Com a recente eleição do republicano Donald Trump para retornar à presidência dos Estados Unidos, o futuro dos incentivos fiscais para o hidrogênio, especialmente o verde, é motivo de grande desconfiança. E isso pode ser bom para o Brasil.
O retorno de Trump ao poder, desta vez com controle sobre o Senado e provavelmente a Câmara, somado ao apoio da Suprema Corte, sugere uma possível guinada nas políticas ambientais adotadas pela administração Biden, com a Lei de Redução da Inflação (IRA, em inglês).
Desde a aprovação da IRA em 2022, os Estados Unidos tornaram-se um polo atrativo para investimentos em hidrogênio, especialmente com a implementação do crédito fiscal 45V, que incentiva a produção de hidrogênio com baixas emissões.
Contudo, a vitória de Trump pode mudar esse cenário.
Durante sua campanha, o presidente eleito criticou duramente os veículos movidos a hidrogênio. Em repetidos discursos, destacou que carros a hidrogênio são perigosos devido ao risco de explosão.
“Queremos carros movidos a gasolina e queremos híbridos. Não queremos hidrogênio. Não queremos carros movidos a hidrogênio”, disse Trump, durante campanha em Atlanta, Geórgia – estado pêndulo onde saiu vencedor.
Em várias ocasiões, descreveu cenários quase apocalípticos, dizendo que, em um acidente, o motorista de um carro movido a hidrogênio poderia ficar “irreconhecível”.
Embora essas alegações tenham sido amplamente contestadas por especialistas, elas têm uma motivação política clara: seu alinhamento com Elon Musk, um dos maiores críticos do uso de hidrogênio para mobilidade, dado o foco da Tesla em veículos elétricos movidos a bateria.
Inclusive, uma das promessas de campanha de Trump era criar um departamento na Casa Branca para Musk trabalhar.
Um aceno aos elétricos e outro ao petróleo
A volta de Trump à Casa Branca também pode significar uma mudança nos incentivos fiscais para o hidrogênio, de modo que favoreçam o azul, produzido a partir de gás natural com captura de carbono, em detrimento do verde, obtido a partir de eletrólise da água com fontes renováveis.
Trump nunca escondeu seu apoio à indústria de combustíveis fósseis. Durante seus comícios de campanha, foi claro ao defender um modelo de produção que priorize o uso de gás natural.
Esse movimento provavelmente agradaria às grandes petroleiras, que já são aliadas de longa data do Partido Republicano.
O próprio American Petroleum Institute (API), uma das maiores associações de lobby de petróleo e gás dos EUA, já sinalizou que não espera que Trump revogue completamente os subsídios para o hidrogênio, especialmente aqueles voltados para o hidrogênio azul, como o 45Q, que premia a captura e armazenamento de carbono.
O CEO da API, Mike Sommers, chegou a dizer em março que “não apoiaria uma revogação em larga escala do IRA”, mas “uma abordagem muito mais parecida com um bisturi para o IRA”.
A think thank Atlantic Council também apontou para a possibilidade da Casa Branca, por meio de agências federais, evitar emitir orientações e regulamentações importantes, ou mudar drasticamente a maneira como os incentivos fiscais são estruturados, uma vez que as diretrizes para o crédito tributário de hidrogênio ainda não foram finalizadas.
Incentivos regionais e o cálculo eleitoral
Apesar das intenções declaradas de Trump de eliminar o que ele chama de “grande farsa verde”, um completo desmantelamento dos incentivos para hidrogênio do IRA não será tarefa fácil.
A lei, embora fortemente promovida pelos democratas, possui apoio bipartidário e beneficia estados que foram fundamentais para sua vitória eleitoral.
Eliminar completamente esses subsídios poderia significar um tiro no pé para Trump, uma vez que alguns destes projetos já estão em andamento e são apoiados por empresas locais e políticos republicanos que veem neles uma oportunidade de revitalizar suas economias regionais.
O crédito fiscal 45V, em particular, é fundamental para a viabilidade econômica dos H2 Hubs, que receberam um financiamento inicial de US$ 7 bilhões.
Redirecionar incentivos para esses hubs pode não apenas garantir apoio local, mas também consolidar sua promessa de “America first” (América em primeiro lugar), fomentando a criação de empregos e a reindustrialização.
Os hubs estão localizados em estados como Texas – tradicionalmente republicano – e nos estados pêndulos como Pensilvânia e Michigan.
Uma janela para o Brasil
A retirada de subsídios poderia gerar um efeito dominó negativo, afetando o impulso recente que o setor de hidrogênio ganhou nos EUA, especialmente com o interesse de empresas europeias que estavam planejando investir em infraestrutura de eletrólise em solo norte-americano.
Caso Trump siga em frente com suas intenções de cortar fundos destinados a projetos mais verdes, isso pode redirecionar esses investimentos para outras regiões, como o Brasil.
Além das vantagens naturais para a produção de energia limpa – essenciais para o hidrogênio verde –, o Brasil se prepara para regulamentar seus incentivos fiscais para essa nova indústria.
Entretanto, será preciso agir rapidamente para atrair o capital estrangeiro, aproveitando essa brecha, e ser mais estratégico na definição de critérios para alocação dos quase R$ 20 bilhões – pouco perto da necessidade de recursos para projetos de grande porte.
Ao contrário dos EUA, em que o gás natural é competitivo, no Brasil a lógica se inverte, sendo um país com geração barata de energia renovável e um gás caro. É preciso levar em conta as vantagens competitivas brasileiras, para não perder mais uma oportunidade.