O mundo está em um ponto de inflexão em sua transição energética.
A urgência de mitigar os impactos das mudanças climáticas — exacerbadas por eventos como as recentes queimadas na Califórnia, nos Estados Unidos, — nos lembra que precisamos migrar dos combustíveis fósseis para alternativas mais sustentáveis.
Mas se o fogo dá o tom da tragédia climática, o sinais vindos do novo governo da maior economia mundial, os Estados Unidos, apontam para um retrocesso na mitigação do aquecimento global, com a defesa de expansão e intensificação da exploração e produção de óleo e gás, e minimização das consequências disso para o planeta.
O resto do mundo, incluindo o Brasil, terá dois caminhos: o de se espelhar no negacionismo climático em prol de um desenvolvimento econômico de curto e médio prazo, ou de persistir na transição para uma economia sustentável financeira e ambientalmente no longo prazo.
Nesse contexto, o hidrogênio, em especial o verde, emerge como uma das soluções promissoras. Mas também exigirá velocidade.
É hora de acelerar e superar os projetos pilotos, para focar em iniciativas de larga escala capazes de movimentar cadeias produtivas inteiras.
Agenda ambiental brasileira deverá ser pragmática
O ano será importante para o Brasil no cenário global. Depois de uma bem sucedida agenda na presidência rotativa do G20, no ano passado, em 2025 o país será sede e ocupará a liderança da cúpula do BRICS e da COP30.
Terá o desafio de transformar o discurso dos documentos finais em prática.
Ano passado foi o ano mais quente registrado na humanidade. O Brasil registrou uma temperatura média de 25,02°C, 0,79°C acima da média. Repetiu o feito de 2023, até então o mais quente já registrado.
E a tendência é de novos recordes nos próximos anos – talvez com um alívio em 2025 por conta da ausência do El Nino.
No BRICS, uma das metas do país será garantir o financiamento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) para projetos de transição, incluindo hidrogênio, e recuperação florestal de países do bloco e, quem sabe assim, pressionar países ricos – que saíram da COP29 com promessas muito aquém do necessário – a fazerem o mesmo.
Já na COP30, o Brasil terá que se equilibrar entre a cobrança aos países do hemisfério Norte e a defesa pelo seu direito em explorar novas fronteiras de petróleo e gás, como a Foz do Amazonas.
No fim, o pragmatismo em prol do retorno econômico a curto prazo, de Norte a Sul Global, parece se sobrepor às graves consequências das mudanças climáticas.
Recalculando rotas
Pensando nos acionistas, petroleiras mundo afora estão redirecionando seus recursos de projetos em renováveis menos rentáveis para empreendimentos de maior impacto, em especial óleo e gás. Na esteira, alguns projetos de hidrogênio pegam carona.
É pouco ainda. Mas o que seria importante destacar aqui é a característica destes projetos: plantas de larga escala.
A bp, por exemplo, anunciou no fim do ano passado o encerramento de 18 iniciativas menores de hidrogênio em meio à queda nos lucros trimestrais, e a priorização de projetos que oferecem maior competitividade, como o Castellón, na Espanha, em parceria com a Iberdrola.
De maneira parecida, a Shell no Brasil suspendeu o projeto piloto de hidrogênio planejado para o Porto do Açu, no Rio de Janeiro, para concentrar seus esforços na conclusão de uma planta eletrolisadora de larga escala, no Porto de Roterdã, na Holanda, capaz para produzir 60 toneladas de hidrogênio renovável por dia, que ajudará na descarbonização da própria refinaria.
“A estratégia é terminar de construir esta planta de hidrogênio, colocar o negócio em funcionamento e aprender com os erros e acertos antes de abrir novas frentes”, disse o CEO da companhia, Cristiano Pinto da Costa, no início de janeiro.
Empresas como Eletrobras e Yara desistiram de seguir com novos projetos pilotos e já reconheceram que devem escalar iniciativas. A conclusão é que somente um projeto de grande porte pode tornar realidade um preço competitivo para o hidrogênio de baixo carbono e dar a largada neste mercado.
“Não adianta o país agora colocar 50 projetos pilotos, não vai mudar a realidade. É um projeto grande, estruturante, que vai mudar o ecossistema”, avalia Daniel Hubner, vice-presidente de Soluções Industriais da Yara.
A visão é compartilhada por outros executivos, como o CEO da Thyssenkrupp, Paulo Alvarenga, que em artigo publicado em setembro de 2024 afirmou que a “criação de economia de escala é crucial para garantir a competitividade global”.
A recente chamada pública do Ministério de Minas e Energia para hubs de hidrogênio recebeu 70 propostas – das quais selecionou 12 –, demonstrando o apetite nacional por projetos estruturantes que envolvem não só a produção de hidrogênio como a infraestrutura para escoamento e linhas de transmissão, e consumo para descarbonização do cimento, aço e combustíveis.
No entanto, a concretização dessas ideias depende de financiamentos robustos e da formulação de regulações claras que permitam o acesso a esses recursos, sejam eles públicos ou privados.
Escalar para reduzir custos
O pacote de subsídio para o hidrogênio deveria olhar para estes projetos capazes de ganhar escala e reduzir custos, e assim, permitir que o hidrogênio de baixo carbono possa ser gradualmente assimilado pelas indústrias, e as auxilie no caminho da redução das emissões.
Há bons exemplos de sucesso de indústrias embrionárias que com ajuda governamental rapidamente ganharam escala, como etanol, energia eólica e solar, no Brasil, além do desenvolvimento de baterias para veículos elétricos em outros países.
É certo que investimentos em pesquisa e inovação continuam sendo importantes, mas devem ocorrer simultaneamente a projetos estruturantes que realmente sejam capazes de transformar a economia e desenvolver a cadeia de suprimentos.
O lembrete é que a mudança de paradigma para projetos maiores não atende apenas à questão econômica, mas principalmente à urgência climática.
Fortes chuvas, enchentes, secas severas, incêndios, entre outros eventos climáticos extremos, são cada vez mais comuns em cada vez mais lugares do globo, e com menor intervalo entre um e outro.
A pergunta que fica é: até onde estamos dispostos a ir sem agir?
O cálculo ambiental e de vidas humanas precisa entrar no balanço de empresas, instituições financeiras e governos. E avançar em investimentos em projetos de hidrogênio pode ser um dos caminhos para conter o aquecimento global e as mudanças climáticas.
Calcula-se que a degradação ambiental pode custar US$ 23 trilhões até 2050. Significa que cerca de metade do PIB global está em risco devido às perdas de produtividade e diversidade biológica.
Não fazer nada e manter o pé no acelerador dos combustíveis fósseis, sem dúvidas, é mais barato agora, porém, sairá caro no futuro.