NESTA EDIÇÃO. Quase 95% dos signatários do Acordo de Paris precisarão de tempo extra para entregar seus compromissos climáticos para 2035.
Entre os que cumpriram o prazo, ambições se mostram aquém do desafio de limitar o aquecimento a 1,5°C até 2100, analisa think tank.
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Venceu hoje (10/2) o prazo acordado nas Nações Unidas para que as 195 nações signatárias do Acordo de Paris entregassem a atualização de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, em inglês), com metas de corte de emissões até 2035.
Mas apenas dez países apresentaram suas ambições oficialmente: Emirados Árabes Unidos, Brasil, Estados Unidos e Uruguai no final de 2024; Suíça, Reino Unido, Nova Zelândia, Andorra, Equador e Santa Lúcia, em 2025.
O baixo engajamento – especialmente entre os que respondem pela maior parte do CO2 na atmosfera – forçou a extensão do deadline até setembro.
Significa menos tempo para que negociadores da COP30, a 30ª Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU, possam se debruçar sobre as ambições de diferentes economias para cortar combustíveis fósseis e emissões, de forma a limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C até o fim do século.
Em visita ao Brasil (sede da COP30) na última semana, o secretário-executivo da ONU para mudanças climáticas (UNFCCC), Simon Stiell, pediu aos países que perderam o prazo para usarem o tempo extra para trabalhar mais arduamente em suas metas.
“Como esses planos nacionais estão entre os documentos de política mais importantes que os governos produzirão neste século, sua qualidade deve ser a consideração primordial… Levar um pouco mais de tempo para garantir que esses planos sejam de primeira linha faz sentido, delineando adequadamente como eles contribuirão para esse esforço [para enfrentar a crise climática] e, portanto, quais recompensas eles colherão”. (The Guardian)
A expectativa é em relação aos grandes emissores, como União Europeia, China e Índia, que têm poder para mudar o ritmo da transição global.
Tempo extra para as NDCs, mas sem trégua do clima
Recordes mensais de calor, o ano de 2024 mais quente da história e eventos climáticos extremos causando prejuízos de bilhões de dólares têm colocado a crise do clima entre os maiores riscos globais para a economia, o que deveria servir de base para políticas mais assertivas em direção à transição global.
Não é o que está ocorrendo. O último balanço global das ações climáticas da ONU apontava que as políticas definidas até 2023 levariam a aumentos de temperatura de 2,1°C a 2,8°C até o final do século.
De lá para cá, uma série de reveses adicionam dificuldades ao alinhamento com 1,5°C: a saída dos EUA do Acordo de Paris e as investidas de Donald Trump contra as renováveis; o passo para trás nos planos de transição de grandes empresas de energia; o fracasso da COP29 em mobilizar financiamento climático para países pobres, são alguns exemplos.
Dentro do prazo, fora do caminho
Análise do think tank Climate Action Tracker (CAT) de seis das 10 novas NDCs até 2035 aponta que elas estão aquém do desafio de limitar uma crise climática ainda maior.
De acordo com o CAT, somente o Reino Unido está alinhado com 1,5 °C. (Carbon Brief)
“Até agora, os governos não cumpriram suas promessas feitas há dez anos — de aproximar o mundo de um caminho consistente com a limitação do aquecimento a 1,5°C na velocidade necessária. O prazo que eles mesmos definiram há dez anos precisa marcar o início de um ano que vê uma virada marcante na ação governamental”, critica Bill Hare, CEO da Climate Analytics, parceira do CAT.
A meta dos EUA, apresentada nos últimos momentos da gestão do democrata Joe Biden, era reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) na faixa de 61% a 66% até 2035, em comparação com as medições de 2005.
Segundo maior emissor de GEE do planeta (11,25% do total), o país abandonou o compromisso com a chegada do republicano Donald Trump à presidência.
Já os Emirados Árabes Unidos, os primeiros a depositarem sua nova ambição na ONU, a meta é de cortar em 47% suas emissões até 2035, em comparação com 2019, o que levaria a um volume anual de 103,5 milhões de toneladas de CO2e. O país petroleiro representa atualmente 0,51% das emissões globais.
Presidente da COP30, o Brasil foi o segundo a apresentar sua NDC até 2035, com um corte de 59% a 67% das suas emissões em comparação com 2005. Considerada insuficiente por ambientalistas, é defendida como “ambiciosa e factível” pelo governo, à medida em que buscará buscará uma redução de emissões entre 850 milhões e 1,05 bilhão de toneladas de gás carbônico equivalente em 2035.
De qualquer forma, ainda não se sabe como a ambição será alcançada porque o Plano Clima, onde as ações serão detalhadas por setor, não está pronto.
A meta do Uruguai não entrou na análise do think tank. O país tem uma participação pequena nas emissões globais: 0.08% (Agência Brasil). Ainda assim, estabeleceu teto para CO2 (9,6 milhões de toneladas) e metano (818 mil toneladas) até 2035.
Único no caminho de 1,5°C, o Reino Unido tem meta de reduzir as emissões em 81% abaixo dos níveis de 1990 até 2035. Ainda assim, o CAT observa que esse alinhamento depende de financiamento climático internacional e apoio dentro de casa.
Cobrimos por aqui
Curtas
Expansão termelétrica. O Brasil terá uma expansão de 3,18 gigawatts (GW) na capacidade termelétrica em 2025, a maior desde 2013, segundo os dados públicos da Aneel. A maior parte do volume virá de projetos a gás natural, com 2,39 GW, mas também haverá aumento na capacidade a biomassa, com 793 megawatts (MW).
Cortes de geração. As usinas hidrelétricas pretendem participar do debate em torno dos cortes de geração criticados pelos geradores solares e eólicos. Em meio à regulamentação dos cortes de geração colocada em prática pela Aneel e da ação judicial em curso, os geradores pedem que sejam discutidas compensações a todas as fontes.
Disputa por minerais críticos. Crescimento de tensões geopolíticas amplia a necessidade de proteger minerais críticos dos riscos para cadeia de oferta, sob risco de mais que dobrar os preços para a indústria de determinados países, alerta relatório. Alguns minérios, particularmente cobre e lítio, devem ter “aperto considerável” na oferta nos próximos anos.
Autoprodução renovável. Grandes grupos econômicos anunciaram acordos para consumir energia verde em suas atividades nas primeiras semanas de 2025. CCR, Ypê e Schulz passaram a optar por fontes renováveis, a partir de contratos de autoprodução. Esses conglomerados assinaram contratos para se tornarem sócios ou para arrendar empreendimentos de geração de energia elétrica.
Bunker com biodiesel. A Petrobras fez, no início de fevereiro, a sua primeira venda de VLSFO (Very Low Sulfur Fuel Oil, em inglês) com 24% de biodiesel (B24) no mercado asiático de bunker. A comercialização foi realizada com a empresa Golden Island, fornecedora de bunker licenciada em Cingapura. A entrega do combustível será realizada ainda durante o mês de fevereiro.
Plano de resiliência. BNDES e governo do Rio Grande do Sul firmaram na última sexta (7/2) um acordo de cooperação técnica para elaborar um plano de resiliência climática de médio e longo prazo para proteção contra extremos climáticos. O foco é a região do Guaíba, criticamente afetada durante as enchentes de maio de 2024.
Descarbonização portuária. Antaq e Eletrobras firmaram uma parceria para subsidiar iniciativas de descarbonização em portos e terminais do país. A iniciativa inclui encontros e seminários com concessionários de serviços aquaviários para difundir informações sobre o mercado de energia elétrica brasileiro e levantamento sobre os portos e terminais aptos a migrarem para o ambiente de contratação livre.