Autor de um projeto de lei que exige que empresas de capital aberto publiquem estimativa de emissões de gases do efeito estufa (GEE) em suas demonstrações financeiras, o deputado Felipe Rigoni (PSB/ES), acredita que a legislação é o primeiro passo para a criação de um mercado de carbono robusto, capaz de atrair investimentos estrangeiros para o Brasil.
“A gente percebeu que há reclamações de fundos de investimento nacionais e internacionais que demandam espaço para investirem em papéis sustentáveis, mas falta quantidade de negócios e divulgação de negócios existentes”, afirma nesta entrevista à epbr.
Filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), mas simpático à agenda liberal, o parlamentar é critico da postura reacionária do governo brasileiro em pautas relativas à sustentabilidade. Afirma que o Planalto segue contra o caminho traçado pelo próprio mercado financeiro, que demanda a adesão de grandes empresas no mercado de carbono.
Para ele, o protagonismo está com o Congresso Nacional, que nas próximas semanas deve derrubar o veto imposto pelo presidente Jair Bolsonaro ao artigo 61 da MP do Agro (MP 897/2019), que previa a redução de tributos sobre os Créditos de Descarbonização por Biocombustíveis (CBIOs).
Acredita, inclusive, que é possível uma aceleração das economias globais rumo à transição energética, após a pandemia provocada pela covid-19.
“Já que vamos ter que remontar boa parte da economia mundial, vamos remontar direito”, afirma.
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A entrevista com Felipe Rigoni, na íntegra
No relatório do PL 588/2020, cita orientações da OCDE sobre a necessidade de apresentar dados de emissões por empresas de capital aberto. Há um modelo a ser seguido?
Há muitos modelos. Optamos por não indicar um modelo específico de cálculo, mas frisar que ele tem que estar vindo da memória de cálculo [que orienta inventários de emissões]. Há meses, faço uma pesquisa interna no gabinete sobre como estimular nossa economia para uma economia mais sustentável e a gente percebeu que há reclamações de fundos de investimento nacionais e internacionais que demandam espaço para investirem em papéis sustentáveis, mas falta quantidade de negócios e divulgação de negócios existentes.
O mundo dos investimentos está transitando para isso. Mas para criar um mercado de carbono ou de empresas mais sustentáveis é preciso de informação clara e disponível. Assim, a gente não impõe à empresa um modelo de calculo, mas pede que ela apresente a memória de cálculo, como ela calculou suas emissões.
Mas como verificar essa prestação de contas? Haverá fiscalização?
Não vejo necessidade de fiscalização. Vai acontecer naturalmente o que já acontece com as demonstrações financeiras. Naturalmente essas organizações da sociedade civil interessadas no tema vão fiscalizar. O governo poderá fazer isso mas acho que vai acontecer uma fiscalização da sociedade civil.
Os fundos de investimento vão começar a pedir os dados e vão verificar se estão correto. Acho que o incentivo sempre funcionou melhor do que a fiscalização.
O presidente da Câmara tem abraçado projetos sobre sustentabilidade. Essa conjuntura facilita a aprovação de textos como o seu?
Vida fácil, projeto nenhum tem. Mas para além da própria consciência, que já está surgindo no Brasil dentro do parlamento, com essas declarações do presidente Rodrigo Maia, há dois grandes benefícios que facilitam a tramitação: não estamos impondo às empresas nenhum tipo de ônus e o próprio mercado financeiro já pede essas informações e não tem.
Há referências no projeto, mas não a exigência de dados específicos de cada empresa. Isso facilita, porque não onera quem não consegue fazer [a publicação], como empresas pequenas. Assim, você não está impondo nenhum ônus, apenas informações que o mercado já pede.
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O PL 588/2020 passará primeiro na Comissão de Meio Ambiente da Câmara. Já há um relator?
Tudo vai depender dessa crise. Por enquanto está funcionando só o plenário da Câmara. Mas voltando o trabalho nas comissões, não acho que essa proposta encontre muita resistência.
O momento atual na economia global é um desafio para a essas medidas?
A crise que estamos vivendo vai acelerar a transição de maneira significativa. Já que vamos ter que remontar boa parte da economia mundial, vamos remontar direito. A literatura liberal diz que você precisa corrigir quatro pontos para o mercado dar certo, um deles é a assimetria de informação. Corrigindo essa falha você acelera essa transição.
Essa proposta [do PL 588/2020] é o início de uma iniciativa maior: temos que fazer o mercado de crédito de carbono. Hoje, a gente não tem informação suficiente sobre as empresas, então decidimos trabalhar para gerar informação. Mas é para essa linha que esse projeto foi protocolado, ele é proposto como uma base para criar informação.
O presidente Bolsonaro vetou na semana passada o artigo da MP do Agro que previa a redução de tributação sobre os CBIOs, uma proposta para a desenvolvimento do mercado de carbono no Brasil…
Acho que o veto do CBIO será derrubado (no Congresso). Não só nesse tema, mas em vários outros o governo não tem base suficiente para manter um veto desse, que vai contra uma tendência que o Brasil vinha seguindo há algum tempo e foi pedido pela própria bancada da agricultura.
O Brasil ainda garante muitos privilégios ao mercado de combustíveis fósseis. É possível mudar isso?
No Brasil, há na própria Constituição Federal a previsão de isenção de impostos para combustíveis fósseis e uma dificuldade enorme de estimular a energia sustentável. É algo completamente sem sentido para o mundo em que a gente vive hoje. Estamos conduzindo um estudo para entender quanto há de fato de isenção de impostos para combustíveis fósseis, mas já sabemos que é muito. E eu gostaria de inverter essa lógica.
Se existe um mercado no qual o Brasil pode ser pioneiro e líder mundial é o mercado de energia limpa. E a gente está indo, por enquanto, no caminho contrário, com a proposta da Aneel, que inviabilizava a geração distribuída. Esse veto [à tributação especial do RenovaBio] é a mesma coisa.
Você tem uma dificuldade, que não acredito que venha do Congresso. Mas não acho que se possa segurar isso por muito tempo. Essa transição energética vai ocorrer, o governo querendo ou não, porque o mundo está se voltando para isso. Mas eu gostaria que a gente se adiantasse e fosse pioneiro.
Como a bancada do seu estado acompanha a votação da ADI que prevê redistribuição de royalties no Supremo?
A bancada capixaba inteira, junto com o governador e vários atores da sociedade civil, já visitou quase todos os ministros do Supremo. Esses royalties são compensação por impacto e devem ficar, pelo menos na sua bruta maioria, nos estados produtores.
Só essa decisão daria um impacto fiscal nos estados monumental. No Espírito Santo é R$ 1,2 bilhão por ano. Quase 10% da receita corrente líquida. No Rio de Janeiro é R$ 12 bilhões. Então, para além da discussão do impacto ambiental, há essa questão fiscal muito séria.
A bancada capixaba tem um negócio ótimo, quando se trata do estado, não tem diferença política que nos separe. A gente sabe que tem se unir para conseguir as coisas.
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