Preço versus emissões

Incentivos para hidrogênio devem privilegiar projetos com menor preço ao consumidor final, defende ABH2

"Não adianta querermos forçar com um custo de hidrogênio que vai ficar muito alto, porque a demanda não vai conseguir acomodar", comenta Marina Domingues

ABH2: incentivos do governo para a produção de hidrogênio devem privilegiar projetos com preços mais baixos ao consumidor final. Na imagem: Caminhão a hidrogênio Xcient Fuel Cell da Hyundai, com autonomia de autonomia de cerca de 400 km por carga, segundo a coreana (Foto: Divulgação)
Caminhão a hidrogênio Xcient Fuel Cell da Hyundai, com autonomia de autonomia de cerca de 400 km por carga, segundo a coreana | Foto Divulgação

RIO – A Associação Brasileira de Hidrogênio (ABH2) quer que os incentivos governamentais para produção de hidrogênio no Brasil priorizem projetos que ofereçam custos acessíveis ao consumidor final, independente da intensidade das emissões de carbono, considerando o limite de 7 kg de CO2 por H2 produzido, estabelecido por lei.

“Não adianta querermos forçar com um custo de hidrogênio que vai ficar muito alto, porque a demanda não vai conseguir acomodar”, comenta Marina Domingues, diretora de mercado e regulamentação da ABH2 e vice-presidente da Rystad Energy para Novas Energias nos Estados Unidos, em entrevista à agência eixos.

Domingues destaca que a criação de uma demanda pelo hidrogênio depende da modicidade de preço, independentemente da rota de produção adotada – seja esta com menor ou maior emissão de carbono no seu ciclo de vida.

Essa tese poderia beneficiar rotas com maior emissão e com potencial de oferta de hidrogênio a menor custo, por exemplo, se o hidrogênio azul – feito a partir de gás natural com captura de armazenamento de carbono (CCS) – for mais competitivo que o verde (eletrólise com renováveis).

A discussão ocorre no contexto da consulta pública promovida pelo Ministério da Fazenda para regulamentar os subsídios previstos no marco legal do hidrogênio, que poderão disponibilizar mais de R$ 20 bilhões em incentivos entre 2028 e 2032. E em meio a disputas setoriais que querem acesso a esses recursos.

As novas leis, por meio do Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro) e do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), propõem algumas diretrizes. 

Entre elas uma equação nada fácil, como privilegiar projetos com menor emissão de carbono e que ao mesmo tempo ofereçam um hidrogênio com menor diferença de custo entre o seu substituto fóssil. 

Domingues alerta que, para evitar um mercado excessivamente caro, é fundamental olhar para o custo do hidrogênio de uma perspectiva voltada ao consumidor final, sob o risco de não se desenvolver a indústria de hidrogênio. 

“Não adianta a gente produzir um hidrogênio em altíssimo custo, sem que isso esteja conversado com a demanda”, ressalta. 

Ela aponta o exemplo do mercado de hidrogênio da Califórnia, onde o gás, mesmo sem captura de carbono, chega a quase US$ 40 dólares por quilo no posto de abastecimento, o que vem afastando compradores de novos veículos movidos a célula a hidrogênio.

Setores estratégicos 

Ainda pensando na demanda, Domingues citou o caso do Japão, que adota políticas de incentivo que cobrem a diferença de preço entre combustíveis fósseis e combustíveis com abatimento de carbono, sem especificar uma rota tecnológica, mas favorecendo um setor estratégico. 

O governo japonês paga a diferença entre a amônia e o carvão ou o gás natural, para uso na geração de energia.

No contexto brasileiro, Domingues sugere que o governo estabeleça setores estratégicos para o uso do hidrogênio. 

Essa abordagem permitiria que os incentivos fossem alocados de forma a maximizar o impacto em setores onde o hidrogênio já desempenha papel essencial, como na produção de amônia e no refino de combustíveis.

“Temos setores estratégicos de descarbonização, por exemplo, a amônia é um deles, talvez seja o principal deles, porque é uma indústria a ser construída e, preferencialmente, de commodities de baixo carbono”, aponta. 

Ela também menciona setores como aço e transporte, especialmente considerando a infraestrutura de transporte rodoviário no Brasil, que necessita de alternativas de descarbonização.

Incentivos devem vir junto com mercado de carbono

Outro ponto crucial destacado por Domingues é a importância de um mercado regulado de carbono no Brasil. 

A executiva pontuou que, sem um mecanismo de precificação de emissões, a produção de hidrogênio nacional poderá ser direcionada principalmente para exportação, atendendo mercados estrangeiros com políticas robustas de taxação de carbono, como a União Europeia e o Japão, em detrimento da demanda doméstica. 

“A demanda só existe na Europa porque tem mercado ETS europeu. Essa demanda só existe no Japão porque houve um comprometimento do governo japonês em redução ao CO2″.

Domingues também lembra que nos Estados Unidos, por exemplo, a Lei de Redução da Inflação (IRA, em inglês) introduziu incentivos generosos para estimular o setor de hidrogênio. 

Um deles, o 45Q é um crédito tributário que premia o sequestro de carbono, voltado para projetos que produzem hidrogênio a partir de combustíveis fósseis com CCS. 

Nesse modelo, o subsídio é de até US$ 85 por tonelada de carbono capturado e sequestrado pela planta de produção de hidrogênio.

“Se o Brasil não conseguir oferecer algum tipo de incentivo competitivo, nosso hidrogênio chegará a mercados como o Japão com preços mais altos do que os oferecidos pelos EUA, que já subsidiam sua produção”, observa.

Já outro modelo é o 45V, em que o crédito tributário é exclusivamente para projetos com emissões abaixo de 1,5 kg de CO2e por kg de H2. Esses projetos recebem um crédito tributário de US$ 1 por kg de H2, maior do que o que poderia ser obtido por meio do 45Q.