Com o marco legal aprovado e uma regulamentação já em andamento, o hidrogênio de baixo carbono chega na reta final de 2024 com boas notícias para o ano que vem.
Além de mais algumas dezenas de projetos de hidrogênio verde e derivados anunciados no país, ao longo do ano, foi possível observar um amadurecimento desses projetos que, em parte, deixaram de ser apenas memorandos de entendimentos e avançaram para decisões antecipadas de investimentos e contratos de reservas de áreas em portos brasileiros.
Pelo menos quatro desses empreendimentos esperam tomar a decisão final de investimento no ano que vem: Fortescue e Casa dos Ventos, no Ceará, European Energy, em Pernambuco, e Atlas Agro, em Minas Gerais.
São projetos de olho nos quase R$ 20 bilhões de subsídios governamentais que serão disponibilizados entre 2028 e 2032. A janela é curta e o dinheiro também, quando comparado a complexidade dos projetos e o volume de investimentos necessário.
A grande expectativa para 2025 é justamente a regulamentação dos critérios para acesso a esses incentivos, alvo de intensa disputa por diversos setores. Colocando em lados opostos desenvolvedores de projetos que olham a exportação e possíveis consumidores industriais domésticos.
Outro capítulo importante para acompanhar será o quanto desses subsídios poderá ir para os fósseis a depender dos critérios estabelecidos. Apesar de não haver nenhum projeto de hidrogênio azul – produzido a partir de gás natural com captura e armazenamento de carbono (CCS) – anunciado no Brasil, o lobby não está morto.
A ANP também terá um trabalho complexo na regulamentação, que envolve muitas frentes.
Entre elas, a definição de metodologias de análise de ciclo de vida para contabilidade das emissões – o que interfere nos critérios para acesso a subsídios; a necessidade ou não de autorização para produção de hidrogênio de baixa emissão, e uma possível diferenciação entre uso combustível e uso industrial; e a revisão de aspectos regulatórios que incluam a exploração e produção de hidrogênio natural.
Governo e Congresso em ação
Nem só de subsídios irão depender os projetos de hidrogênio. Pensando nisso, o governo também chancelou alguns projetos para que possam buscar no mercado internacional financiamento para colocar de pé plantas bilionárias, seja por meio da Plataforma de Investimentos em Transformação Climática e Ecológica do Brasil (BIP) ou do Acelerador de Transição Industrial (ITA).
Para além do hidrogênio, o ano também ficou marcado pela aprovação de pautas paralelas e importantes ao setor no Congresso.
A primeira delas, o programa Combustível do Futuro, que, apesar de não contar com metas para consumo de hidrogênio, estabelece mandatos para combustíveis sustentáveis de aviação (SAF), que tem o hidrogênio como matéria-prima.
Além disso, o programa também marca o início da regulação das atividades de CCS, o que dialoga diretamente com a produção de hidrogênio azul, ou até mesmo a produção de hidrogênio a partir da biomassa e biocombustíveis que, com a captura de carbono, poderia em alguns casos ter suas emissões negativadas.
O Paten, que cria um fundo garantidor para projetos de energia de baixo carbono, chamado Fundo Verde, foi outra inciativa do Congresso, que pode facilitar o acesso de empresas a financiamentos privados para tecnologias sustentáveis, que inclui o hidrogênio.
Já nas últimas semanas do ano, mais duas leis foram aprovadas no parlamento, e consideradas essenciais para a indústria de hidrogênio de baixo carbono: o mercado de carbono e as eólicas offshore.
As eólicas offshore e a produção de hidrogênio verde possuem uma simbiose natural. Tanto que os primeiros projetos de hidrogênio renovável anunciados no país estavam localizados em portos próximos a potenciais futuros parques em alto mar.
Isso porque plantas de eletrólise de larga escala necessitam de gigawatts de energia elétrica limpa, algo que gigantes turbinas e pás eólicas no mar podem oferecer. É verdade que os primeiros projetos de hidrogênio verde no país devem se valer de energia onshore, em especial hidrelétricas, que trazem uma vantagem competitiva de custo.
Mas no longo prazo, as eólicas offshore aparecem como fortes candidatas para alimentar a produção de hidrogênio, até mesmo em alto mar.
Alguns estudos já apontam a viabilidade dessa modalidade de produção, possuindo ainda vantagem de que a eletricidade gerada se conecte ao continente via gasodutos (mais baratos) e não via redes elétricas (mais caras).
Já no caso do mercado de carbono, a taxação de emissões acima do limite estabelecido pode ser um estímulo crucial para a descarbonização de setores de difícil abatimento, como siderurgia e cimento, em que o hidrogênio aparece como uma solução eficaz de descarbonização.
Traz ainda a possibilidade de uma nova indústria verde no Brasil.
Também nessa reta final do ano, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) definiu o hidrogênio de baixa emissão de carbono, aço e cimento verde, bem como segmentos correlatos, como o biometano, diesel verde e SAF, aerogeradores e painéis solares, como as seis cadeias prioritárias para investimentos na Missão 5 do programa Nova Indústria Brasil (NIB) do governo federal.
O programa usa instrumentos tradicionais de políticas públicas, como subsídios, empréstimos com juros reduzidos, incentivos tributários, fundos especiais e ampliação de investimentos para incentivar áreas selecionadas como estratégicas.
Também se espera, ainda este ano, o resultado da chamada pública aberta pelo governo brasileiro para projetos de hubs de hidrogênio de baixo carbono, que recebeu 70 propostas de todas as regiões do país, que devem concorrer a incentivos internacionais.
O Acordo de Parceria Mercosul-União Europeia anunciado recentemente, ainda que tenha um longo caminho burocrático pela frente, foi outra janela de aberta para novas oportunidades para o hidrogênio e derivados de baixo carbono produzidos no Brasil.
O velho continente é visto como um dos principais mercados consumidores do hidrogênio verde produzido no Brasil, bem como dos combustíveis sintéticos, amônia, e-metanol e SAF, e até mesmo produtos intermediários do aço verde, com o HBI – que também é apontado como um grande potencial para industrialização brasileira por meio do hidrogênio.
Para que 2025 garanta mais um ano de sucesso, será necessário o andamento célere da regulamentação, especialmente dos incentivos, para a construção de um ambiente de negócios favorável e consolidação de projetos estruturantes de larga escala no país.