Diálogos da Transição

Hidrogênio verde expõe urgência de definições na política industrial

Desenvolvimento da cadeia de hidrogênio no Brasil precisa abordar conteúdo local de forma a inaugurar, de fato, a neoindústria defendida pelo governo

Yara Clean Ammonia e Scatec firmam acordo de compra de amônia renovável no Egito (Foto: Yara International ASA)
Planta de hidrogênio renovável da Yara (Foto: Yara International ASA)

NESTA EDIÇÃO. Desenvolvimento da cadeia de hidrogênio no Brasil precisa abordar conteúdo local de forma a inaugurar, de fato, a neoindústria defendida pelo governo.
 
No Nordeste, há uma preocupação em garantir que uma cadeia de valor se estabeleça na região, produzindo desde equipamentos para plantas de hidrogênio até produtos de valor agregado para exportação.
 
E ainda: Petrobras aprova 1° projeto de hidrogênio verde.


EDIÇÃO APRESENTADA POR

Previsto para ser sancionado pelo presidente Lula (PT) na próxima semana, o projeto de lei 3.027/2024, que cria o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), concede R$ 18,3 bilhões em créditos fiscais, entre 2028 e 2032, para incentivar o estabelecimento dessa indústria no Brasil.
 
A regulação deixa aberta a possibilidade de diferentes rotas de produção, desde que obedeçam o teto de intensidade de 7 kg de CO2 por 1 kg de H2 obtido, mas prevê a priorização de projetos com menor emissão de gases de efeito estufa (GEE) ou maior potencial de adensamento da cadeia de valor nacional.
 
Este último ponto será crucial para definir os rumos que a indústria nacional seguirá nos próximos anos.  
 
“São US$ 30 bilhões que estão vindo para cá para montar essas plantas de hidrogênio. Essas máquinas que vão ser compradas vão ter conteúdo nacional ou virão todas importadas da Europa?”, questiona Ricardo Capelli, presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
 
O executivo participou nesta quinta (26/9) de um evento do Correio Braziliense sobre os próximos passos da regulação do hidrogênio de baixo carbono.
 
Capelli observa que os investimentos estrangeiros são bem-vindos, mas, sozinhos, eles não são suficientes para virar a chave e alavancar a industrialização brasileira. E defende que o país utilize seu poder de negociação – em parte garantido pela matriz elétrica 90% renovável – para viabilizar o desenvolvimento de toda a cadeia de valor.
 
Além de pensar o fornecimento de tecnologia na fase de instalação dos projetos, a política industrial deverá se debruçar sobre que tipo de produtos serão exportados quando o país começar de fato a produzir hidrogênio.
 
“Não basta a gente exportar amônia e metanol. Nós queremos exportar aço verde, cimento verde, produtos de valor agregado a partir do hidrogênio verde, não apenas a commodity. Esse é o desafio do Brasil, utilizar essa oportunidade para que a gente possa neoindustrializar”.
 
Citando um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), que indica que Estados Unidos e o Canadá são os países que mais usam a política de conteúdo nacional como instrumento de industrialização, Capelli defende que o Brasil aposte nesse tipo de mecanismo para aproveitar as oportunidades trazidas pela transição energética.
 
“São os países desenvolvidos que usam a política de conteúdo nacional para fortalecer a sua indústria. Então, a gente precisa, sim, ter conteúdo nacional, e tem que fazer com que essa oportunidade da transição, essa posição estratégica que o Brasil tem, possa nos levar a um novo ciclo de industrialização”, argumenta.
 
“Para ter emprego de alta qualificação, precisa ter indústria, e a gente precisa aproveitar esse debate do hidrogênio, estratégico, e a posição estratégica do Brasil, nesse processo de reindustrialização”, completa.



Mais do que adensamento nacional, o Nordeste está olhando também para o conteúdo regional. 
 
Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Piauí e Bahia trabalham em hubs de hidrogênio verde em seus portos, combinando incentivos fiscais de ZPEs (Zonas de Processamento e Exportação) e projeções de demanda de indústrias intensivas instaladas nestes locais.
 
Mapeamento da CNI identifica mais de 20 projetos de hidrogênio a partir de fontes renováveis anunciados no Brasil, somando R$ 188,7 bilhões. Só o Ceará concentra cerca de R$ 110,6 bilhões.
 
A expectativa é que o país forneça o energético com um dos menores custos do mundo em 2030, dada a competitividade e alta elasticidade de oferta da geração elétrica renovável.
 
Para Aldemir Freire, diretor de Planejamento do Banco Nordeste, dada a dimensão continental do Brasil, é preciso ir além da discussão de conteúdo nacional.
 
“Nós não queremos só a discussão do conteúdo nacional. Porque, para nós, não fará muita diferença se o vazamento ocorrer para a China ou para o Sudeste. Nós queremos discutir essa industrialização daqui, discutindo também o conteúdo local do ponto de vista regional”.
 
Na visão de Freire, hoje, o maior desafio para o adensamento industrial na região é financeiro
 
“Embora a gente esteja crescendo significativamente o valor do FNE [Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste], ele é absolutamente insuficiente para dar conta da necessidade de investimento da região. Porque não vai ser só para isso”, diz. 
 
“Vamos ter um boom de investimentos em saneamento, um boom de investimentos no agronegócio, um boom de investimentos em combustíveis renováveis. E a gente precisa ter investimento. O grande desafio do banco é, então, captar novos fundings”.
 
Entre as iniciativas já em andamento pela instituição de fomento estão captações com bancos multilaterais como BID e Banco Mundial.

João Paulo Rodrigues, diretor de Relações Institucionais e Governamentais da Neoenergia, avalia que o principal desafio na regulamentação do marco do hidrogênio está em manter a unicidade federal equilibrando aspectos locais, como incentivos estaduais e municipais.
 
“Está bem desenhado, mas não podemos criar uma concorrência [que gere] uma guerra fiscal”, disse durante o evento desta quinta.
 
Para Rodrigues, o processo concorrencial para usufruir dos créditos fiscais ainda não está muito claro, e é preciso ter uma visão de País para que essa tecnologia se desenvolva.
 
A Neoenergia está desenvolvendo uma planta piloto de hidrogênio verde em Taguatinga, no Distrito Federal, prevista para entrar em operação em maio de 2025. O combustível irá abastecer ônibus e veículos leves.
 
O grupo também tem um memorando de entendimento (MoU) com a Prumo, para estudar a viabilidade de produção de hidrogênio e energia eólica offshore no Porto do Açu, no norte do Rio de Janeiro (RJ). E outro com o Governo do Rio Grande do Sul.


Petrobras entra no hidrogênio verde. A petroleira aprovou internamente o primeiro projeto de hidrogênio verde da companhia, afirmou nesta quarta (25/9) o diretor executivo de Transição Energética da estatal, Maurício Tolmasquim, em entrevista ao estúdio eixos, na ROG.e. O projeto de PD&I será associado à termelétrica a gás natural Vale do Açu (310 MW), no Rio Grande do Norte.
 
Lobby petroleiro versus climático. Na primeira entrevista exclusiva após assumir a presidência da Petrobras, Magda Chambriard defende continuação da exploração do petróleo e reclama do lobby europeu sobre o tema. Ela afirma que o debate climático está contaminado por uma disputa comercial, em que países ricos tentam influenciar as decisões globais, em razão de vantagens comerciais. Confira na agência eixos
 
Também na quarta (25/9), o presidente Lula (PT) defendeu que o Brasil use seu potencial de exploração de petróleo para transformar a Petrobras em uma empresa de energia.
 
Políticas para biocombustíveis na mira do TCU. O Tribunal de Contas da União encontrou fragilidades no controle da ANP sobre a geração e a certificação de CBIOs e possível insuficiência de geração dos créditos de descarbonização. Segundo avaliação do órgão, a situação pode prejudicar a confiabilidade do lastro dos ativos, mas o problema tende a ser resolvido com o desenvolvimento de uma solução tecnológica para melhorar a atividade fiscalizatória por parte da agência.
 
Data center com eólica. A Odata anunciou nesta quarta-feira (25/9) a ampliação do complexo eólico Assuruá IV, localizado em Xique-Xique, na Bahia, em parceria com a Serena Energia. O parque tem uma capacidade instalada de 212 megawatts e o aumento no volume contratado foi de 135%. No Brasil, a Odata tem 100% do consumo dos data centers oriundos de usinas de geração renovável, das quais possui participação.