RIO e BRASÍLIA — A pauta da reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) desta terça-feira (18/2) prevê a análise da entrada do Brasil no grupo de aliados da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep+). Especialistas apontam que a ampliação do diálogo internacional é benéfica para o país, assim como o maior acesso a informações estratégicas sobre o mercado global para a commodity, com a ampliação das exportações brasileiras.
O debate, no entanto, ocorre em um momento desfavorável, dada a proximidade da Conferência das Nações Unidas para o Clima (COP30) em Belém (PA) e as discussões internas sobre o avanço da exploração na região da Margem Equatorial.
Esse seria o motivo que estaria levando o Ministério das Relações Exteriores a adiar a discussão, conforme apuração do Poder360.
O Ministério de Minas e Energia já se posicionou a favor. Além desses dois ministérios, o CNPE conta com integrantes de outras 15 pastas, incluindo o do Meio Ambiente.
Como seria a entrada do Brasil na Opep+, de fato?
Caso seja confirmada, o país entraria no grupo como um observador e não participaria dos cortes de produção.
A aproximação marcaria, assim, uma nova fase de expansão da influência do cartel, com a inclusão de países que não participam dos esforços coordenados de redução da extração para influenciar o mercado.
Para o Brasil, a entrada no grupo tem, sobretudo, caráter geopolítico. É um reforço do modelo de política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de fortalecimento do diálogo internacional e do multilateralismo.
“Tem muito mais a ver com uma questão de política estratégica do que com o cenário de petróleo em si. É participar de uma série de arranjos internacionais e, com isso, ter maior poder de influência sobre a agenda internacional, conseguir palpitar e servir como um porta-voz, principalmente para os países do Sul Global”, diz o pesquisador para a área internacional do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), André Leão.
Ele lembra que o atual governo tem reforçado a atuação do Brasil em outros organismos multilaterais do setor de energia, como a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e a Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena, em inglês).
“Isso integra esse movimento de engajamento cada vez maior, de participar dessas instâncias decisórias internacionais e, a partir da diversificação de parcerias, retomar esses contatos com os países do Sul Global e se colocar como porta-voz” afirma Leão.
A ampliação do diálogo reforça a imagem do Brasil como um país que dialoga com diferentes grupos no cenário internacional.
É importante sobretudo num contexto de redução da cooperação, com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, diz a senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Rafaela Guedes.
“Num momento em que ocorre esse tipo de fragmentação, quanto mais o Brasil puder abrir novos mercados, novas construções de pontes que saiam do lugar comum, é positivo”, aponta.
Quais são as questões envolvidas?
A adesão ao grupo que controla a maior parte da produção de petróleo do mundo pode significar uma perda de capital político e diplomático frente a ambição de se posicionar como um líder na transição energética.
“Com esse alinhamento, o Brasil perde um pouco essa posição de país-ponte que sempre teve na ordem ambiental internacional, no regime internacional das mudanças climáticas, que era uma posição muito flexível de dialogar tanto com os países desenvolvidos quanto com os países de desenvolvimento; de dialogar com grandes países exportadores, mas também grandes consumidores”, aponta a pesquisadora do Laboratório de Análise Política Mundial da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Renata Ribeiro.
O cenário é ainda mais complexo dada a importância da COP30, que marca os 15 anos do Acordo de Paris e a atualização das ambições climáticas dos países.
“Nas relações internacionais, credibilidade e confiança é algo que demora muito para se construir e se destrói num piscar de olhos”, acrescenta Ribeiro.
Entretanto, apesar dos esforços para se posicionar como uma potência climática, o país vai continuar a ampliar a produção de petróleo pelo menos até o final da atual década.
“Para o Brasil, a neutralidade das emissões não significará parar de produzir fósseis, por um bom tempo”, lembra Guedes.
Junto com Estados Unidos, Canadá e Guiana, o Brasil é o país fora da Opep+ com maior aumento da produção de petróleo nos últimos anos, tendo, inclusive, se beneficiado dos cortes de produção do cartel.
Por isso, para a Opep+, tende a ser positiva a relação mais próxima com um dos países que mais tem conseguido ampliar presença no mercado internacional.
O presidente Lula partilha da ideia de que o financiamento da transição energética virá dos recursos do petróleo.
O Brasil recebeu o convite para integrar a Opep+ em novembro de 2023, em um contexto de reaproximação da Petrobras com os países do Oriente Médio.
Na época, o presidente da República defendeu que o país poderia pautar o grupo com “a importância de superar a política de combustíveis fósseis”.
Especialistas acreditam que é improvável que isso ocorra, dado que alguns dos principais integrantes do grupo já estão liderando o avanço de tecnologias renováveis, como é o caso da Arábia Saudita com os investimentos do programa Vision 2030.
O Brasil, inclusive, já se beneficia da expansão dos investimentos desses países na transição. O fundo soberano de Abu Dhabi, Mubadala, controla a Acelen, que opera a Refinaria de Mataripe e desenvolve um projeto de biorrefino através da macaúba na Bahia.
Por que o Brasil não vai participar dos cortes?
A adesão se tornou viável dada a isenção que o país teria de participar da redução da produção, o que levaria a uma perda na autonomia na definição de políticas energéticas internas.
O Brasil teria dificuldades de participar de eventuais esforços para cortes de produção, dado que não mantém reservas estratégicas.
Além disso, a Petrobras é uma empresa de economia mista, controlada pelo governo, mas isso não significa que haja influência direta do Estado sobre a produção da companhia. Não existem mecanismos legais ou regulatórios que permitam essa influência do governo sobre essa atividade na empresa.
Apesar de a Petrobras ser responsável pela maior parte da extração nacional, outras empresas têm ampliado a produção no país. Uma eventual decisão por se juntar aos esforços de cortes de produção poderia, assim, ter efeitos negativos para a atração de investimentos.
Como está a Opep+ hoje?
A Opep+ existe desde 2016 e faz parte de um esforço para retomar a influência sobre as cotações da commodity.
O cartel original perdeu força na influência dos preços ao longo da década passada devido, sobretudo, ao aumento da produção não convencional nos Estados Unidos. Com isso, se aproximou de outros países para promover esforços de coordenação de preços.
A Opep tem cinco membros fundadores: Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela. Posteriormente, passaram a fazer parte do cartel: Catar, Indonésia, Líbia, Emirados Árabes Unidos, Argélia, Nigéria, Equador, Gabão, Guiné Equatorial, Congo e Angola.
Já a Opep+ inclui também Rússia, Azerbaijão, Bahrein, Brunei, Cazaquistão, Malásia, México, Omã, Sudão e Sudão do Sul.
Angola deixou a coalizão em dezembro de 2023 pelo desejo de voltar a ampliar a produção.
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