Mesmo com a polêmica gerada pelo relatório da Medida Provisória 814, o deputado federal Julio Lopes (PP/RJ), relator do projeto, acredita que o texto apresentado deve ser votado no próximo dia 8. O texto, lido na última quarta-feira (25/4), despertou preocupação de agentes do setor, que temem aumento da energia com medidas propostas pelo relator. A MP tem validade até 1o de junho.
Lopes e o senador Eduardo Braga (MDB/AM), ex-ministro de Minas e Energia e presidente da Comissão Mista da MP 814, incluíram na MP emendas que impactam no preço do gás natural do Programa Prioritário de Termeletricidade (PPT) e também da energia de Angra 3.
O deputado fluminense defende as emendas, que afirma serem o caminho possível para solucionar problemas graves do setor, diz que “não existe possibilidade de aumento da tarifa momentaneamente” no caso de Angra 3 e admite que a proposta de tirar 20% do Fundo Social do Pré-Sal para construção de gasodutos é polêmica e pode ser mudada, ou até mesmo não passar no Congresso. “Mas se entender a comissão que não deve adotar isso, se entender o plenário depois que não se deve adotar isso, tudo bem”, comentou, em entrevista exclusiva à E&P Brasil.
E&P Brasil: Algumas entidades do setor elétrico estão apontando a possibilidade de aumento nas tarifas de energia com as mudanças propostas no relatório final da Medida Provisória 814. As mudanças feitas na MP vão gerar aumento na tarifa?
Deputado Júlio Lopes: É uma repercussão equivocada. Construímos esse relatório para dar segurança jurídica e previsibilidade ao setor no Brasil O que a gente quer aqui, o que é nossa prioridade é retirar a imprevisibilidade. Nossa ideia é que com o fim do risco jurídico que ainda existe, você diminuir o preço da tarifa de energia. Tenho muita convicção de que estou dando ao governo e à sociedade brasileira instrumentos para reduzir a tarifa de energia. Se isso de fato vai acontecer, não posso garantir porque isso vai depender da ação do governo de usar os instrumentos que estão sendo disponibilizados para que isso aconteça.
O que fizemos foi corrigir e contribuir para dar ajustes ao setor como a questão do PPT (o Plano Prioritário de Termelétricas, criado em 2000, e que permitiu a construção de 20 usinas termelétricas no país). À primeira vista parece que haverá um encarecimento, mas só no Ceará o desligamento de uma térmica já gerou sobrecusto. O caro é quando no sistema não há energia necessária para servir à sociedade.
E&P: Outro ponto que está sendo criticado é a revisão da tarifa da energia de Angra 3, que hoje está em US$ 75 por MW/hora.
JL: Não existe nenhuma possibilidade de aumento para tarifa momentaneamente. A usina de Angra 3 ainda está em construção. O que estamos fazendo é permitir que se encontre um parâmetro internacional para a tarifa da usina e que os órgãos competentes (o CNPE, sendo proposta feita pelo MME com consulta à EPE) estabeleçam um preço em uma média a partir desse parâmetro. No relatório eu não estou dizendo nem o preço e nem o método para isso, até porque isso seria inconstitucional.
O que acontece é que a Eletronuclear está quebrada e entra em default no mês de maio porque não tem condições de pagar o que deve. Assim, quem disse que era necessário reajustar as tarifas de Angra 3 que foram contratadas foram os próprios credores que disseram que não existe maneira de fazer um plano de recuperação sem isso. Agora, o que é necessário, o que foi posto pelos credores, é que entre na equação um novo preço para que o financiamento de Angra 3 seja sustentável. Isso só poderá ser feito encontrando um parâmetro internacional para esse preço. Mas não haverá qualquer aumento na tarifa e luz agora. A usina está em construção e só vai ficar pronta lá para 2026.
No contrato do financiamento de Angra 3 com o BNDES está estabelecido que se entrar o default o BNDES é obrigado a dar como vencida toda a dívida da usina. Se isso acontecer, o indexador da dívida aumenta da TJLP para a TLP, incrementando em mais de 20% toda a dívida. Se a construção da usina já é vista por muitos como inviável, aí sim ela teria inviabilidade completa. É urgente mudar a tarifa para que possa haver a contratação de novo empréstimo ponte, por isso eu trabalhei nessa direção.
E&P: Como surgiu a proposta do Dutogas, incluída no relatório para financiar a construção de gasodutos no país?
JL: Muito antes de ser relator da MP 814, lá na discussão sobre a Lei do Gás, eu já tinha proposto a mesma coisa. O Brasil tem um quinto da quilometragem de gasodutos da Argentina. Nós temos que dotar a sociedade de capacidade de (transporte de) gás. E a única forma de fazer isso é subsidiar os gasodutos brasileiros. Essa proposta trata do gasoduto de Urucu, em Manaus, dos gasodutos que abastecem as usinas do PPT.
Essa questão é absolutamente estratégica. Nós, que estamos no Rio de Janeiro, na porta do consumo, sabemos disso. Se tivéssemos um gasoduto para trazer da Bacia de Campos ao Comperj teríamos um sistema de extraordinária eficiência.
Eu tenho uma coincidência de pensamento com o senador Eduardo Braga (MDB/AM) – presidente da Comissão Mista da MP 814 – , que conhece muito melhor do que eu esse assunto.
E&P: E como funcionaria o fundo? Quais dutos seriam elegíveis para serem financiados?
JL: Não entramos no detalhamento de quais tipos de gasodutos ou áreas serão prioritários nesse caso. O que estamos fazendo é abrindo um caminho, criando uma capacidade de se encontrar recursos (para financiar a construção de gasodutos).
Mas se entender a comissão que não deve adotar isso, se entender o plenário depois que não se deve adotar isso, tudo bem. Mas nós fizemos o nosso papel, colocamos pra que se suscite o debate. Acho que só estarmos conversando sobre isso já vale.
E&P: Mas essa proposta de retirar 20% dos recursos destinados à saúde para construir gasodutos não é polêmica?
JL: Claro que é polêmica. Isso aí vai dar o que falar. Mas é uma boa briga, é uma boa discussão. Se não conseguirmos avançar, ficou o debate. Para se ter educação e saúde o Brasil precisa discutir a necessidade fundamental de encontrar formas para financiar sua infraestrutura e eu entendo que essa é uma forma. A votação do relatório está prevista para o dia 8 de maio, às 9h30 da manhã, que é a data da próxima reunião da comissão.