Os recentes cortes orçamentários nas agências reguladoras acenderam um sinal de alerta na indústria brasileira de hidrogênio verde.
Para Fernanda Delgado, CEO da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (Abihv), a redução de recursos afeta diretamente a capacidade de atuação de órgãos como ANP, Aneel e EPE, fundamentais para o desenvolvimento regulatório e técnico do setor.
“Esses cortes orçamentários causam um distúrbio em todo o trabalho que vem sendo feito. Quando você tem um corte drástico de orçamento [das agências reguladoras], o mercado fica receoso de como vai ser o comportamento daqui para frente”, afirmou Delgado em entrevista ao estúdio eixos, durante a EVEX Brasil 2025, realizada em Natal, Rio Grande do Norte.
A Abihv e outras entidades enviaram uma carta ao ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), solicitando a reversão dos cortes.
“É imperioso que essas agências possam funcionar da sua melhor forma, com seus técnicos, equipamentos, acesso a estudos, e capacidade de fiscalização”, pontuou a executiva.
“A ANP é a responsável pela regulação do hidrogênio verde no Brasil, é um mercado que está nascendo. Imagina começar já deficitário com um corte orçamentário dessa natureza”, completou.
Riscos com MP do setor elétrico
Além da preocupação com o orçamento das agências, a associação também se posicionou contra trechos da Medida Provisória da reforma do setor elétrico, em discussão no Congresso.
Segundo Delgado, a retirada de incentivos à autoprodução de energia e o fim dos descontos na Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) podem inviabilizar projetos já estruturados de hidrogênio verde.
“Precisamos de uma reforma do setor elétrico. Tem toda a questão da tarifa social que vai ser muito bem vinda, mas tiveram pontos ali que causaram realmente preocupação para a associação quando você fala do fim do desconto no fio”, disse a CEO da Abihv.
Na avaliação da executiva, é preciso debater também o fim gradual dos subsídios dados à indústria de óleo e gás.
“Queria que se falasse no fim ou pelo menos em um phase down dos subsídios aos combustíveis fósseis, que estão aí há 120 anos, que se fizesse essa discussão na mesma profundidade e na mesma intensidade que se faz a discussão em relação às energias renováveis, que não tem nem 20 anos”, defendeu Delgado.
“Essa reengenharia do orçamento público, principalmente a reordenança da CDE, também poderia ser endereçada ao setor de óleo e gás”.
Em busca de consumidores
Outro foco da Abihv tem sido ampliar a interlocução com instituições financeiras e compradoras internacionais do hidrogênio verde e derivados produzidos no Brasil.
A associação já firmou memorandos com o Banco do Japão e com entidades da região de Flandres, na Bélgica, para facilitar a conexão entre financiadores, offtakers e produtores brasileiros.
“Temos sido procurados por instituições de fora do Brasil para entender o potencial brasileiro e para mostrar quando o Brasil vai ter produto para vender. Já temos projetos com cronograma claro, como os do Pecém, Suape e de empresas como Fortescue, Voltalia, Casa dos Ventos e European Energy, que já estão na sua fase de engenharia”.
A CEO também comentou o edital recém-publicado da nova rodada do leilão europeu H2 Global, que desta vez inclui um bloco específico para a América do Sul e Austrália.
Segundo ela, há forte expectativa de que associados da Abihv participem do certame.
Além do potencial exportador, o hidrogênio verde pode ser alavanca para a reindustrialização do Brasil, especialmente no Nordeste. Segundo estudos da associação, a carteira de projetos até 2030 já soma R$ 70 bilhões — e pode alcançar R$ 188 bilhões nos anos seguintes.
“Se o Brasil conseguir atender 4% da demanda mundial, o impacto no PIB pode chegar a R$ 7 trilhões até 2050. Cada R$ 1 de subsídio gera até R$ 30 em arrecadação tributária. É um efeito multiplicador”, disse Delgado.
“A indústria do hidrogênio verde não encerra no hidrogênio verde. Vamos fazer amônia, metanol. Tem projetos como o da Atlas Agro, por exemplo, que faz até o fertilizante nitrogenado e vende dentro do Brasil”.