Judiciário

Associação do MP tenta suspender retirada de limite de emissões para plataformas eletrificadas

A revisão diz respeito às chamadas FPSOs all electrics e tramita em regime de urgência no Conama

FPSO P-76, operado pela Petrobras, iniciou produção no campo de Búzios, no pré-sal da Bacia de Santos, em fevereiro de 2019 (Foto: Agência Petrobras)
O FPSO P-76 começou a produção em meados de fevereiro (Foto: Agência Petrobras)

A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA) acionou o Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta (6) para impedir a revisão urgente de uma norma do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de interesse da indústria de óleo.

O Conama aprovou a revisão, como previsto, nesta quinta (7).

A proposta prevê a retirada de limites de emissões de geradores de energia elétrica em plataforma de produção offshore, com a promessa de redução de emissões de carbono.

A partir de um pedido do Ministério de Minas e Energia (MME), aprovado em agosto, a revisão da resolução 382/2016 é o único item da reunião extraordinária convocada para amanhã (7), pelo Conama.

A revisão diz respeito às chamadas FPSOs all electrics.

Está na agenda do governo, que tem os votos para aprovação no Conama, do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP) e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

São plataformas de produção totalmente eletrificadas por sistemas centrais de geração de energia, uma tendência da indústria para alterar o suprimento de energia das plantas de processamento de óleo e gás natural, substituir combustíveis e conseguir reduzir a intensidade de carbono das operações.

A proposta vigente, contudo, deixou de restringir a retirada dos limites de emissão para a geração com gás natural, combustível que emite menos carbono e poluentes que óleo ou diesel, por exemplo.

Os membros do MPF questionam tanto a ausência de um novo limite superior para atender a demanda da indústria, quanto o rito, com mudanças feitas em questão de dias e sem garantias no texto que o benefício ambiental será alcançado.

São críticas feitas no contexto das iniciativas do governo Bolsonaro para “passar a boiada”, promovendo a desregulamentação da política ambiental, como defendia o ex-ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Para membros do MPF, o procedimento se assemelha ao método “parecer e caneta”, defendido pelo ex-ministro.

“Tem um monte de coisa que é só parecer, caneta, parecer, caneta. Sem parecer também não tem caneta, porque dar uma canetada sem parecer é cana. Então, isso aí [desregulamentar] vale muito a pena. A gente tem um espaço enorme pra fazer”, disse Salles na época.

Ausência de participação social é questionada no STF

Os procuradores da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA) fizeram uma nova manifestação em uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) que questiona o “revogaço” de 2019 no regimento do conselho de políticas ambientais.

Por decreto, o governo Bolsonaro reduziu a participação de representantes da sociedade civil no Conama, o que o MPF tenta reverter.

“A proposta de resolução elimina quaisquer limites normativos para as emissões de poluentes atmosféricos de plataformas de exploração de petróleo”, afirma o pedido de suspensão cautelar feito nesta quarta (6).

Os advogados Aristides Alvarenga e Vivian Ferreira, argumentam também que os estudos apresentados ignoraram potenciais impactos para a saúde dos trabalhadores e nos ecossistemas marítimos.

Na mesma ação, há um pedido liminar para suspender os efeitos do decreto de 2019, que também pode anular a decisão sobre a resolução 382/2016.

“Caso a liminar seja concedida, o regime de urgência (já votado) e as deliberações plenárias a serem tomadas, incluindo o mérito da presente proposta, estarão fadadas à nulidade, como consequência lógica da ilegitimidade da composição do Conama”, afirmou Fátima Borghi, procuradora regional da República e representante do MPF no Conama, em mensagem à epbr.

Um pedido de impugnação da urgência feito pela procuradora foi rejeitado pelo Conama.

No documento, ela cobra a apresentação de estudos elaborados por partes não-relacionadas às empresas, que apresentaram análises recomendando a revisão.

A urgência foi baseada na demanda por novas plataformas do pré-sal, que estão sendo contratadas ou tendo seus projetos detalhados agora, para entrada em operação na segunda metade da década.

Fátima Borghi faz críticas também ao fato de um alerta do Ibama ter sido ignorado pela avaliação final, favorável à revisão, entregue pelo Ministério de Meio Ambiente (MMA) e AGU, órgãos do governo federal.

O Ibama recomendou que a revisão, originalmente para liberar as emissões de turbinas a gás com potência superior a 100 MW, mantivesse limites de emissão e parâmetros para garantir a eficácia da nova norma.

O próprio Ministério de Minas e Energia (MME) divulgou que a mudança pode reduzir em até 20% as emissões nas plataformas de petróleo, dado que consta nas análises enviadas pelo IBP ao Conama.

“Discordamos da forma. [Uma tramitação] sem tempo hábil para análises de critérios técnicos. Para concordamos ou discordamos, precisaríamos de estudos técnicos isentos”, afirma o procurador regional da República, José Leonidas Bellem.

Ele é atual coordenador da Câmara Técnica de Qualidade do Ar do MPF e foi representante do órgão no Conama, de 2012 a 2016.

No entendimento do procurador, a revisão deveria contar com estudos de especialistas sem relação com as petroleiras.

O que são as plataformas eletrificadas?

Nesse meio tempo, a proposta mudou. A versão atual, de 9 de setembro, prevê a isenção de limites de emissão para plataformas totalmente eletrificadas por geradores em ciclo simples ou combinado, “quando a geração elétrica por cada turbogerador for inferior a 100 MW”.

A original, de 26 de agosto, previa que “os limites estabelecidos nesta resolução não se aplicam a turbinas a gás localizadas além do mar territorial brasileiro”.

O que se pretende é liberar a instalação de turbogeradores com capacidade total superior a 100 MW por plataforma, distribuída em diferentes equipamentos.

O que o IBP tenta demonstrar no Conama é que eletrificar todas as máquinas das plataformas, com a geração nesses equipamentos dedicados, torna a operação mais eficiente, o que é verdade, e portanto traz um benefício climático.

Hoje, pelo limite de potência imposto pela resolução (100 MW), a solução é queimar combustível tanto para geração de energia (turbogeradores) como acionamento mecânico de equipamentos (turbocompressores).

É uma forma de contornar a limitação do Conama, mas que é licenciada pelo Ibama, para os projetos de grande porte da Petrobras, no pré-sal.

O IBP apresentou uma simulação feita com base em uma plataforma de Mero, campo do pré-sal operado pela Petrobras, demonstrando como seria a redução da capacidade total instalada na FPSO, com a isenção do limite de emissão de cada turbogerador. Veja na íntegra (.pdf)

Além disso, esses turbogeradores não operam como uma usina termoelétrica, conectada à rede de energia. A demanda é variável e é preciso ter flexibilidade no acionamento das máquinas.

Por questões técnicas – como o comissionamento da planta e a gestão da operação com óleo e gás associado ou não-associado –, a solução preferida pelas empresas são os turbogeradores bicombustíveis, que podem operar tanto com gás como óleo.

Outro ponto é que as plataformas usam gás natural não especificado, diferente do que chega no mercado consumidor em terra, que passa por tratamento para atender a requisitos da ANP, o que também tem reflexo nas emissões de gases e poluentes.

“O MME reforça o seu compromisso com a agenda ambiental, materializado nos instrumentos de planejamento de médio e longo prazo e na coerência entre as políticas e regulação, observando toda a característica de renovabilidade e diversidade da matriz energética brasileira”, afirmou o secretário-executivo adjunto da pasta, Bruno Eustáquio, quando a urgência foi aprovada.

Segundo o IBP, “a aprovação da resolução 382/2006 pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), nesta quinta-feira (7), por unanimidade, trará ganhos ambientais para operações offshore no país. Além disso, promove relevante contribuição para a trajetória de descarbonização do setor de petróleo e gás, favorece a indústria brasileira e o crescimento econômico nacional”.

“Será possível adotar plataformas totalmente eletrificadas com menor uso de combustível para geração de energia e redução próxima de 20% de gases de efeito estufa e NOx, além de proporcionar maior possibilidade da oferta de equipamentos nacionais em substituição aos similares importados. Este foi um pleito do Instituto em parceira com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e vai ao encontro das metas do Acordo de Paris”, diz o IBP, em nota.

Procurado, o MME não respondeu aos contatos. O espaço segue aberto para manifestações.