BRASÍLIA – Um ano após a sanção da Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês) pelo governo Biden, as mudanças nos planos de investimentos para a transição energética estão cada vez mais visíveis nas indústrias dos Estados Unidos.
O pacote destinou US$ 430 bilhões para fortalecer a segurança energética nos EUA e reduzir as emissões domésticas de CO2 em 40% até 2030.
Alguns efeitos já são evidentes na mobilidade elétrica. Em 2022, os EUA representaram 8% das vendas globais de veículos eletrificados, registrando um crescimento de 55% em relação ao ano anterior, de acordo com o Global Electric Vehicle Outlook da Agência Internacional de Energia (IEA).
Em entrevista à agência epbr, a pesquisadora sênior de políticas de energia limpa e descarbonização do Inter-American Dialogue, Lisa Viscidi conta que o país experimenta um aumento nos investimentos, especialmente em veículos elétricos e baterias, com foco maior na produção nacional do que antes.
“Estamos vendo anúncios para a construção de fábricas nos Estados Unidos para carros elétricos e baterias. Após o IRA, várias empresas têm mudado os planos. Elas iam fazer mais [investimentos] fora dos EUA, mas agora estão focadas no país”, disse.
Já os impactos econômicos no setor industrial devem ser percebidos mais no longo prazo. “No sentido de mudanças no setor, ainda falta tempo para ver os impactos econômicos. A ideia do IRA é fazer mudanças no longo prazo”, afirmou.
Metais de transição
O incentivo à produção de tecnologias limpas também prevê mudanças nas cadeias de suprimento do país. Os veículos elétricos, por exemplo, exigem mais minerais quando comparados com seus concorrentes convencionais na fase de fabricação.
Lisa explica que, nos últimos anos, os Estados Unidos têm concentrado seus esforços na garantia do acesso aos minerais críticos.
“Estamos tentando fazer acordos e apoiando investimentos em outros países para diversificar. Eu acho que, ao longo prazo, o mercado vai ser mais diversificado, mas leva tempo para fazer investimentos, para chegar à produção na mineração”, comentou.
Para a pesquisadora, os EUA vão continuar importando suas matérias-primas, mas podem incentivar a produção interna para posicionar o país na corrida global pela transição energética.
“Os Estados Unidos vão continuar importando matérias-primas, lítio para baterias, por exemplo, mas podemos fazer mais pela produção doméstica, o que ajudaria na geração de mais empregos”, declarou.
Financiamento climático deve mudar foco
Fora dos EUA, países de renda média e baixa enfrentam uma situação fiscal mais escassa e cobram de nações ricas o apoio prometido para viabilizar a transição de suas economias. Mas os recursos, antes focados em mitigação, já precisam mudar de direção.
“A grande maioria dos recursos das finanças climáticas internacionais são destinados às ações de mitigação. Isso fazia muito sentido 15 anos atrás, quando estávamos focados em evitar os impactos climáticos”, avalia Lisa Viscidi.
“Hoje em dia o mundo já sente as mudanças climáticas e precisa dirigir mais recursos à adaptação, porque é a realidade”, completa.
A Organização Meteorológica Mundial (OMM) mostrou na última semana, que após registrar recordes de temperatura entre junho e setembro, 2023 está a caminho de ser o ano mais quente da história – tornando eventos climáticos extremos como secas e inundações cada vez mais intensos e frequentes.
É neste cenário que a Conferência Climática das Nações Unidas (COP28) vai discutir, em Dubai, no final do ano, como viabilizar o acordo conjunto dos países ricos de mobilizar US$ 100 bilhões por ano para auxiliar os países em desenvolvimento e vulneráveis a lidar com os desafios climáticos.
A meta estabelecida pelo Acordo de Paris deveria ser mantida até 2025, mas não está sendo cumprida como previsto.
Segundo análise da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2020, as nações mais desenvolvidas destinaram cerca de US$ 83,3 bilhões para o financiamento climático, valor abaixo do prometido.
Lisa também observa que a execução dos fundos precisa melhorar para destravar o financiamento climático.
“É um problema que as promessas não tenham sido cumpridas, mas não é o único problema. A maioria dos fundos entregues não foram executados. Não é só entregar mais dinheiro, mas melhorar o uso e implementação dos recursos que já existem”.
Na visão da pesquisadora, uma das dificuldades para acessar os recursos de financiamento climático é a carência de dados sobre os países que necessitam do auxílio.
“Para as finanças climáticas internacionais, os países devem mostrar mitigação e adaptação, e muitos países em desenvolvimento não têm esses dados. Todo esse processo tem que melhorar”, comentou Lisa.