Corredor Pré-sal

ANP dá ultimato a NTS e ameaça abrir concorrência por projeto de gás; entenda a disputa da Ecomp Japeri

NTS deve iniciar imediatamente a construção do ativo, sob risco de que a agência abra processo seletivo público para que outro agente assuma o investimento

RIO — A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) deu um ultimato para que a Nova Transportadora do Sudeste (NTS) inicie imediatamente a construção da Estação de Compressão (Ecomp) de Japeri (RJ).

Caso contrário, o regulador poderá abrir processo seletivo público para que outro agente assuma o investimento.

Em reunião de diretoria, nesta terça-feira (18/11), a ANP decidiu que a área técnica deverá apresentar em 60 dias os estudos sobre uma eventual concorrência.

A NTS recebeu autorização para construção do empreendimento em janeiro deste ano, mas trava com a ANP um longo impasse sobre as condições de remuneração do ativo.

A estação visa compensar o declínio da importação da Bolívia com gás do pré-sal e o atraso na implementação do projeto vem despertando preocupações sobre a segurança do abastecimento do mercado de gás natural e seus impactos sobre o setor elétrico.

O atraso no projeto foi tema, inclusive, de reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), em setembro, conforme antecipado pelo eixos pro, serviço exclusivo para empresas da agência eixos.

Na ocasião, a ANP já havia levantado a possibilidade de que a construção da Ecomp Japeri fosse viabilizada com a participação de outro transportador, a partir do uso de turbocompressores ociosos, segundo consta na ata da reunião do CMSE de setembro.

O eixos pro apurou, na ocasião, que se tratam de equipamentos da Transportadora Brasileira Bolívia-Brasil (TBG).

ANP toma decisão inédita com base na Lei do Gás

A agência está recorrendo, de forma inédita, ao dispositivo de contestação introduzido pela Lei do Gás de 2021:

  • Ou seja, no processo de autorização para construção de gasodutos de transporte deve haver um período no qual outros transportadores possam manifestar interesse na implantação de ativos com a mesma finalidade.
  • Caso haja mais de um transportador interessado, a ANP deverá promover processo seletivo público para escolha do projeto mais vantajoso técnica e economicamente;

O instrumento da contestação nunca foi regulamentado. 

A lei diz, ainda, que a ANP poderá, a qualquer momento, conduzir processo seletivo público para mapear a existência de transportador interessado na construção ou ampliação de instalação de transporte cuja necessidade tenha sido identificada e que não tenha sido objeto dos planos coordenados das transportadoras.

  • Fica assegurado, nesse caso, o direito de preferência ao transportador cuja instalação estiver sendo ampliada, nas mesmas condições da proposta vencedora.

A Ecomp Japeri é, justamente, um dos projetos do 1º Plano Coordenado apresentado pelas transportadoras – mas que ainda não foi aprovado pela ANP.

Entenda a disputa sobre Japeri

A NTS deu entrada no processo de aprovação do projeto em 2022 e só em janeiro deste ano obteve a autorização para construção do empreendimento.

O projeto ainda não saiu do papel porque a transportadora e a ANP divergem sobre os parâmetros da remuneração do investimento.

A NTS entende que a metodologia atual do WACC – o custo médio ponderado de capital, empregado no cálculo das receitas das transportadoras – está defasada. 

A revisão do WACC está em consulta pública. A agência propôs uma taxa de retorno abaixo do patamar pleiteado pelas transportadoras para o ciclo 2026-2030.

Além disso, a NTS pediu a blindagem da taxa de remuneração – ou seja, o congelamento do WACC durante todo o período da amortização do investimento

Uma das principais propostas das transportadoras na revisão tarifária em curso é, justamente, a blindagem da Base Regulatória de Ativos (BRA). As companhias do setor pedem à ANP a incorporação do conceito na revisão da Resolução 15/2014.

  • Em resumo, a blindagem consiste em assegurar que os ativos, uma vez reconhecidos pelo regulador como integrantes da BRA, não serão reavaliados ou terão suas metodologias de valoração alteradas.

A área técnica da ANP indeferiu o pleito – o que foi chancelado pela diretoria da agência nesta terça.

O diretor Daniel Maia, relator do processo, reforçou a posição da Superintendência de Infraestrutura e Movimentação (SIM) de que não há previsão para blindagem do WACC na regulação vigente e que não há mais espaço para discussão sobre o assunto.

A visão da ANP é de que a remuneração de Japeri deve seguir os termos da metodologia de WACC proposta pela agência para o ciclo 2026-2030:

  • a ANP está propondo um WACC real de 7,47% ao ano, após impostos;
  • a NTS defendeu ajustes para um WACC de 8,24%

Diretores da ANP cobram NTS

Em seu voto, Daniel Maia reforçou ainda que a NTS tem apresentado um “comportamento diferenciado” em relação às demais transportadoras, ao condicionar a construção do ativo a premissas de remuneração excepcionais.

Mais destacou, ainda, que cabe ao transportador assumir o compromisso de investimentos com base na regulação vigente.

“O compromisso dele [transportador] não é com a taxa [WACC] no momento da autorização. O compromisso dele é em relação à própria regulação, que vai estabelecer a taxa para o ciclo no momento adequado”.

O diretor Pietro Mendes, por sua vez, destacou que o marco legal e regulatório não assegura a exclusividade do transportador sobre uma outorga. 

“A gente não pode ficar, como ANP, numa situação muitas vezes de negociação com o transportador, que fica querendo buscar uma condição excepcional para fazer um determinado tipo de investimento,porque aquela taxa ela é definida para todo o segmento de transporte. E não há também uma obrigatoriedade de que, pelo fato dele deter aquela rede de transporte, que ele seja o único que vá construir aquele ativo”

Atraso de Japeri virou pauta no CMSE

A Ecomp Japeri é a primeira parte do projeto Corredor Pré-sal – conjunto de duplicações de gasodutos com investimentos em compressão que visam a ampliar a capacidade de envio de gás do pré-sal do Rio de Janeiro para São Paulo, para compensar o declínio das importações bolivianas.

Ao todo, a estação permitirá aumentar o fluxo de gás entre Rio e São Paulo dos atuais 12 milhões de m³/dia para 20 milhões de m³/dia.

O projeto é tratado como uma infraestrutura crítica para mitigar riscos de desabastecimento de gás.

O atraso no projeto foi tema, inclusive, de reunião do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), em setembro.

A queda nas importações de gás da Bolívia – mais acentuadas que o previsto – acendeu um alerta nos órgãos do setor elétrico quanto à capacidade de atendimento aos despachos termoelétricos nos próximos anos.

O término da construção da estação, antes previsto para outubro de 2028, foi adiado para maio de 2029.

A área técnica da ANP chegou a propor o faseamento das obras de Japeri, para mitigar o impacto do atraso do projeto, mas a proposta foi rejeitada pela NTS.

À época, a transportadora negou se tratar de uma rejeição à proposta, mas sim um entendimento de que a sugestão não apresenta benefícios efetivos. 

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