Diálogos da Transição

Combustível do Futuro para além do Brasil

Exposição de veículos com tecnologias de baixa emissão durante a cerimônia de sanção do Combustível do Futuro, na Base Aérea de Brasília (DF), em 8/10/2024 (Foto Ricardo Stuckert/PR)
Exposição de veículos com tecnologias de baixa emissão durante a cerimônia de sanção do Combustível do Futuro | Foto Ricardo Stuckert/PR

NESTA EDIÇÃO. Sancionada, a lei do Combustível do Futuro promove a internacionalização dos biocombustíveis brasileiros. E apoia os esforços do Brasil na presidência do G20 para incluir biocombustíveis na descarbonização global.

No CCC, etanol sai na frente. Projeto mais avançado no Brasil prevê descarbonizar biocombustível o que pode, no futuro, vencer barreira à exportação.

Na sanção, faltou SAF. Uma efeméride não deu certo – o voo simbólico com a molécula do bioQAV. Mas a demanda, sem a oferta, anima os produtores.

Editada por Gabriel Chiappini
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e Gustavo Gaudarde 
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EDIÇÃO APRESENTADA POR

A sanção da lei do Combustível do Futuro, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta terça (8/10), impulsiona a internacionalização dos biocombustíveis brasileiros. Ao menos é um dos desdobramentos esperados do novo pacote de políticas agroindustriais oficializado, agora, pelo Brasil.

A lei que cria programas nacionais para diesel verde, combustível sustentável de aviação (SAF) e biometano e aumenta a mistura de etanol e de biodiesel à gasolina e ao diesel, também institui o marco regulatório para a captura e a estocagem de carbono (CCS). A cerimônia foi transmitida ao vivo pela eixos.

A iniciativa se junta aos esforços do Brasil na presidência do G20 em abrir espaço para a inserção dos biocombustíveis na descarbonização global, para além da eletrificação, como ficou evidente na declaração conjunta do Grupo de Trabalho de Transições Energéticas do G20 (ETWG), publicado na semana passada. 
 
Itamaraty, Fazenda, Minas e Energia e Meio Ambiente estão com o discurso alinhado e devem seguir nessa defesa tanto na COP29, em novembro, como em 2025, na presidência do Brasil no Brics e na COP30, em Belém.



A ideia do Brasil é que tanto combustíveis de primeira geração, como etanol e biodiesel, como combustíveis avançados e hidrogênio produzidos a partir de biomassa possam ser aceitos em mercados internacionais de transporte marítimo, aviação, entre outros. 
 
Em entrevista ao jornal O Globo, publicada nesta terça, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), defendeu que os países ricos reconheçam o papel dos biocombustíveis tanto na descarbonização, como na produção de hidrogênio verde. 
 
Hoje, a União Europeia, por exemplo, reconhece como hidrogênio renovável – e concede incentivos – apenas aquele que é produzido a partir da eletricidade com energia solar e eólica. 
 
“É o caso dos biocombustíveis serem considerados soluções baseadas na natureza. Mas os países desenvolvidos não consideram o bioetanol brasileiro uma solução baseada na natureza”, afirmou a ministra. 
 
Segundo ela, a discussão sobre transição justa deve valorizar as oportunidades que os países emergentes e pobres possuem para se desenvolverem.
 
“Para nós, usar biomassa, energia da cana de açúcar, hidroeletricidade para gerar hidrogênio verde também é uma forma de empregar energia limpa”.
 
Marina Silva também defendeu que o Brasil abra mão de receber recursos advindos do fundo de US$ 100 bilhões previstos pelo Acordo de Paris. Segundo ela, países em desenvolvimento poderiam fazer “a cooperação Sul-Sul, mas não necessariamente aportar para esse fundo”.

Em entrevista à agência eixos, Rafael Ceconello, diretor de Assuntos Regulatórios e Governamentais da Toyota, que a liderança do Brasil no ETWG e a sanção da lei do Combustível do Futuro, fortalecem o papel dos biocombustíveis na agenda global de descarbonização. 
 
“De fato chegaram ao consenso de recomendar que na rota de descarbonização, todos os esforços globais pela descarbonização devem ser considerados. Não só o hidrogênio e a eletrificação, mas também os biocombustíveis e combustíveis sustentáveis”, disse Ceconello.
 
Ele ressalta que a Europa, por exemplo, apesar de estar focada no hidrogênio, começa a entender a necessidade de outras rotas para descarbonização até o amadurecimento da tecnologia, o que abriria uma “janela” para aplicações dos biocombustíveis. 
 
“Essa política sinaliza e serve de espelho não só para o Brasil como para o mundo de que é uma política para desenvolvimento de uma indústria e uma frota importante que vai usar biocombustível”, disse.

Um dos entraves para a entrada do etanol na Europa, por exemplo, é sua emissão de carbono no processo produtivo. 
 
Com a aprovação da lei, e regulamentação da atividade de captura e armazenamento de carbono no solo (CCS, na sigla em inglês), espera-se que as usinas de etanol possam produzir um biocombustível que terá pegada negativa de carbono”
 
O mercado brasileiro de CCS tem perspectiva de movimentar entre R$ 14 e R$ 20 bilhões 
anuais, com participação significativa do setor de etanol, indicam estimativas da CCS Brasil. 
 
Um dos projetos em desenvolvimento no Brasil, de CCS atrelado a produção de etanol de milho é do Grupo FS, que pretende investir R$ 500 milhões em uma planta de captura e estocagem de CO2, associado à produção de etanol, em Lucas do Rio Verde, Mato Grosso
 
O grupo foi uma das empresas que se comprometeram a investir mais de R$ 20 bi na cadeia de biocombustíveis, durante a cerimônia do Combustível do Futuro. 
 
Outra delas, a Raízen assinou o compromisso de investir R$ 11,5 bilhões para a implantação de 9 plantas de etanol de segunda geração até 2028.
 
Já a Virtu, a Eneva e a Edge confirmaram R$1,3 bilhões na implantação de corredor verde de transporte de gás natural, utilizando caminhões movidos a GNL. A primeira etapa terá 3000 km de extensão e investimentos até 2026.

O Combustível do Futuro foi, ao cabo, sancionado em uma grande festa do agronegócio, em Brasília, com Lula e boa parte da cúpula do governo. 
 
Mas uma ideia não decolou: empresas e o governo se movimentaram para fazer uma espécie de voo inaugural, desembarcando autoridades na Base Aérea de Brasília, com um avião abastecido com um (pequeno) percentual de combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês).
 
Mas não foi possível comprar o combustível. A Azul embarcou na ideia e a primeira molécula simbólica do SAF viria do exterior, possivelmente da Europa ou Estados Unidos. 
 
O pouco SAF que há no mundo está negociado em contratos-âncora, nos quais quem vende dá garantias a quem compra das entregas de longo prazo. Em troca, tem segurança para sancionar investimentos na nova cadeia industrial. 
 
A escassez atrapalhou a efeméride da sanção, mas anima quem espera colocar a partir do mercado brasileiro um SAF, mais caro que o QAV fóssil, porém capaz de competir com o mercado externo. A demanda está posta.


Hidrogênio verde pode não ser a solução. Estudo publicado por pesquisadores da Universidade de Harvard afirma que hidrogênio verde é uma estratégia “proibitivamente cara para reduzir as emissões, excedendo os custos de remoção direta de CO2 da atmosfera”. Segundo a publicação, as estimativas de preço ignoram os altos custos de armazenamento e distribuição.

“Nossos resultados desafiam uma ideia crescente de que o hidrogênio será o ‘canivete suíço da descarbonização’ e sugerem que as oportunidades para o hidrogênio podem ser mais estreitas do que se pensava anteriormente”, disse a autora principal Roxana Shafiee, pesquisadora de pós-doutorado no Centro de Meio Ambiente da Universidade de Harvard. 

Subsídios para projetos na Europa Seis dos sete projetos europeus que foram selecionados para receber apoio financeiro da União Europeia no leilão piloto de hidrogênio assinaram seus acordos para receberem subsídios, que vão cobrir a diferença entre os custos de produção e o preço que clientes industriais estão dispostos a pagar pelo hidrogênio renovável.

Eólicas offshore na Noruega com subsídios O governo norueguês planeja anunciar novas áreas para desenvolvimento eólico offshore em 2025, junto com um programa de subsídios de NOK35 bilhões (US$ 3,2 bilhões), para o primeiro leilão eólico offshore em duas áreas no sul do Mar do Norte norueguês.

“A Noruega tem um enorme potencial para eólico offshore flutuante em sua plataforma continental, mas como a tecnologia permanece imatura e cara, o apoio estatal é necessário para acelerar seu desenvolvimento”, disse o Ministro da Energia Terje Aasland.