Para que o hidrogênio cumpra seu papel na descarbonização, é essencial estabelecer uma taxonomia clara e robusta capaz de definir o que constitui o hidrogênio, ou melhor, os hidrogênios de baixo carbono.
No Brasil, a recente aprovação do marco legal do setor, que estabelece um limite de emissões de até 7 kg de CO₂eq por kg de hidrogênio produzido, gerou debates e desconfianças, especialmente quando se compara ao padrão internacional, onde a média gira em torno de 4 kg de CO₂eq.
Tal discrepância reforça a necessidade de uma taxonomia que alinhe os critérios brasileiros aos padrões globais, ao mesmo tempo em que exige atenção quanto ao ciclo de vida e outros critérios que devem ser contemplados.
Em debate recente sobre a taxonomia do hidrogênio, promovido pelo Ministério da Fazenda, Rosana Santos, do Instituto E+, chamou a atenção para o fato do limite de emissões estabelecido pela legislação brasileira ser mais permissivo do que os padrões internacionais, o que pode comprometer a competitividade do hidrogênio brasileiro no mercado global.
Para se ter uma ideia, o hidrogênio fóssil, utilizado hoje, emite cerca de 10 kg de CO2 por kg de H2. Santos avalia que a Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB) — atualmente em consulta pública — representa uma oportunidade única para corrigir essa distorção, estabelecendo critérios mais rigorosos e alinhados às melhores práticas globais.
Isso não apenas aumentaria a atratividade do hidrogênio brasileiro para investidores internacionais, facilitando o acesso a financiamentos em instituições multilaterais e emissão de títulos verdes, entre outros.
Mas também garantiria que o país, de fato, entrasse na trilha das suas ambições climáticas e de transição energética, além de desenvolver uma nova indústria verde no Brasil.
É preciso considerar as diferentes rotas
Além disso, a taxonomia deve considerar as diferentes rotas de produção de hidrogênio, como eletrólise, reforma de gás natural com captura de carbono (CCS) e outras tecnologias emergentes.
Sem uma avaliação criteriosa dessas rotas, há o risco de que incentivos acabem favorecendo métodos mais poluentes, o que seria contraditório aos objetivos de descarbonização do próprio governo.
Isso porque cada rota possui suas particularidades e complexidades.
No caso do hidrogênio via eletrólise, conhecido como hidrogênio verde, requisitos como correlação temporal e geográfica e adicionalidade da geração de energia renovável são alguns dos adotados internacionalmente, como forma de garantir que a produção seja verdadeiramente sustentável.
Isso é particularmente relevante no contexto brasileiro, onde o Ministério da Fazenda já sinalizou o interesse em incentivar o hidrogênio de menor emissão, visando a descarbonização da indústria doméstica.
A taxonomia permitiria, inclusive, que determinados projetos de descarbonização da indústria via uso do hidrogênio pudessem acessar o mercado de crédito de carbono, financiando sua própria transição, dentro do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).
Desafios são muitos
Os desafios são muitos. Além das complexidades na contabilidade das emissões em diferentes rotas de produção, existe a escolha da metodologia de Ciclo de Vida que será considerada.
Em um primeiro momento, agentes defendem que o mais viável seria considerar o ciclo “do poço até o portão de saída”, que hoje é adotado por diversos países. A metodologia inclui tanto as emissões da extração, processamento e transporte de matérias-primas (energia, gás, biomassa) e como do processo produtivo (eletrólise, reforma, e CCS).
Num futuro, critérios como emissão de transporte, armazenamento e conversão e reconversão do hidrogênio poderiam ser considerados.
Outra metodologia, “do poço à roda”, incluiria também as emissões do uso final, abrangendo diversos setores industriais, como siderurgia, aço, química e refino, além do setor de transporte e eletricidade.
Para além das emissões, a taxonomia também deve ter um olhar mais holístico, avaliando impactos sociais e ambientais, como uso eficiente da água, impacto da extração da matéria-prima sobre comunidades locais, geração de empregos e desenvolvimento econômico – alguns desses critérios estão presentes nos objetivos da Taxonomia Sustentável do Brasil.
Como se não fosse o suficiente, ainda há o desafio de uma taxonomia internacionalmente aceita e reconhecida mutualmente, onde todos falem a mesma língua, tal como foi estabelecido na Declaração de Intenções assinada por mais de 30 países na COP28.
A declaração destaca a importância de reconhecer esquemas de certificação para hidrogênio renovável e de baixo carbono, permitindo maior intensidade de transações no mercado global. As discussões, entretanto, devem ir longe, a exemplo do debate em fóruns internacionais sobre o papel dos combustíveis na transição energética.
Com tantas tarefas e pontos de atenção, é importante que a taxonomia do hidrogênio esteja alinhada ao Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (SBCH2), criado pelo marco legal, e, obviamente, aos objetivos de descarbonização e desenvolvimento econômico do país, bem como a possíveis mercados internacionais de hidrogênio e derivados, que o Brasil tem condições competitivas e acessar.