Eneva reagiu: criticou a proposta, alegando que os custos elevados do transporte seriam repassados ao consumidor final de energia, “sem análise crítica de sua razoabilidade” – e defende, nesse caso, a revisão das tarifas das transportadoras.
- Tarifa é resultado da divisão entre as receitas reguladas do transportador pela capacidade contratada;
- As transportadoras centram o debate no denominador dessa fração (a capacidade contratada);
- e a Eneva lança luz sobre o numerador – ou seja, a necessidade de baixar as receitas.
A companhia destaca, nesse sentido, que onze anos após a Resolução 15/2014 ter estabelecido o modelo de revisões tarifárias quinquenais para o transporte de gás, TAG e NTS nunca passaram por uma revisão tarifária e que os investimentos da rede precisam ser amortizados.
Ainda segundo a Eneva, o modelo de pass through transfere o risco econômico das transportadoras diretamente ao consumidor e distorce a lógica de concorrência de leilões.
Argumenta, nesse caso, que a malha de transporte é apenas uma das formas de viabilizar o suprimento de gás ao setor termelétrico — e não necessariamente a mais competitiva.
O debate é público, com direito a réplicas e tréplicas:
- Pass-through no transporte de gás é retrocesso às custas do consumidor; e Injuridicidade de subsídio ao transporte de gás via pass-through no leilão de energia – os argumentos da Eneva;
- A quem interessam as térmicas desconectadas? – a réplica das transportadoras, por meio da TAG;
- O mito da geração espontânea de gás natural – e a tréplica da Eneva.
- Infraestrutura de transporte de gás é um pilar estratégico para a segurança energética – com a posição de Sébastien Lahouste, CEO da Fluxys Brasil
E a Petrobras? A companhia, dona de um dos três maiores parques de térmicas a gás do país (ao lado da Eneva e Âmbar) defende a priorização da recontratação do parque existente – conectado à malha, mas sem, necessariamente, entrar diretamente na briga pelo pass through.
Em carta enviada ao MME, em março, a estatal defendeu, dentre outros pontos, elevar o nível de aversão ao risco nos cálculos da demanda do leilão, levando a maior contratação de capacidade; e equilíbrio na distribuição da demanda entre as usinas existentes e as novas, priorizando a contratação dos ativos existentes.
Tic tac tic tac
Com o atraso no leilão de reserva, a folga para a expansão do parque termelétrico vai se estreitando: o produto voltado às novas usinas já havia sido deslocado para 2028 no edital do LRCAP 2025 (cancelado).
Um prazo curto para tirar um projeto greenfield do papel, com um agravante: a pressão na cadeia de fornecedores de maquinário, sobretudo turbinas, traz um desafio adicional para novos projetos.
O déficit de potência para o curto prazo, sobretudo para os próximos anos, também precisa ser contornado. A contratação de térmicas existentes para atender à demanda por potência em 2025, como era prevista no edital do leilão cancelado, já está descartada.
- Uma das iniciativas tomadas pelo governo para sanar o déficit de capacidade estimado para 2025 foi a antecipação da entrada em operação de térmicas contratadas no leilão de reserva de capacidade de 2021 e que só começariam a gerar em 2026.
O diretor de Planejamento do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Alexandre Zucarato, afirmou esta semana, contudo, que o estoque de usinas aptas a serem antecipadas se esgotou e reiterou a importância da realização do novo LRCAP.
- Além disso, o governo federal espera que a implantação de tarifas horárias (uma novidade da MP 1300/2025) possa ajudar a suavizar a rampa de consumo do fim da tarde;
- E a contratação por meio do mecanismo de operação diferenciada de térmicas é outra opção na mesa, para despacho de potência de térmicas existentes pelo ONS. O MME prorrogou a medida até 30 de setembro
GÁS NA SEMANA
Nova agenda do gás. A ANP vai retomar este ano a discussão sobre o gas release. A expectativa é concluir o assunto até o fim de 2026. Veja os detalhes da nova agenda regulatória 2025-2026 da agência.
- A ANP também concluiu os encontros do grupo de trabalho criado para definir as regras do mandato do biometano; e incluiu duas medidas prioritárias na agenda regulatória de 2025: definir as metas individuais por agentes e os critérios para certificação da origem do biocombustível.
Midstream. A PetroReconcavo assinou o contrato com a Brava Energia para compra de 50% da infraestrutura de escoamento e processamento de gás na Bacia Potiguar, por US$ 65 milhões. PetroReconcavo se comprometeu a vender 150 mil m³/dia de gás à Brava por cinco anos.
Geração. A termelétrica GNA II (1,67 GW), instalada no Porto do Açu (RJ), recebeu autorização da Aneel para início da operação comercial. É a maior usina a gás do Brasil em operação.
- Apesar dos problemas na cadeia mundial de fornecimento, a GNA acredita em competitividade no leilão de reserva de capacidade, disse o CEO da companhia, Emmanuel Delfosse, em entrevista à agência eixos.
GNL. A Agência Internacional de Energia (IEA) acredita que os investimentos no segmento vão continuar a crescer este ano, sobretudo com novos projetos nos EUA, Catar e Canadá; e que, entre 2026 e 2028, o mercado de GNL terá a maior expansão de capacidade global da história.
- ANP autoriza operação da planta de acondicionamento de GNL da GNLink em Itabuna (BA). É o segundo projeto de distribuição de GNL small-scale da companhia.
Biometano. Petrobras se une a instituições de pesquisa para elaborar um Atlas sobre o potencial do biogás, biometano e biodiesel na Amazônia e em todo o Brasil. Projeto com a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a FGV Energia e o Instituto Senai de Inovação para transformar resíduos da pesca em biocombustíveis e biogás na Amazônia Legal.
- MME aprovou a inclusão de dois projetos de biometano, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul, no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi).
CCS. Eneva estuda desenvolver o negócio de captura e armazenamento de CO2 nas bacias do Parnaíba e Paraná. Uma nova frente com foco em descarbonização e geração de créditos de carbono.