RIO – Lula deixou claro nesta terça (27/6), durante o lançamento do Plano Safra, que a produção doméstica de fertilizantes a partir do gás natural é uma prioridade do seu terceiro mandato.
“Temos que ter capacidade, competência e disposição política de transformar esse país num país autossuficiente. Inclusive de nitrogenados”, disse. “E nós vamos fazer, estejam certos”.
Nitrogenados – o “N” do composto NPK – são produzidos a partir do gás natural. A substituição de importações de fertilizantes do tipo, altamente dependentes da Rússia, encontrou espaço no discurso de posse de Lula, em 1º de janeiro.
Sete meses depois, o governo anunciou o pacote de financiamento da agropecuária, de R$ 364,22 bilhões até junho de 2024, aumento de 27% em relação ao ciclo anterior, promovido como o “maior da história”.
Para uma plateia de executivos do agronegócio, Lula afirmou que o governo não é “clube de amigos”.
“Somos um governo com gente de partido diferente, de ideologia diferente, com gente de história diferente, que tem uma única coisa que unifica todos nós: provar a nós mesmos e ao povo brasileiro que esse país pode ser do tamanho que a gente queira que ele seja”, disse.
Citando a invasão da Ucrânia pela Rússia, afirmou que “um país que tem a riqueza agrícola do Brasil não pode ser dependente de fertilizante de outro país”.
O Ministério de Minas e Energia (MME) calcula que seriam necessários 10 milhões de m³/dia de gás natural para reduzir a dependência brasileira de nitrogenados atual a 10%; hoje beira os 90%.
Custo elevado
A dificuldade em viabilizar economicamente projetos de fertilizantes fez a Petrobras, agente dominante do mercado, desistir do segmento. Hoje, no novo governo, a companhia ainda entende que o custo de oportunidade é elevado.
Com um gás natural caro, em boa parte associado à produção de petróleo em campos marítimos, o fertilizante doméstico tem dificuldade para competir com o importado, em condições normais de mercado.
É o que tem levado a empresa a afirmar nos bastidores que o Brasil é um país petrolífero, não gasífero, ao contrário de grandes fornecedores mundiais do insumo agrícola, como os EUA, a Rússia e o Qatar, grandes produtores de gás natural – e barato.
Gás para empregar
As novas declarações de Lula ocorrem após uma rodada de choque na imprensa entre a companhia e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD) – colega de partido de Carlos Fávaro (PSD), ministro da Agricultura.
Silveira bancou nos primeiros meses de governo o Gás para Empregar, um programa que tem como principal objetivo disponibilizar volumes adicionais de gás natural para serem vendidos pela União, por meio da Pré-sal Petróleo SA (PPSA).
A ideia do MME é fechar a conta com o óleo destinado à União, por meio de swap (permuta), nos contratos de partilha.
A produção está projetada para atingir 1 milhão de barris/dia na segunda metade da década, quando começa a declinar. É o volume que poderá ser utilizado para políticas públicas.
O ministro também deixou claro o entendimento da pasta que o gás natural da Petrobras é injustificadamente caro.
‘Choque de gás barato’
Fontes da companhia e do governo afirmam, contudo, que não há pressão objetiva, neste momento, para redução de preços, além do que está planejado – a Petrobras está participando de concorrências de distribuidoras com oferta de gás mais barato, em troca de prazos mais longos.
Isto é, tentam moderar, nos bastidores, uma nova promessa de “choque de gás barato”, a exemplo da que fracassou no governo passado, quando a solução seria a venda de ativos da Petrobras e aprovação da nova Lei do Gás.
A companhia rebate lembrando dos custos da produção offshore e que ainda é preciso importar gás natural liquefeito (GNL) e gás da Bolívia para assegurar o cumprimento dos contratos.
Internamente, equipes técnicas que participam das discussões com o governo rejeitam um papel por vezes atribuído à companhia, de garantidora do suprimento nacional. Afirmam que é preciso manter práticas de mercado.
Independente da liquidação de ativos, majoritariamente no Nordeste, a Petrobras ainda é o agente dominante do suprimento de gás natural.
“Aquela fábrica de nitrogenados em Três Lagoas ficou paralisada. Ao troco do quê? A fábrica de Sergipe foi vendida [arrendada], a fábrica no Paraná foi vendida [desativada]. Ao troco do quê? A gente vai destruindo aquilo que vai melhorar a nossa soberania”, cobrou Lula nesta terça (27/6).
“Agora a gente está percebendo que a gente já poderia ter. E nós vamos fazer, estejam certos [disso]”, conclui o presidente.
Fábricas abandonadas
Na semana passada, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates (PT), afirmou que a fábrica de fertilizantes de Três Lagoas (MS) é viável. “O VPL é positivo”.
As obras foram abandonadas com 81% de avanço físico. Em 2022, no governo de Jair Bolsonaro (PL) foi feita a última tentativa fracassada de vender Três Lagoas. A companhia havia decidido deixar o segmento.
Nesse projeto, são necessários 2,2 milhões de m³/dia de gás natural. A planta está conectada ao gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), foi projetada para produzir 3,6 mil toneladas/dia de uréia – cerca de 20% da demanda nacional em 2020.
O executivo também confirmou os planos de reativar a fábrica de nitrogenados de Araucária, no Paraná, de 2 milhões de toneladas/dia de uréia.
Nesse caso, a principal matéria-prima são mil toneladas/dia de resíduo asfáltico (RASF) e 0,4 milhão de m³/dia de gás natural. A planta foi hibernada e posta à venda em 2020, em outra operação malsucedida.
Alerta da Unigel
O único sucesso na saída do setor foi o arrendamento, por dez anos, das fábricas de fertilizantes de Laranjeiras (SE) e Camaçari (BA), para a Unigel. Ambas estão paradas, segundo a alegação da empresa, em razão dos elevados preços do gás natural.
A Petrobras, que nem sequer é a principal fornecedora das plantas – segundo fontes da companhia, o mix mal passa dos 40% – afirma que subsídios para a Unigel estão descartados.