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Marco para eólica offshore deve priorizar transição sobre arrecadação, avalia Carlos Portinho

Relator indica que deve estabelecer regras para a geração e privilegiar modelo de outorgas

Teremos de escolher entre arrecadação e transição energética, avalia relator do marco das eólicas offshore
Formatos que estimulem a indústria nacional e a cadeia de produção podem ser um caminho mais interessante em ganhos indiretos, segundo Portinho (foto: Roque de Sá/Agência Senado)

BRASÍLIA — O relator do marco das eólicas offshore (PL 576/21), senador Carlos Portinho (PL/RJ), indica que deve modificar a versão inicial do texto com regras para geração de eólicas offshore e privilegiar expansão do setor sobre o modelo de arrecadação com outorgas.

Esse conteúdo foi antecipado aos leitores do político epbr, serviço de cobertura exclusiva de política energética da agência epbr

Em entrevista ao político epbr, o parlamentar defende que a experiência internacional pode ser usada como base para estudos, mas que o Brasil precisa de um modelo “mais próximo da nossa realidade”.

Ele avalia que o modelo de outorgas utilizado pela França, por exemplo, foi também responsável por impedir um desenvolvimento maior de projetos no país.

Outros formatos que estimulem a indústria nacional e a cadeia de produção podem ser um caminho mais interessante em ganhos indiretos — segundo Portinho, oferta de emprego, aceleração da transição energética e recolhimento de impostos nos estados e municípios em que se encontrarão os novos empreendimentos.

“Não há uma receita de bolo. O que é mais positivo para sociedade? Uma remuneração maior na outorga que vai depois pipocar na conta de luz ou o menor preço ao consumidor de energia com desenvolvimento e maior agilidade na transição energética?”, questiona.

Portinho destaca, entretanto, que não há uma decisão fechada em relação ao modelo de exploração da geração e se considera “cabeça aberta” para buscar um desenho do marco que seja adequado para o mercado e também para o poder público.

O planejamento do senador é apresentar um primeiro relatório em maio para que a matéria seja aprovada pela Câmara e pelo Senado ainda no primeiro semestre — e se sobrepor, na prática, ao decreto editado pelo governo que entra em vigor a partir do dia 15 de junho.

Ele pensa que o processo eleitoral não será capaz de esvaziar a votação do texto por se tratar de uma pauta de consenso. “Eu acho que são questões que nos unem, não vejo esse projeto sendo prejudicado por conta das eleições”, disse.

Ao chegar na Câmara, o assunto também deve ser tratado com prioridade por deputados com propostas semelhantes.

A expectativa é de que o texto seja apensado a pelo menos dois textos que já tratam do tema — o PL 3655/21, de autoria de Danilo Forte (PSDB/CE), e o PL 11247/2018, com origem no Senado e relatado pelo deputado Zé Vitor (PL/MG) — originalmente PLS 484/2017, do senador Fernando Collor (PTC/AL) .

Para o relator, o decreto pode dar agilidade para empresas iniciarem estudos das áreas interessadas, mas que a segurança jurídica só virá com aprovação de legislação discutida com as duas casas do parlamento.

“Naturalmente, o decreto tem efeito mais rápido, o que pode ser positivo nesse aspecto [de estudos]. Mas para dar segurança jurídica ao investidor, é lei”, categoriza.

Cobrança por uso da área marca diferença entre decreto e projeto de lei

A necessidade de eventuais repasses à União, estados e municípios é considerada uma das principais diferenças entre o projeto de lei de autoria de Jean Paul Prates (PT/RN) e o decreto publicado pelo governo no início do ano com a promessa de destravar investimentos no setor.

Pelo texto inicial que tramita no Senado, seria criado um processo de outorga das usinas eólicas offshore com possibilidade de leilões e cobrança de participações especiais pelo uso de área do governo — algo semelhante aos royalties pagos pelas empresas no setor de óleo e gás.

O discurso de Portinho de evitar a cobrança de repasses é semelhante ao que vem sendo defendido por agentes do setor.

Associações têm demonstrado discordância com a proposta de pagamento de participações por entenderem que os valores encarecem a geração de energia para as próprias empresas geradoras e, consequentemente, para os consumidores.

É a mesma posição defendida internamente pelo Ministério de Minas e Energia. Durante a elaboração do projeto de lei pelo senador de oposição no Senado, representantes deixaram claro que discordavam do trecho por entenderem que poderia tirar atratividade das outorgas, bem como tornar a aprovação do projeto no Congresso mais lenta por se tratar de divisão de recursos.

Ao indicar a preferência pela arrecadação de impostos com a instalação dos empreendimentos, Portinho tenta também evitar que a cobrança das participações siga o mesmo caminho dos royalties de petróleo e gás e passe a ser dividida entre estados e municípios que não são produtores de energia.

Dessa forma, a arrecadação pode até ser menor, mas ficaria limitada aos estados que abrigam as usinas geradoras.

“Os municípios ganham com ISS, com serviços. Talvez seja mais importante para eles mais usinas no mar territorial, que rendam mais tributos, do que menos usinas e que essa outorga seja dividida, como propõe Jean Paul no projeto”, comenta o relator.

Portinho descarta, entretanto, a criação de um programa que dê subsídios para a expansão da geração por eólicas offshore semelhante aos moldes do Proinfa — criado na época para incentivar fontes renováveis, como eólica onshore e solar fotovoltaica.

Para Portinho, geração eólica offshore é política de estado

O relator do marco legal para eólica offshore acredita que o controle sobre o processo de geração deve ser uma política de estado e que, portanto, deveria ficar atrelado ao governo, pelo Ministério de Minas e Energia.

Ele explica que discorda, inicialmente, do decreto do governo. Segundo as regras editadas pelo Executivo, a pasta poderá delegar à agência reguladora as competências para firmar os contratos de cessão de uso e para realizar os atos necessários à sua formalização.

“A transição energética é algo muito caro, muito importante. Eu, em princípio, penso isso como uma política pública de estado e não somente como uma questão de mercado”, pontua o senador.

Isso não significa, segundo o parlamentar, que a iniciativa privada não possa contribuir com a expansão da fronteira marítima para geração eólica.

Algumas áreas podem ter justificativa de política pública, após análise e estudos de empresas públicas ligadas ao governo — como a EPE —, mas faz sentido para Portinho que outras sejam tocadas pelo setor privado.

“Até porque a gente não vai conseguir que o órgão público consiga cobrir toda a costa, se a gente quer agilidade e quer essa transformação”, completa.

Regras para hidrogênio também podem ser incluídas em texto

Além do marco regulatório para eólica offshore, o relator do PL não descarta que entre em seu voto regras também para a produção e exploração do hidrogênio — associado muitas vezes a diversas fontes de energia, incluindo a geração eólica em alto mar.

Carlos Portinho entende que o hidrogênio talvez justifique a cobrança de uma outorga por se assemelhar, segundo o parlamentar, com o sistema de produção e exploração de petróleo e gás.

“Acho que deve ser tratado junto. O hidrogênio verde deve ser estimulado e o projeto deve olhar para isso”, destaca.

É mais um ponto de diferença entre a proposta de marco regulatório do Senado e o decreto do governo. Pelas regras do MME, a cessão do uso das áreas da União será para geração de energia elétrica.

Uma análise da consultoria do Senado, feita a pedido do autor do projeto, avalia que o dispositivo limita a integração da cadeia de produção energética com outras fontes, como a sinergia com o hidrogênio.