BRASÍLIA – Ao regulamentar a MP 1212/2024, que prevê o uso de recursos da privatização da Eletrobras para reduzir as tarifas de energia elétrica, os ministérios de Minas e Energia (MME) e da Fazenda determinaram que os consumidores que vierem a migrar para o mercado livre continuarão responsáveis pelo pagamento de encargos relativos aos empréstimos, que o governo pretende antecipar.
Trata-se das chamadas Conta-Covid e Conta Escassez Hídrica, duas medidas tomadas em 2020 e 2021, para diluir os impactos das respectivas crises no setor elétrico brasileiro. O socorro se deu pela contratação de empréstimos, regulados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Foram contratados R$ 21 bilhões, com prazo de amortização entre 2025 (covid) e 2027 (crise hídrica).
A conta recai sobre os consumidores do mercado cativo, responsável pelo pagamento das parcelas, acrescidas de juros, por meio do recolhimento de encargos para Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) – o ‘fundão’ que concentra as políticas e despesas setoriais.
Isto é, o governo está concentrando uma parte dos recursos que ia beneficiar consumidores livres e cativos no longo prazo, para utilizar os recursos em benefício aos consumidores cativos no curto prazo.
MME estima efeito de 3,5% nas tarifas
O resultado esperado no governo é uma redução média de 3,5% nos próximos 3 anos. A projeção é do MME, com base em dados da Aneel. A região Centro-Oeste terá a maior diminuição (4,2%), seguida do Norte (3,7%), Sudeste (3,4%), Nordeste (3,2%) e Sul (2,5%).
Ao editar a portaria interministerial MME/MF 1/2024, publicada na sexta-feira (5/7), o governo deixou expresso que os clientes que migram para o mercado livre seguirão responsáveis pelo pagamento dos encargos das duas contas.
Manteve, assim, o que já estava previsto na contratação dos empréstimos, desde 8 de abril de 2020, no caso da Conta-Covid e, a partir de 13 de dezembro de 2021, na Conta Escassez Hídrica.
Com isso, os benefícios esperados com o pagamento antecipado dos empréstimos será concentrado no mercado cativo, onde estão os consumidores residenciais de baixa tensão, e clientes de média e alta tensões, que não optaram pela migração para o mercado livre.
A preocupação com os custos dos encargos, concentrados nos consumidores cativos, serviu para subsidiar a edição da MP.
“Esses empréstimos impactam significativamente os consumidores cativos de energia elétrica. Representam aumento da tarifa média do Brasil, no ambiente regulado, da ordem de 5%”, afirma o MME em documentos obtidos pela agência epbr por meio da Lei de Acesso à Informação.
A pasta também destaca que os juros anuais pagos pelos consumidores estão acima do CDI (Certificados de Depósito Interbancário), indicador usado pelos bancos em suas próprias operações de crédito.
Grandes consumidores criticam medidas
Na edição da MP 1212, entidades que representam grandes consumidores industriais foram críticos às medidas. Para antecipar os efeitos dos aportes na CDE, a operação pode levar a perdas no longo prazo, na diferença entre os descontos que serão dados em troca dos efeitos de curto prazo e o total que seria aportado na CDE até 2047.
A MP também estendeu por mais 36 meses o prazo para projetos de geração de energia renovável terem acesso a descontos nas tarifas de transmissão (TUST) ou distribuição (TUSD).
Há 85 GW na fila, o que equivale a seis vezes a potência da hidrelétrica binacional de Itaipu (14 GW). Ao editar a MP, o governo estimou que a contratação de 34 GW com o desconto tarifário teria um impacto de R$ 10 bilhões anuais na CDE.
Para garantir o subsídio na infraestrutura, os projetos renováveis precisam apresentar garantias financeiras de 5% do investimento estimado e iniciar as obras até outubro de 2025 (18 meses da edição da MP). Ou seja, precisam se viabilizar comercialmente.
Já que as linhas de transmissão que escoarão a energia desses empreendimentos ainda não estão concluídas, o governo temia a judicialização por parte das empresas geradoras e, por isso, resolveu acatar a solicitação. Justifica também que os projetos podem destravar investimentos bilionários na produção de hidrogênio verde.
Ainda foram destinados recursos especificamente para mitigar um aumento de 44,4% nas tarifas do Amapá. Nesse caso, serão direcionados R$ 224 milhões neste ano, mas de fundos de desenvolvimento regionais criados na privatização da Eletrobras para obras de infraestrutura e navegabilidade.
Segundo cálculos do MME, a quitação dos empréstimos representaria uma redução de 11% na conta de energia do estado.
A prorrogação dos subsídios nas tarifas foi um pedido do Consórcio do Nordeste, atendido por Lula. O Amapá é o estado de Davi Alcolumbre (União Brasil), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e articulador do governo no Senado. Seu irmão, Josiel Alcolumbre, é pré-candidato à prefeitura de Macapá.
De onde virá o dinheiro para pagar os empréstimos?
Na privatização, a Eletrobras ficou com o compromisso de pagar R$ 32 bilhões (em valores de 2022), até 2047. Valores que estão sendo depositados anualmente na CDE. Diz respeito ao bônus de outorga, a valorização dos contratos das hidrelétricas que gradativamente estão saindo de um regime que impunha um teto no preço da energia.
Os aportes na CDE, portanto, foram a medida para mitigar os impactos da privatização, já que ao longo do tempo a energia vendida pela Eletrobras nesses casos ficará mais cara.
A companhia já antecipou R$ 5 bilhões, a partir de um acordo fechado com o governo de Jair Bolsonaro (PL), em 2021, que reduziu a pressão inflacionária em 2022, ano da eleição.
A Eletrobras fará aportes à CDE até o ano de 2047, conforme o definido durante o processo de privatização da companhia. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica vai negociar os direitos creditórios devidos pela empresa, em uma operação de securitização – a conversão dos direitos de receber em ativos financeiros.
É uma negociação entre o governo, por meio da CCEE, e os bancos, sem participação da Eletrobras. O próximo passo, é o lançamento de um edital com as condições para o negócio.
Pela portaria, as operações irão adiante apenas se atingir o objetivo de reduzir as tarifas.
“O benefício ao consumidor será aferido a partir da comparação das projeções dos valores presentes líquidos de pagamentos e recebimentos, sob a ótica dos consumidores, nas condições atual e de antecipação, considerando-se todos os respectivos custos envolvidos, incluindo-se os administrativos, financeiros e tributários”, diz a portaria.
O Ministério de Minas e Energia será o responsável por homologar as operações para garantir o benefício aos consumidores. E a Aneel, pelo cálculo dos impactos tarifários;
Caso a Eletrobras fique inadimplente, os credores serão pagos em cotas extraordinárias do encargo, a serem fixadas pela Aneel.
MP 1212 tem prazo para caducar
O Congresso Nacional, na prática, não instalou a comissão especial da MP 1212, publicada em 10 de abril. A medida precisa ser convertida em lei até 21 de agosto.
Em meio à tramitação, o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT/CE), apresentou um PL com conteúdo idêntico, acrescido de uma emenda para recontratação de térmicas a carvão, mediando conversão futura para gás natural. O texto já teve requerimento de urgência aprovado e pode ser votado diretamente em Plenário.
A comissão especial não se reuniu, nem sequer foram eleitos presidente, vice e relator. Os parlamentares apresentaram 175 emendas ao texto. O prazo final para a tramitação vence no dia 21 de agosto.