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Corte internacional diz que Estados são obrigados a proteger o clima: e agora?

Parecer pode ser usado como base legal em processos relacionados às mudanças climáticas e combustíveis fósseis

Corte Internacional de Justiça emite parecer consultivo afirmando que Estados são obrigados a proteger o clima, no Palácio da Paz em Haia, em 23 de julho de 2025 (Foto Divulgação ICJ)
Corte Internacional de Justiça emite seu parecer consultivo sobre as Obrigações dos Estados em relação às Mudanças Climáticas, em 23 de julho de 2025, no Palácio da Paz em Haia (Foto Divulgação ICJ)

NESTA EDIÇÃO. Com parecer da ICJ, crise climática deixa de ser apenas uma questão de política pública e ganha status de responsabilidade legal internacional.

É mais uma carta na manga para litígios climáticos que miram a expansão de petróleo no Brasil.


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A Corte Internacional de Justiça (ICJ, em inglês) emitiu nesta quarta (23/7) o aguardado parecer consultivo sobre as obrigações legais dos países em relação às mudanças do clima. 

A deliberação foi unânime: os Estados têm obrigações jurídicas para proteger o sistema climático — não apenas perante outros Estados, mas também diante das gerações presentes e futuras.

Motivado por um pedido da Assembleia Geral da ONU, de 2023, que culminou na maior audiência pública do mundo sobre justiça climática, o parecer também deixa claro que os acordos climáticos e ambientais que as nações se prontificam a assinar têm valor.

Para a ICJ, tratados como o Acordo de Paris, Convenção do Mar, Protocolo de Montreal, Convenção da Biodiversidade, assim como o direito internacional consuetudinário (regras não escritas) criam essas obrigações.

O que inclui deveres como prevenir danos significativos ao meio ambiente, agir com diligência e regular as atividades potencialmente problemáticas.

O parecer chega semanas após um reconhecimento, na mesma linha, da Corte Interamericana de Direitos Humanos. 

E embora tenha caráter consultivo — ou seja, não é diretamente vinculante como uma sentença judicial —, ele tem peso político e jurídico

A ICJ deixa claro que o descumprimento dessas obrigações pode configurar atos internacionalmente ilícitos, com consequências como reparações, compensações e garantias de não repetição.

Na prática, o parecer pode ajudar a causa ambiental nos chamados litígios climáticos.

Isso porque o parecer pode ser usado como base legal em processos nacionais e internacionais, inclusive em ações de jovens ou povos indígenas contra seus governos.

Também abre caminho para disputas entre países: como a corte considera que as obrigações são erga omnes (de todos para todos), qualquer Estado pode cobrar judicialmente outro por descumprimentos — inclusive sem ser diretamente prejudicado.



Por aqui, os litígios climáticos têm como alvos principais o desmatamento e os projetos de expansão de combustíveis fósseis.

Boa parte dos processos contra o Estado relacionados à destruição florestal data da gestão de Jair Bolsonaro (PL).

O atual governo, do presidente Lula (PT), tem dado uma atenção significativamente maior ao combate ao desmatamento, já que esta foi uma bandeira levantada desde a campanha presidencial de 2022.

Mas o foco atual na expansão de fronteiras de petróleo abre um flanco para novos processos responsabilizando o País por seu dano climático.

A emissão do parecer da ICJ pode ser lida como um alerta aos países que seguem investindo em combustíveis fósseis como principal motor econômico.

Ele explicita que a omissão em conter emissões e limitar a exploração de combustíveis fósseis pode configurar violação de obrigações internacionais. Mais ainda: o documento afirma que a responsabilidade estatal pode ser atribuída mesmo quando o dano é causado por empresas privadas, caso o governo não regule ou fiscalize adequadamente suas atividades.

Para o Greenpeace Brasil, a recente aprovação pelo Congresso do PL 2159/2021, que flexibiliza o licenciamento ambiental, é outro exemplo de política na contramão das obrigações climáticas. 

“A Corte Internacional de Justiça traz um alerta claro aos governos: a crise climática não é só uma questão política, mas uma obrigação legal”, comenta Anna Cárcamo, especialista em Política Climática da ONG.

“Países precisam mitigar e se adaptar às mudanças do clima, inclusive eliminando os combustíveis fósseis e o desmatamento. No Brasil, precisamos urgentemente evitar retrocessos e abandonar políticas que incentivem a destruição ambiental”, completa.
 
Ontem (22/7), um grupo de ativistas organizou uma manifestação em frente ao Congresso Nacional, contra o que eles chamam de “PL da Devastação”.

Com receio de que o projeto de lei facilite a expansão desenfreada de grandes empreendimentos fósseis no país, ambientalistas pressionam o presidente Lula pelo veto integral — em linha com a visão da área ambiental do governo.

Um levantamento divulgado pela Arayara no mesmo dia estima que mais de 130 projetos de termelétricas a gás natural ou carvão mineral podem ser beneficiados com a sanção da lei, assim como 417 blocos exploratórios de petróleo e gás sob contrato, já realizando sísmica e perfuração.

Os dados consideram termelétricas em construção ou com processos de licenciamento em andamento, incluindo uma nota da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) sobre o Leilão de Reserva de Capacidade 2025. 


Ainda sobre litígios… O Instituto Arayara entrou com uma ação civil pública contra a Âmbar Sul Energia alegando irregularidades na UTE Candiota III e pedindo a suspensão imediata das atividades. Na ACP, a ONG alega histórico de infrações ambientais, irregularidades em relatórios de monitoramento e emissões fora dos padrões.

Baterias no Plano Clima. A meta de instalação de 800 megawatts (MW) de baterias na estratégia nacional de mitigação está abaixo da capacidade do país e leva em conta dados desatualizados, avalia a Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (Absae).

Disputa bilionária no RenovaBio. Na revisão de distribuidoras inadimplentes, a “lista suja” publicada entre terça (22/7) e quarta (23), mais oito companhias se livraram da suspensão das autorizações de funcionamento graças a decisões liminares de juízes federais em diversas partes do país. 

  • Dos 88 processos administrativos abertos, 35 estão suspensos cautelarmente. A primeira versão saiu com 33 empresas, reduzidas agora para 25.
  • 61 empresas estão com 10 milhões de CBIOs pendentes e mais 7 milhões para o ano de 2025, uma conta da ordem de R$ 1 bilhão (fora as multas).

Acordo Mercosul-UE. O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, afirmou na terça (22/7) que o acordo da União Europeia (UE) com o Mercosul é a melhor resposta ao atual contexto de incerteza internacional e uma proteção contra o crescente conflito comercial.

US$ 2,6 bi para bioeconomia. Membros da Coalizão Brasil para o Financiamento da Restauração e da Bioeconomia (BRB) anunciaram nesta quarta (23/7) que alcançaram a cifra de US$ 2,6 bilhões para projetos de restauração florestal e bioeconomia no país. O valor representa mais de um quarto da meta de mobilizar pelo menos US$ 10 bilhões até 2030.

MME antecipa leilão de transmissão. O Ministério de Minas e Energia (MME) antecipou o primeiro leilão de transmissão de energia elétrica, antes previsto para abril de 2026. Portaria Normativa publicada nesta quarta (23) marca o certame para março.

Tarifa de energia. A Aneel definiu a metodologia para a devolução, aos consumidores, dos créditos tributários obtidos por distribuidoras que conseguiram na Justiça excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins. Com o novo procedimento, expectativa é reduzir as tarifas de energia no cálculo anual.

R$ 151 milhões para eficiência. Municípios terão R$ 151 milhões para investir em eficiência energética de iluminação pública por meio do programa Procel Reluz, lançado pelo MME e a ENBPar nesta quarta (23/7). Esta é a quarta chamada pública, que terá um aumento de 37% nos investimentos desde a última edição.

Olimpíada de Eficiência Energética. Começa em 1º de agosto o período de inscrições para a Olimpíada Nacional de Eficiência Energética (Onee 2025), voltada a estudantes do 8º e 9º anos. Os interessados em participar da competição terão até o dia 30 de setembro para fazer a inscrição gratuita.

Mulheres na liderança. Lideranças femininas que atuam com atividades culturais com impacto positivo em suas comunidades podem inscrever seus projetos no Prêmio Inspirar. O prazo para preencher o cadastro vai de 25 de julho a 13 de agosto. Pela primeira vez, a premiação será exclusiva para mulheres negras.

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