A transição explicada

O hidrogênio custa caro, mas isso pode ser uma boa notícia 

Com novas leis e incentivos, o país aposta em seu potencial renovável, mas altos custos e incertezas globais ainda limitam a expansão do hidrogênio limpo, escreve Frederico Freitas

Frederico Freitas é consultor do Instituto E+ Transição Energética
Frederico Freitas é consultor do Instituto E+ Transição Energética | Foto Divulgação

O hidrogênio de baixas emissões de carbono ocupará um lugar de protagonismo na transição energética global, dada a redução dos preços das fontes renováveis de energia, os avanços tecnológicos que estão viabilizando uma diversidade de rotas produtivas e a sua versatilidade como substituto dos combustíveis fósseis.

Diante dessa perspectiva, o Brasil vive um momento de grande otimismo, em meio a acordos anunciados entre governos e potenciais investidores. As recentes aprovações do marco legal do hidrogênio de baixo carbono (Lei 14.948/2024) e do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono – PHBC (Lei 14.990/2024) reforçam esse cenário.

O PHBC, que concede uma série de benefícios fiscais para o segmento, acaba de ser sancionado pela Presidência da República, consolidando o apoio institucional ao desenvolvimento dessa nova indústria.

Todos esses aspectos são muito relevantes para o desenvolvimento dessa nova indústria, garantindo segurança jurídica e estrutura econômico-financeira para os projetos. O potencial inexplorado de energia renovável corrobora esse cenário.

Mas, pelo menos até o início da próxima década, é bem provável que, em termos globais, o hidrogênio fique bastante aquém da panaceia prevista por muitos. A principal razão é que o seu custo, ainda que decrescente, continuará elevado.

A estratégia para reduções significativas nesse custo passa por uma grande escalada tecnológica capaz de entregar ao mercado máquinas e equipamentos com maior eficiência e menor custo de aquisição. 

Além disso, a nova commodity enfrenta um dilema de demanda, a velha metáfora do ovo e da galinha, com produtores e consumidores aguardando os movimentos uns dos outros para tomarem suas próprias decisões. 

Essas questões foram pautadas no Asia-Pacific Hydrogen Summit, que aconteceu no mês passado, na Austrália.

Na oportunidade, especialistas indicaram que o mais adequado seria o insumo ser dedicado aos setores “hard-to-abate”, ou seja, cuja descarbonização é muito difícil por meio de outras rotas limpas, como a eletrificação, como é o caso de indústrias como a siderúrgica, vidreira ou química. 

Preocupações quanto à relação de custo x benefício e aos riscos do desenvolvimento desse mercado também estão no radar da União Europeia.

Recentemente, auditoria da Corte Europeia de Auditores sobre o assunto alertou para o fato de que os financiamentos concedidos pela UE estão dispersos em vários programas, dificultando uma visão do caminho estratégico que a Europa está seguindo para a sua descarbonização. 

Outra preocupação dos auditores europeus é a dificuldade de calibrar os incentivos dados ao mercado de hidrogênio e a real demanda desse vetor energético em setores que demandam rápida descarbonização. 

Nesse contexto, os auditores recomendaram à Comissão Europeia que atualize sua estratégia em relação ao tema, considerando os incentivos para a sua produção e uso, além das prioridades da cadeia setorial para a destinação desses recursos.

Eles também sugeriram que a Comissão avalie os focos, em termos de setores industriais, que a UE pretende descarbonizar, conforme as determinações do Mecanismo de Ajuste de Carbono de Fronteira (CBAM), mecanismo europeu para taxação de manufaturas com alto teor de gases de efeito estufa em seus processos produtivos.

O Brasil não pode ficar indiferente diante dessas preocupações levantadas no cenário internacional. Afinal, como país em desenvolvimento, temos muito menor capacidade de investimento do que a Europa e outras geografias.

A análise dos potenciais benefícios dos investimentos na área vis-à-vis outras opções têm de ir muito além de esse ser um tema da moda ou uma esperança que solucione a crise climática. O hidrogênio limpo ainda é caro e os projetos são de alto risco, com os negócios relativos à sua produção e consumo limitados a pequenas unidades, em geral em escala-piloto. 

Felizmente, o país não depende de uma única rota tecnológica de descarbonização: possuímos uma variedade de recursos renováveis capazes de impulsionar nossas estratégias de descarbonização e firmarmos como um grande provedor de recursos energéticos renováveis para o mundo. 

Temos larga experiência na produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel), com uma indústria consolidada e capaz de assumir o protagonismo na descarbonização do nosso sistema de transportes.

Percebemos, nos últimos anos, um crescimento expressivo do setor de biogás e biometano, que usam resíduos da agroindústria e de outros setores industriais para produzir bioenergia.

Além disso, cabe um destaque aos recentes anúncios de indústrias de combustíveis sustentáveis que estão avaliando o potencial brasileiro para produção de SAF e metanol verde usando nosso potencial bioenergético. 

Neste cenário, é louvável o papel do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) que, recentemente, lançaram uma chamada pública fomentando planos de negócios para investimentos em combustíveis baixo carbono para aviação e navegação. 

Esse potencial e iniciativas já nos garantem espaço no novo mercado global de produtos descarbonizados, fomentando nosso desenvolvimento socioeconômico.

De qualquer forma, temos ainda a questão do hidrogênio propriamente dito, com relação ao qual nosso país também pode aproveitar particularidades que jogam a seu favor: além do enorme potencial de energia eólica e solar para eletrólise, tem totais condições de atuar com rotas próprias, por meio da reforma de biomassa, que inclusive nos garantam desenvolvimento tecnológico nacional e menor dependência dos eletrolisadores importados

O fato é que, independentemente da origem, dispomos de inúmeros recursos energéticos sustentáveis para a descarbonização da economia, fomento ao nosso desenvolvimento e contribuição em favor da redução de emissões do resto do mundo.

Portanto, a conclusão dos debates na Austrália, de que o destino mais adequado para o hidrogênio de baixas emissões deva ser os segmentos que não têm alternativa de descarbonização, faz ainda mais sentido para nós. 


Frederico Freitas é consultor do Instituto E+ Transição Energética.