A negociação do mercado de carbono na COP 25 e a visão empresarial para agenda climática

A negociação do mercado de carbono na COP 25 e a visão empresarial para agenda climática

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Diálogos da Transição

apresentada por

Quem faz
Felipe Maciel, Guilherme Serodio e Larissa Fafá
Editada por Gustavo Gaudarde
[email protected]

Para esta última edição de 2019, conversei com Marina Grossi e Ronaldo Seroa sobre a agenda do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, o CEBDS, na COP 25, que terminou no domingo (15) em Madri.

Marina Grossi preside o CEBDS e Ronaldo Seroa, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), é especialista em mercado de carbono e consultor do conselho.

Dividi a entrevista em duas partes: o avanço das negociações na COP 25 para o fechamento do Artigo 6 do Acordo de Paris, que disciplina o mercado de carbono e a sua relação com a metas de cada país; e um balanço da presença do Brasil, neste primeiro ano de Jair Bolsonaro, na COP 25. A entrevista, na íntegra, está publicada no site.

Voltamos com a newsletter em janeiro.

Boa festas,
Gustavo.

A negociação do Artigo 6

O Artigo 6 trata dos resultados de mitigação internacionalmente transferidos (ITMO, na sigla em inglês), que na prática vai regulamentar as transações com créditos de carbono no contexto do Acordo de Paris.

Em discussão, estão as regras desse novo mercado e como ele vai afetar as metas individuais de cada país, além de como será tratado o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), criado pelo Protocolo de Kyoto.

Marina e Ronaldo explicam que o Brasil adotou uma nova postura na COP 25, pró-mercado de carbono – a resistência brasileira no passado era um dos obstáculos do Artigo 6. Mas mesmo assim, não foi possível chegar a um acordo.

O problema é que a questão agora vai ao limite. Pelo cronograma atual, a COP 26, em 2020, deve marcar a implementação do Acordo de Paris e tanto a negociação do Artigo 6 como do chamado livro de regras já deveria ter sido concluída.

Qual era a expectativa de vocês para participação do Brasil na COP 25?

Marina Grossi: Foi levar os dois principais pontos que a gente tem debatido muito aqui no Brasil, que tem trabalhado com vários setores e com o governo: que se fechasse o livro de regras do Acordo de Paris e, sobretudo, o Artigo 6, que cria mecanismos financeiros para atuação do mercado. Nossa expectativa era que se fechasse um acordo para o Artigo 6, mas não fechou.

Tínhamos uma proposta muito clara dos princípios que deveriam reger a atuação do governo, do ponto de vista do setor privado, para que o mercado de carbono funcione bem e o Brasil tire vantagem disso, mas apesar de o governo ter se declarado pró-mercado, no fim, o Artigo 6 não conseguiu ser fechado.

Não foi só o Brasil, outros países também [apresentaram exigências]. Essa discussão vai para a próxima COP.

Ronaldo Seroa: De qualquer maneira, a gente observou uma nova postura pró-mercado de carbono. Então, isso ficou cristalizado e daqui para frente e, pelo o que a gente entende, vai nortear a posição do Brasil para a COP 26.

“É uma mudança histórica, porque, até então, a posição do Brasil nas conferências era reticente, não dava tanta importância aos mecanismos de mercado, não tinha nenhum debate na NDC brasileira”.

[Nota: a Contribuição Nacionalmente Determinada ou NDC (na sigla em inglês) são os compromissos firmados pelo Brasil e outros países no Acordo de Paris.]

Marina Grossi: Teve essa mudança histórica do governo brasileiro e outra, em relação às florestas. Começamos a ter a sinalização que, para a próxima COP, a mensagem estará mais clara pró-mercado já que a gente viu alguns participantes importantes do setor agrícola, de florestas de uma maneira que não participavam antes.

Quais foram as exigências que impediram um acordo para o Artigo 6?

Ronaldo Seroa: O Artigo 6 tinha vários empecilhos. O Brasil queria de alguma maneira vender créditos sem ajustar essas vendas à meta brasileira, ou seja, o Brasil venderia um crédito que já teria sido usado tanto pelo Brasil quanto pelo país comprador. Esta posição, o Brasil flexibilizou, uma construção criada dentro da própria conferência.

O Artigo 6 não fechou não apenas por conta do Brasil, ficaram quatro ou cinco assuntos pendentes, contra vinte ou trinta que tínhamos no passado.

Marina Grossi: Na Polônia [COP 24, de 2018], o Brasil foi o grande obstáculo do Artigo 6. [Agora], com essa postura pró-mercado de carbono, a gente começou a ter uma inflexão, uma mudança na postura do governo.

E os outros países?

Ronaldo Seroa: são quatro assuntos pendentes: como o MDL [ver nota] vai ser transacionado, o ajuste correspondente, o cumprimento de metas antes de vender os créditos e a taxação sobre as transações do Artigo 6.

[Nota: MDL é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), criado pelo Protocolo de Kyoto, que prevê a possibilidade de compensação, por meio de créditos de carbono, por redução de emissões. A discussão no Acordo de Paris é como e se transferir os créditos para o Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável (MDS), criado pelo Artigo 6. O governo brasileiro defende que há um saldo de créditos gerados, mas não pagos ao Brasil, por países em desenvolvimento, da ordem de US$ 2,5 bilhões, com base no MDL.]

Fica a percepção, contudo, que houve um avanço significativo nessa discussão, então?

Marina Grossi: Teve um avanço, sim, mas não fechou. A expectativa era que se fechasse um acordo. O que teve de ganho concreto entre a COP da Polônia para essa é que o Brasil foi um obstáculo para o Artigo 6 e agora houve uma flexibilização dessa postura, de ser pró-mercado e aceitar o mercado como um elemento para que a gente cumpra a meta e possa transacionar créditos de carbono no futuro.

Como essa flexibilização aconteceu, mas não fechou o livro de regras do Acordo de Paris, que segue para a próxima COP, a gente vê que houve um avanço em vários pontos que estavam em aberto, restringimos para menos pontos e continua a negociação. É difícil tirar uma fotografia agora e dizer que são posições definitivas dos países porque isso pode mudar.

Ronaldo Seroa: Sim e, inclusive, quando o Brasil flexibilizou, outros complicadores, que não apareciam antes, surgiram. A coisa não andava por conta do Brasil, mas quando sai um problema do caminho, apareceram outros.

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O Brasil na COP 25

A política ambiental brasileira neste primeiro ano de Bolsonaro e de Ricardo Salles, à frente do Meio Ambiente, fica marcada por uma gestão questionada do combate ao desmatamento ilegal e aos crimes ambientais, não restritos à Amazônia.

É o mesmo governo que dá prosseguimento ao RenovaBio, manteve estável a condução da política energética de um país com grande presença de renováveis na matriz, tem uma equipe econômica favorável ao mercado de carbono, mas que também se elegeu prometendo combater a fiscalização de crimes ambientais contra o avanço irregular da produção agrícola e pecuária na Amazônia.

Um fato marcante foi a prisão de brigadistas voluntários no Pará, pela polícia civil, mas endossada por acusações do presidente da República – enquanto os próprios órgãos de federais investigavam grileiros, fazendeiros e madeireiros por ações criminosas.

Na entrevista, falamos sobre como essa política ambiental afeta a visão do Brasil no exterior e, também, o papel da sociedade civil na COP 25 e os rumos da transição energética.

Bem, esse ano as políticas ambientais do Brasil foram muito questionadas. Teve a crise dos incêndios na Amazônia, a forma como o governo lidou com isso, tanto na retórica quanto nas ações tomadas, de fato. Como o Brasil foi recebido na COP nesse primeiro ano do governo?

Marina Grossi: Teve toda uma participação da sociedade civil, tínhamos o espaço do Brasil, que não foi o governo federal que proporcionou, mas tivemos lá manifestações tanto de governadores estaduais, de ONGs, de ambientalistas, de representações da sociedade, então não é apenas o governo federal…

É claro que, no âmbito da ONU, são os governos nacionais que estão fazendo a negociação, mas o governo tem que representar os anseios da sociedade. Teve uma discussão ampla, mas é claro que o desmatamento ilegal não conta a favor da imagem do país lá fora.

“Não estamos nem falando de política, mas de lei, de cumprir a lei. Cerca de noventa porcento do nosso desmatamento é ilegal. Deve ter uma clara sinalização de que não toleramos mais isso”.

“Emergência climática” foram as palavras mais utilizadas nessa COP. A gente volta de lá com outras, que são “governança climática”. O que a gente vai fazer para que a emergência climática seja contemplada no país? Esse é o nosso dever de casa.

estudo do CEBDS com a WWF e a CDP voltou a identificar que os executivos brasileiros têm a percepção dos riscos associados às mudanças climáticas…

Marina Grossi: Exatamente. Representamos as empresas e o nosso trabalho é falar “olha, é um bom negócio?”. Os dados que a gente traz mostram que é um bom negócio para as empresas brasileiras e para o país.

O que me chamou a atenção nesse estudo, em particular, é que as oportunidades são mais percebidas pelas empresas do que os riscos. Mostra que, de fato, é um elemento de competitividade e tem que estar na performance, computado na gestão das empresas.

As empresas têm essa percepção, mas ainda precisam convencer o governo dessa urgência?

Marina Grossi: Todas as coisas, como a precificação de carbono, ao terem um marco regulatório, o governo consegue dar uma clara direção para o setor privado. Tudo que a gente faz não é para iniciativas pequenas. Sempre damos sugestões sobre como pode ser replicado, como a escala pode ser melhorada, tanto na proposta de precificação de carbono, de transição energética, as PPAs [compra corporativa de energia]…

Estudos recentes da Agência Internacional de Energia (eia) e da Irena trouxeram uma certa urgência, mostrando que o mundo ainda não está na rota necessária para atingir os objetivos do Acordo de Paris. Como o Brasil deve internalizar essa urgência nas nossas políticas públicas?

Ronaldo Seroa: A questão que está na cabeça de todo mundo que trabalha com planejamento energético é o que fazer com o gás do pré-sal. Tem a possibilidade de abertura do mercado, então o Brasil está bem posicionado nessa discussão.

É tudo bastante promissor, muito mais promissor do que o controle de desmatamento que são milhões de ações a serem tomadas, integrações mais complicadas… No caso brasileiro, a transição energética é um sucesso e vai continuar sendo.

Marina Grossi: Tem tudo para ser um caso de sucesso. O que ainda falta é deixar a narrativa mais clara. Ainda tem algumas coisas, como a sinalização do BNDES para carvão, por exemplo… Falta alinhar algumas políticas e, uma delas, talvez seja o BNDES deixar claro algumas medidas.

“Precisamos de um direcionamento mais claro, para que as forças econômicas possam se organizar melhor, com estímulos claros para isso.”

Estamos falando do Acordo de Paris até 2030, mas tem a discussão de longo prazo, até 2050, então, dentro dessas diversas fontes de energia, o que estamos organizando no país?

Temos várias opções [energéticas], a bioeconomia como solução para Amazônia, então como a gente utiliza isso da melhor forma? Quais tipos de incentivos, para que na Amazônia, por exemplo, o maior capital dela seja fruto da bioeconomia e não de outras riquezas que ela tem?

(nem tão) Curtas

“Estou desapontado com os resultados da COP 25”, afirmou o secretário-geral da ONU, António Guterres, no domingo (15), logo após o encerramento da conferência – dando o tom das repercussões que viriam nos próximos dias.

Ricardo Salles viajou para Madri com a missão de conseguir recursos para o Brasil, com base nos mecanismos de compensação do Protocolo de Kyoto. Não conseguiu e resumiu sua frustração no Twitter:

“Países ricos não querem abrir seus mercados de créditos de carbono. Exigem medidas e apontam o dedo para o resto do mundo, sem cerimônia, mas na hora de colocar a mão no bolso, eles não querem”. Na GloboNews, a entrevista de Ricardo Salles e um balanço da cúpula.

No ValorQuem fracassa são os governos, não as reuniões do climaSem uma revisão para metas ambientais mais ambiciosas – o que os ambientalistas cobram como uma posição orientada pela ciência – a COP 25 terminou com um clima de “frustração generalizada”, escreve a jornalista Daniela Chiaretti:

“O que existe hoje é um círculo em que as conferências da ONU fracassam, a população não entende, vota em governos que colocam mais combustíveis fósseis para queimar, as emissões aumentam, e as conferências da ONU fracassam”.

O jornal também produziu um editorial: CoP-25 fracassa e só UE mostra ousadia na agenda ambiental.

No Observatório do Clima, um balanço crítico do esmaecimento das conferências desde 2015, quando foi elaborado o Acordo de Paris: Conturbada até o fim, COP25 falha em aumentar ambição

Críticas que refletem o senso de urgência, em especial da comunidade científica ligada aos estudos climáticos. “O ritmo atual de emissões arrisca provocar mudanças irreversíveis”, afirmou a professora adjunta da Faculdade de Oceanografia da UERJ, Letícia Cotrim da Cunha.

A pesquisadora, co-autora do sexto relatório do IPCC, participou nesta semana, de evento promovido pelo Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil, no Rio de Janeiro.

“O governo britânico também ficou decepcionado com os resultados (da COP25). Nem todos os países mostraram ambição suficiente. Assegurar essa ambição é nosso maior desafio para a COP26”, disse o cônsul-geral do Reino Unido no Rio de Janeiro, Simon Wood. Leia mais declarações no site da ONU

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