Mercado de gás

Abegás ajuíza ADI contra competência da ANP para classificação de gasodutos

A Abegás protocolou ADI no STF contra o trecho da Lei do Gás que dá à ANP poder para a classificação de gasodutos; caso vai para o ministro Edson Fachin e discute retroatividade, impacto em 935 km de dutos e R$5 bilhões em investimentos.

Diretor da Abegás, Marcelo Mendonça, em entrevista ao estúdio eixos no 11º Fórum do Biogás, em 20/2/2024 (Foto Victor Curi)
Diretor da Abegás, Marcelo Mendonça, em entrevista ao estúdio eixos no 11º Fórum do Biogás em 2024 (Foto Victor Curi)

RIO – A Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para derrubar trechos da Lei do Gás de 2021 que atribui à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a competência para definir os critérios técnicos para classificação de gasodutos de transporte. 

O relator no Supremo Tribunal Federal (STF) será o ministro Edson Fachin, que também está responsável pela ação movida pela Arsesp e o governo de São Paulo contra a ANP sobre a classificação do gasoduto Subida da Serra, da Comgás.

O conflito, portanto, é constitucional: o artigo 25 dá aos estados o direito sobre a exploração dos serviços de gás canalizado (a distribuição), incluindo sua regulamentação de concessões e tarifas. Enquanto o artigo 177 assegura o monopólio da União no controle do mercado de óleo e gás natural, no caso, no transporte.  

A ADI apresentada pela Abegás ocorre em meio à consulta pública aberta pela ANP sobre a regulamentação dos limites técnicos de diâmetro e pressão para classificação de gasodutos. Uma segunda rodada de audiência pública, sobre o assunto, está marcada pela ANP para quarta-feira (27/8) – entenda o debate.

A Abegás entende que a minuta de resolução proposta pela ANP invade as competências dos estados na regulação do setor de distribuição.

A minuta (na íntegra, em .pdf) orienta a agência a, sempre que observar que o projeto de um novo gasoduto possua características técnicas conflitantes com os limites estabelecidos na nova resolução, abra processo administrativo para análise da reclassificação do ativo como de transporte. A ANP defende que sua proposta de regulamentação segue o comando legal. 

O trecho questionado pela Abegás é o inciso VI do artigo 7ª da Lei 14.134/2021. O dispositivo elenca os casos em que um gasoduto deve ser classificado como de transporte e cita, dentre eles, o duto “cujas características técnicas de diâmetro, pressão e extensão superem limites estabelecidos em regulação da ANP”. 

A ação pede que seja declarada inconstitucional a expressão “nos termos da regulação da ANP” e, por arrastamento, o artigo 8º do Decreto nº 10.712/2021, que regulamenta o dispositivo.

Abegás vê invasão de competências sobre gasodutos

A Abegás defende, na petição inicial, que o dispositivo dá à ANP “a possibilidade de ampliar a competência federal e, por conseguinte, diminuir a dos estados e do DF [Distrito Federal]”.

Argumenta ainda que o trecho permite que “seja descaracterizado o serviço público local de gás canalizado” em favor da atividade de transporte de gás. 

A associação pede também, em caráter subsidiário, que seja fixada a interpretação de que a competência da ANP estabelecida no dispositivo “somente poderá recair sobre os dutos situados a montante das estações de transferência de custódia” e “desde que não haja interferência no serviço público local de gás canalizado, titularizado pelos estados e pelo Distrito Federal”. 

“Quando a ANP coloca o limite de pressão de 36,5 kgf/cm², que é muito abaixo da maioria dos gasodutos de transporte, percebe-se claramente que o objetivo dela é regular distribuição, que em nenhum momento o objetivo foi regular o transporte”, diz o presidente-executivo da Abegás, Marcelo Mendonça.

“É para impedir que as distribuidoras façam seus investimentos para atingir mercado e para transferir poder para o transporte”.

Os estados questionam o fato de a resolução proposta retroagir a 2021 e poder contemplar, portanto, projetos existentes. A ANP entende que o recorte da retroatividade está amparado na Lei do Gás, que preservou a classificação dos gasodutos até a data de publicação da legislação, em abril de 2021.

A Abegás estima que a aplicação retroativa a 2021 dos limites de pressão e diâmetro sugeridos pela ANP afeta cerca de 935 km de dutos atualmente classificados como de distribuição

Esses ativos, cujos investimentos totalizam R$ 5 bilhões, estão vinculados a planos aprovados por agências estaduais e incorporados à base tarifária de concessões vigentes.

“Além disso, tem um impacto futuro para as concessões estaduais, como a perda do valor da outorga de concessões que estão por ser renovadas, perda de postos de trabalho por menor investimento…”, complementa Mendonça.

A disputa foi um dos assuntos debatidos no terceiro episódio do videocast gas week, o novo programa semanal da indústria de gás natural do Brasil, com Vladimir Paschoal, coordenador da Câmara Técnica de Petróleo e Gás da Associação Brasileira de Agências Reguladoras (Abar) – assista na íntegra.

Paschoal vê sérios riscos de judicialização na regulamentação proposta pela ANP e prega fórum de diálogo. Ele reconhece que a discussão precisará ser enfrentada e defende um fórum permanente de diálogo entre União e estados sobre harmonização regulatória.

Deputados tentam mudar a Lei do Gás

O conflito federativo sobre os critérios para classificação dos gasodutos foi parar também no Congresso, na tramitação da MP 1304/2025 (MP dos Vetos).

Emendas propostas pelos deputados Max Lemos (PDT/RJ) e João Carlos Bacelar (PL/BA) excluem da Lei do Gás de 2021 o comando legal para que a ANP defina os limites de diâmetro, pressão e extensão que devem nortear a classificação dos gasodutos de transporte pelo regulador.

No último dia 12/8, em audiência pública realizada na Comissão de Minas e Energia (CME), para discutir a minuta de resolução da agência, deputados federais da Frente Parlamentar em Apoio ao Petróleo, Gás e Energia (Freppegen) cobraram mais diálogo da ANP com os parlamentares.

E a sessão virou palco para evocação de parlamentares à PEC das Agências (42/2024), que propõe a subordinação dos órgãos reguladores às comissões temáticas da Câmara.

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