NESTA EDIÇÃO. Com parecer da ICJ, crise climática deixa de ser apenas uma questão de política pública e ganha status de responsabilidade legal internacional.
É mais uma carta na manga para litígios climáticos que miram a expansão de petróleo no Brasil.
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A Corte Internacional de Justiça (ICJ, em inglês) emitiu nesta quarta (23/7) o aguardado parecer consultivo sobre as obrigações legais dos países em relação às mudanças do clima.
A deliberação foi unânime: os Estados têm obrigações jurídicas para proteger o sistema climático — não apenas perante outros Estados, mas também diante das gerações presentes e futuras.
Motivado por um pedido da Assembleia Geral da ONU, de 2023, que culminou na maior audiência pública do mundo sobre justiça climática, o parecer também deixa claro que os acordos climáticos e ambientais que as nações se prontificam a assinar têm valor.
Para a ICJ, tratados como o Acordo de Paris, Convenção do Mar, Protocolo de Montreal, Convenção da Biodiversidade, assim como o direito internacional consuetudinário (regras não escritas) criam essas obrigações.
O que inclui deveres como prevenir danos significativos ao meio ambiente, agir com diligência e regular as atividades potencialmente problemáticas.
O parecer chega semanas após um reconhecimento, na mesma linha, da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
E embora tenha caráter consultivo — ou seja, não é diretamente vinculante como uma sentença judicial —, ele tem peso político e jurídico.
A ICJ deixa claro que o descumprimento dessas obrigações pode configurar atos internacionalmente ilícitos, com consequências como reparações, compensações e garantias de não repetição.
Na prática, o parecer pode ajudar a causa ambiental nos chamados litígios climáticos.
Isso porque o parecer pode ser usado como base legal em processos nacionais e internacionais, inclusive em ações de jovens ou povos indígenas contra seus governos.
Também abre caminho para disputas entre países: como a corte considera que as obrigações são erga omnes (de todos para todos), qualquer Estado pode cobrar judicialmente outro por descumprimentos — inclusive sem ser diretamente prejudicado.
Dá para responsabilizar o Brasil pela expansão do petróleo?
Por aqui, os litígios climáticos têm como alvos principais o desmatamento e os projetos de expansão de combustíveis fósseis.
Boa parte dos processos contra o Estado relacionados à destruição florestal data da gestão de Jair Bolsonaro (PL).
O atual governo, do presidente Lula (PT), tem dado uma atenção significativamente maior ao combate ao desmatamento, já que esta foi uma bandeira levantada desde a campanha presidencial de 2022.
Mas o foco atual na expansão de fronteiras de petróleo abre um flanco para novos processos responsabilizando o País por seu dano climático.
A emissão do parecer da ICJ pode ser lida como um alerta aos países que seguem investindo em combustíveis fósseis como principal motor econômico.
Ele explicita que a omissão em conter emissões e limitar a exploração de combustíveis fósseis pode configurar violação de obrigações internacionais. Mais ainda: o documento afirma que a responsabilidade estatal pode ser atribuída mesmo quando o dano é causado por empresas privadas, caso o governo não regule ou fiscalize adequadamente suas atividades.
Novo marco do licenciamento na mira
Para o Greenpeace Brasil, a recente aprovação pelo Congresso do PL 2159/2021, que flexibiliza o licenciamento ambiental, é outro exemplo de política na contramão das obrigações climáticas.
“A Corte Internacional de Justiça traz um alerta claro aos governos: a crise climática não é só uma questão política, mas uma obrigação legal”, comenta Anna Cárcamo, especialista em Política Climática da ONG.
“Países precisam mitigar e se adaptar às mudanças do clima, inclusive eliminando os combustíveis fósseis e o desmatamento. No Brasil, precisamos urgentemente evitar retrocessos e abandonar políticas que incentivem a destruição ambiental”, completa.
Ontem (22/7), um grupo de ativistas organizou uma manifestação em frente ao Congresso Nacional, contra o que eles chamam de “PL da Devastação”.
Com receio de que o projeto de lei facilite a expansão desenfreada de grandes empreendimentos fósseis no país, ambientalistas pressionam o presidente Lula pelo veto integral — em linha com a visão da área ambiental do governo.
Um levantamento divulgado pela Arayara no mesmo dia estima que mais de 130 projetos de termelétricas a gás natural ou carvão mineral podem ser beneficiados com a sanção da lei, assim como 417 blocos exploratórios de petróleo e gás sob contrato, já realizando sísmica e perfuração.
Os dados consideram termelétricas em construção ou com processos de licenciamento em andamento, incluindo uma nota da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) sobre o Leilão de Reserva de Capacidade 2025.
Cobrimos por aqui
Curtas
Ainda sobre litígios… O Instituto Arayara entrou com uma ação civil pública contra a Âmbar Sul Energia alegando irregularidades na UTE Candiota III e pedindo a suspensão imediata das atividades. Na ACP, a ONG alega histórico de infrações ambientais, irregularidades em relatórios de monitoramento e emissões fora dos padrões.
Baterias no Plano Clima. A meta de instalação de 800 megawatts (MW) de baterias na estratégia nacional de mitigação está abaixo da capacidade do país e leva em conta dados desatualizados, avalia a Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (Absae).
- A Absae vê potencial para a contratação de 2 GW de baterias no leilão exclusivo prometido pelo governo.
Disputa bilionária no RenovaBio. Na revisão de distribuidoras inadimplentes, a “lista suja” publicada entre terça (22/7) e quarta (23), mais oito companhias se livraram da suspensão das autorizações de funcionamento graças a decisões liminares de juízes federais em diversas partes do país.
- Dos 88 processos administrativos abertos, 35 estão suspensos cautelarmente. A primeira versão saiu com 33 empresas, reduzidas agora para 25.
- 61 empresas estão com 10 milhões de CBIOs pendentes e mais 7 milhões para o ano de 2025, uma conta da ordem de R$ 1 bilhão (fora as multas).
Acordo Mercosul-UE. O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, afirmou na terça (22/7) que o acordo da União Europeia (UE) com o Mercosul é a melhor resposta ao atual contexto de incerteza internacional e uma proteção contra o crescente conflito comercial.
- Em pronunciamento em Montevidéu após se reunir com o presidente uruguaio Yamandú Orsi, o espanhol disse que há uma necessidade urgente de finalizar o acordo.
- Na diálogos da transição: Europa mira indústria verde no Mercosul em meio a choques globais
US$ 2,6 bi para bioeconomia. Membros da Coalizão Brasil para o Financiamento da Restauração e da Bioeconomia (BRB) anunciaram nesta quarta (23/7) que alcançaram a cifra de US$ 2,6 bilhões para projetos de restauração florestal e bioeconomia no país. O valor representa mais de um quarto da meta de mobilizar pelo menos US$ 10 bilhões até 2030.
MME antecipa leilão de transmissão. O Ministério de Minas e Energia (MME) antecipou o primeiro leilão de transmissão de energia elétrica, antes previsto para abril de 2026. Portaria Normativa publicada nesta quarta (23) marca o certame para março.
Tarifa de energia. A Aneel definiu a metodologia para a devolução, aos consumidores, dos créditos tributários obtidos por distribuidoras que conseguiram na Justiça excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/Pasep e da Cofins. Com o novo procedimento, expectativa é reduzir as tarifas de energia no cálculo anual.
R$ 151 milhões para eficiência. Municípios terão R$ 151 milhões para investir em eficiência energética de iluminação pública por meio do programa Procel Reluz, lançado pelo MME e a ENBPar nesta quarta (23/7). Esta é a quarta chamada pública, que terá um aumento de 37% nos investimentos desde a última edição.
Olimpíada de Eficiência Energética. Começa em 1º de agosto o período de inscrições para a Olimpíada Nacional de Eficiência Energética (Onee 2025), voltada a estudantes do 8º e 9º anos. Os interessados em participar da competição terão até o dia 30 de setembro para fazer a inscrição gratuita.
Mulheres na liderança. Lideranças femininas que atuam com atividades culturais com impacto positivo em suas comunidades podem inscrever seus projetos no Prêmio Inspirar. O prazo para preencher o cadastro vai de 25 de julho a 13 de agosto. Pela primeira vez, a premiação será exclusiva para mulheres negras.