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Marco legal do hidrogênio desencadeia discussões regulatórias e fiscais

Após sanção, lei dependerá de nova aprovação de programa de créditos fiscais e decisões na reforma tributária

Marco legal do hidrogênio desencadeia discussões regulatórias e fiscais

O Brasil acaba de dar mais um importante passo no desenvolvimento do mercado de hidrogênio de baixa emissão de carbono no Brasil com a aprovação da Lei 14.948/2024 denominada como marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono, na última sexta-feira (2/8).

Apesar de a concessão dos créditos fiscais na comercialização do hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados não ter sido temporariamente sancionada por questões técnicas e estar sendo tratada no âmbito do PL 3.027/2024, o marco busca criar as bases para o desenvolvimento competitivo dessa nova indústria no Brasil.

A lei está estruturada em três grandes eixos, sendo um de natureza regulatória que define competências, conceitos e princípios que nortearão a futura regulação da indústria de hidrogênio de baixa emissão de carbono, um de estruturação e governança da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono e um relacionado com medidas de fomento à esta nova indústria.

Definições de H2 de baixa emissão, renovável e verde

A definição do hidrogênio que pode ser considerado de baixa emissão de carbono é um dos pontos centrais da nova lei em função de suas relevantes repercussões. Por exemplo, os benefícios fiscais do Rehidro somente estão disponíveis para projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono e as políticas públicas focarão no desenvolvimento de hidrogênio de baixo carbono.

A lei definiu hidrogênio de baixa emissão de carbono como o hidrogênio utilizado como combustível ou insumo industrial, coletado ou obtido a partir de fontes diversas de processo de produção e que possua emissão de Gases Efeito Estuda (GEE), conforme análise do ciclo de vida, com valor inicial ou menor ou igual a 7kgCO2eq/kgH2.

Esse nível máximo de emissão deverá ser mantido até 2030, podendo ser revisto posteriormente.

Vale destacar que a lei não restringiu a rota tecnológica de produção do hidrogênio em linha com o objetivo de incentivar as diversas metodologias de produção e valorizar as múltiplas alternativas existentes no país.

Adicionalmente, a lei também trouxe as definições de hidrogênio renovável (hidrogênio de baixa emissão de carbono, combustível ou insumo industrial coletado como hidrogênio natural ou obtido a partir de fontes renováveis) e hidrogênio verde (hidrogênio produzido por eletrólise da água, utilizando fontes de energia renováveis).

Competência da ANP no regime de autorização

A lei definiu que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) será a agência competente para regular as atividades de produção, carregamento, ao acondicionamento, ao transporte, à transferência, à revenda e à comercialização de hidrogênio, seus derivados e carreadores.

O exercício dessas atividades dependerá de autorização prévia da ANP. Seguindo boas práticas de regulação, o projeto estabelece que a exigência de autorização poderá ser dispensada dependendo do volume produzido e do uso do hidrogênio como insumo.

Entendemos ser positiva a opção legal por adotar um padrão mais principiológico e estruturante, deixando espaço para que a ANP, que possui maior capacidade técnica e dinamismo, possa implementar a regulação do setor.

A possibilidade de utilização de sandbox regulatório prevista na Lei também pode trazer benefícios à atividade regulatória da ANP. Não obstante, é preciso estar atento para o desafio de desenvolvimento de um arcabouço regulatório inteiramente novo em uma indústria que é nova em todo o mundo, especialmente diante das dificuldades enfrentadas pelas agências reguladores brasileiras.

Ressalta-se, no entanto, que tal definição não significa que outras agências reguladoras (ex: Aneel e ANA) e autoridades governamentais não serão relevantes para a estruturação dos projetos envolvendo produção e uso de hidrogênio.

Políticas públicas de desenvolvimento do hidrogênio

A Lei estabeleceu os princípios e os objetivos da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono, que passa a integrar a Política Energética Nacional. Tais princípios e objetivos serão fundamentais para o desenvolvimento das políticas públicas e da regulação da ANP.

Com o objetivo de estabelecer ferramentas de governança para o desenvolvimento eficiente da indústria de hidrogênio de baixo carbono, a lei previu três ferramentas principais:

A primeira ferramenta de governança é o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2) que será gerido pelo Comitê Gestor do Programa Nacional do Hidrogênio de (Coges-PNH2) que contará com representantes do Poder Executivo, dos estados e do Distrito Federal, da comunidade científica e do setor produtivo.

A segunda ferramenta é o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC). Contudo, foram vetados os dispositivos do projeto que traziam maior detalhamento sobre o programa, os quais passaram a tramitar no âmbito do PL 3.027/2024 de autoria do Deputado José Guimarães (PT/CE).

A terceira ferramenta é o Sistema Brasileiro de Certificação do Hidrogênio (SBCH2), com o objetivo de promover a utilização do hidrogênio de forma sustentável a partir das informações contidas em documento emitido por empresa certificadora ao produto hidrogênio e derivados.

Vale ressaltar que a certificação será de adesão voluntária pelos produtores e visará informar aos interessados a intensidade de emissões de GEE relativas à cadeia de produção de hidrogênio, baseando-se na análise do ciclo de vida deste.

Esperamos, no entanto, que haja um bom nível de adesão à certificação, considerando que a certificação do hidrogênio de baixa emissão tem como benefício dar maior rastreabilidade e credibilidade aos seus atributos ambientais e, consequentemente, é possível que incentivos e subsídios governamentais, financiadores e consumidores exijam a certificação.

Cobrimos por aqui:

Rehidro

A Lei estabeleceu o Regime Especial de Incentivos para Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro), em moldes semelhantes ao já existente Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi).

Os investimentos tributários concedidos aos beneficiários terão vigência de cinco anos a partir de 1º de janeiro de 2025, sendo necessário ainda aguardar como o legislador pretende tratar do Rehidro no contexto da Reforma Tributária e da substituição do PIS e Cofins por IBS e CBS a partir de 2027.

Debêntures incentivadas, ZPEs e créditos fiscais

A Lei também estendeu aos beneficiários do Rehidro a possibilidade de emissão de debêntures incentivadas previstas na Lei nº 12.431/2011, o que deve promover o financiamento de projetos de hidrogênio.

As empresas instaladas em Zonas de Processamento de Exportação poderão aderir ao Rehidro, sem prejuízo dos benefícios estabelecidos na Lei nº 11.508/2007.

Vale destacar que o projeto aprovado pelo Congresso previa a concessão de crédito fiscal no âmbito da comercialização do hidrogênio de baixa emissão de carbono e seus derivados produzidos em território nacional, desde que os projetos voltados para esta finalidade observem, pelo menos, um dos seguintes requisitos:

  • (i) contribuição ao desenvolvimento regional;
  • (ii) contribuição às medidas de mitigação e adaptação à mudança do clima;
  • (iii) estímulo ao desenvolvimento e difusão tecnológica; e
  • (iv) contribuição à diversificação do parque industrial brasileiro.

No entanto, tais disposições foram vetadas por questões técnicas e passaram a tramitar no âmbito do PL 3.027/2024.

O PL 3027 mantém a esperada a concessão de até R$18,3bi de créditos fiscais para o período entre 2028 e 2032, observados os limites indicados abaixo:

  • R$ 1,7 bilhão em 2028
  • R$ 2,9 bilhões em 2029
  • R$ 4,2 bilhões em 2030
  • R$ 4,5 bilhões em 2031
  • R$ 5 bilhões em 2032

A concessão dos benefícios está sujeita a processo concorrencial a ser regulamentado e a dotação orçamentária.

Possibilidade de declaração de utilidade pública

Merecem destaque, ainda, a inovação da Lei em estabelecer a possibilidade de declaração de utilidade pública (DUP) em áreas necessárias: (a) construção de infraestrutura necessária à produção de hidrogênio, hipótese na qual a declaração de utilidade pública será declarada pela ANP; e (b) às instalações de transmissão e distribuição de energia elétrica de interesse restrito de agente outorgado que não sejam destinadas ao acesso ao sistema de transmissão ou distribuição, desde que sejam dedicadas ao suprimento exclusivo de projetos de produção de hidrogênio de baixo carbono, hipótese na qual a declaração de utilidade pública será declarada pela Aneel.

Conclusão

A aprovação do marco legal do hidrogênio de baixa emissão era uma das medidas mais aguardadas para o desenvolvimento dos projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono no Brasil, uma vez que o país já reúne diversas características que o posicionam como uma das regiões mais competitivas para o desenvolvimento da nova indústria de hidrogênio de baixo carbono.

Apesar do momento de celebração, não se pode perder de vista que ainda há uma extensa agenda normativa a ser percorrida e os agentes públicos e privados devem aproveitar este bom momento para continuar avançando nessa agenda. Em termos de próximos passos, destacamos os seguintes:

  • (i) a aprovação de nova lei regulando os créditos fiscais e o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC);
  • (ii) a aprovação do decreto regulamento da lei que será uma oportunidade de esclarecer e detalhar algumas previsões legais; e
  • (iii) a estruturação da ANP para executar sua nova competência regulatória com a consequente edição da regulamentação dessa nova indústria.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.

Felipe Boechem é sócio da prática de Petróleo e Gás; Miriam Signor, sócia da prática de Desenvolvimento e Financiamento de Projetos; Pedro Dante, sócio da prática de Energia; e Jayme Freitas, sócio da prática Tributária, todos do escritório Lefosse.