NESTA EDIÇÃO. Brics rejeita, em declaração final, mecanismo de ajuste de fronteira de carbono da União Europeia
Com quase 35% do PIB global, o bloco de emergentes também pediu o fim de sanções econômicas que afetam direitos humanos, a exemplo do que ocorre com Cuba. Embora não mencione diretamente o país, que acaba de ser aceito como parceiro.
E ainda: em Washington, nos EUA, ministros do G20 prometem cooperação para superar barreiras ao financiamento climático.
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A conclusão da cúpula do Brics esta semana (24/10) reforçou a rejeição do bloco às barreiras que vêm sendo impostas pela União Europeia sob o selo “verde” e marcou posição de países com reservas de minerais críticos à transição energética e petróleo em relação aos conflitos armados (condena Israel e ignora Ucrânia) e guerras comerciais.
“Rejeitamos medidas protecionistas unilaterais, punitivas e discriminatórias, que não estejam de acordo com o direito internacional, sob o pretexto de preocupações ambientais, como mecanismos unilaterais e discriminatórios de ajuste de carbono nas fronteiras (CBAMs), exigências de devida diligência, impostos e outras medidas”, diz um trecho da declaração conjunta de Kazan, cidade da Rússia onde ocorreu o encontro.
O fórum de países emergentes é historicamente contrário ao mecanismo criado pela União Europeia para taxar produtos importados que tenham uma intensidade de carbono superior aos produzidos pelos países europeus.
Um dos problemas é que o mecanismo não considera o Escopo 2 (emissões relacionadas ao uso de energia) em seu cálculo, dando uma vantagem aos europeus cuja matriz elétrica é predominantemente fóssil, em relação a mercados como o brasileiro, com maior participação de renováveis.
“Reconfirmamos nosso total apoio ao apelo da COP28 relacionado a evitar medidas comerciais unilaterais baseadas no clima ou no meio ambiente. Também nos opomos a medidas protecionistas unilaterais, que deliberadamente interrompem as cadeias globais de fornecimento e produção e distorcem a concorrência”, continua a declaração.
Não é trivial
O bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, respondeu por 34,9% do PIB mundial em 2023, com US$ 65,9 trilhões e superou o G7 (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, embora a União Europeia), que fechou o ano passado com participação de 30,1% do PIB mundial, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
As projeções indicam que com a chegada, em janeiro, dos quatro novos integrantes ao Brics (Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Egito), essa participação suba para 35,4% em 2024. E cerca o Mar Cáspio, rico em óleo, gás e minério, além de ser uma ponte da Ásia à Europa.
Esse alinhamento político é estratégico para pressionar mudanças e remodelar as negociações internacionais, há décadas direcionadas aos interesses das economias do Hemisfério Norte.
Chega em um momento em que a China – líder na fabricação de painéis solares, baterias e eletrolisadores – sofre com barreiras da União Europeia às suas tecnologias.
E os países do Sul Global se organizam em torno de uma Plataforma Geológica do BRICS “como o primeiro passo da colaboração prática no campo da geologia e do desenvolvimento racional dos recursos minerais”.
“Temos de unir forças para não ficar para trás na transição energética e na revolução digital. Não podemos nos limitar à posição de meros fornecedores de recursos naturais, reproduzindo a lógica extrativista de séculos atrás”, disse o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
O bloco, aliás, recebeu como parceira a Bolívia, país que abriga as maiores reservas de lítio do mundo. E Cuba, que sofre com um apagão generalizado de energia elétrica, piorado pelas sanções impostas pelos Estados Unidos que impedem a chegada de óleo, gás e equipamentos para manutenção de termelétricas.
A sanção foi alvo de críticas na declaração do Brics: “Reiteramos que as medidas coercitivas unilaterais, inter alia na forma de sanções econômicas unilaterais e sanções secundárias que são contrárias ao direito internacional, têm implicações de longo alcance para os direitos humanos da população dos Estados afetados, inclusive o direito ao desenvolvimento, afetando desproporcionalmente os pobres e as pessoas em situações vulneráveis. Portanto, pedimos sua eliminação”.
*Colaborou Gabriel Chiappini
Finanças contra a mudança do clima?
Ministros da Fazenda e do Meio Ambiente do G20 encerraram, nesta quinta (24/10), o encontro da Força-Tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima, em Washington, nos EUA, durante as reuniões anuais do FMI e do Banco Mundial com um comunicado (.pdf) prometendo cooperação para superar barreiras ao financiamento climático.
O documento reafirma prioridades da presidência brasileira como inclusão social e combate à fome e à pobreza; transições energéticas justas e reforma das instituições de governança global. Também menciona o reconhecimento do G20 sobre a necessidade de avançar em uma reforma tributária ampla, taxando adequadamente os bilionários.
Outra prioridade que avançou foi o tema da reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento.
Durante coletiva no encerramento do encontro, a ministra Marina Silva (Rede) disse que um dos principais resultados da força-tarefa foi a construção do Roteiro para Reforma dos bancos multilaterais, com caminhos para tornar essas instituições mais eficientes no enfrentamento dos desafios globais, mantendo o foco no desenvolvimento de países de baixa e média renda.
Foi aprovado ainda o relatório independente da Força-Tarefa Climática, Um Planeta Verde e Justo: A Agenda de 1,5°C para Governar Políticas Industriais e Financeiras Globais no G20, que afirma que o G20 deve agir com urgência para promover a transformação econômica necessária para limitar o aquecimento a 1,5°C.
Na área de energia, o comunicado reforça acordos assumidos na COP28, de Dubai, como triplicar renováveis, acelerar esforços para redução gradual do carvão sem abatimento, fazer transição para longe dos fósseis e eliminar gradualmente os subsídios fósseis ineficientes.
Assim como a declaração de ministros de Energia, do início de outubro, a força-tarefa demonstrou apoio a tecnologias de baixo carbono, como remoção (CCS), mas incluiu a economia circular entre as soluções.
Além disso, os ministros disseram que irão “responder positivamente” ao compromisso de apresentar NDCs alinhadas com 1,5°C.
Cobrimos por aqui
- O Brics+ e a corrida pela transição energética
- Com novos membros, Brics terá quase metade da produção global de petróleo
- China lidera decisões de investimentos em hidrogênio de eletrólise
- Gargalo para renováveis, minerais são uma nova chance para países do Sul Global
Curtas
Noruega quer CCS na declaração do G20. País nórdico busca assegurar a inclusão da captura e armazenamento de carbono (CCS) nos comunicados finais do G20 como uma das soluções para a descarbonização do planeta. O tema é uma das principais defesas norueguesas nos fóruns internacionais e deve ser levado pelo primeiro-ministro Jonas Gahr Støre, à Cúpula de Líderes.
Pico de petróleo na China. A China está a caminho de produzir mais de 10 milhões de veículos elétricos, respondendo por quase 40% das vendas de carros novos em 2024, aponta a Revisão Estatística de Energia Mundial do Energy Institute. No transporte rodoviário, as empresas estão migrando do óleo diesel para motores movidos a gás natural. Movimento leva à previsão de que o país está a caminho do pico de consumo de petróleo.
Fogo na Amazônia. A degradação florestal explodiu na Amazônia em setembro e chegou aos 20.238 km², o que equivale a mais de 13 vezes a cidade de São Paulo, de acordo com dados do monitoramento por imagens de satélite do instituto de pesquisa Imazon. Essa foi a maior área atingida nos últimos 15 anos. O Imazon alerta que a destruição ameaça gravemente a biodiversidade amazônica, um dos temas discutidos neste momento na COP16, na Colômbia.
Eletrobras de olho em eletrolisadores. Uma das maiores geradoras de energia renovável do Brasil, a companhia quer fornecer mais do que eletricidade para projetos de hidrogênio verde de larga escala. O plano é se consolidar como parceira na operação de eletrolisadores, a partir da expertise acumulada no projeto-piloto de Itumbiara, conta à agência eixos o vice-presidente de inovação da Eletrobras, Juliano Dantas.
Gado rastreado. O Brasil tem avançado com os planos de rastrear o rebanho de gado, à medida que o país enfrenta pressão internacional para evitar o desmatamento causado pela produção de commodities. O governo trabalha com o setor privado para lançar uma plataforma de dados que permitirá aos frigoríficos rastrear totalmente seus suprimentos a partir de 2027. (Bloomberg)
Vagas em usinas solares. O Grupo Delta Energia, um dos líderes do setor de energia no Brasil, abriu vagas efetivas para usinas solares em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal. As oportunidades são para operador de usina fotovoltaica.
Artigos da semana
Desafios para o planejamento das linhas de transmissão e grid na era do hidrogênio verde Com o avanço dos projetos de hidrogênio verde via eletrólise, que têm uma demanda energética significativa, novos desafios surgem no planejamento das linhas de transmissão e do grid nacional, analisa o jornalista Gabriel Chiappini
Escasso é o tempo A transformação energética e a descarbonização não são problemas das elites, e nem uma questão para ser discutida apenas por especialistas. É uma pauta que envolve a todos, escreve Fernanda Delgado
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