O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, nesta segunda (23/1), que seu governo vai “criar as condições” para financiar, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o gasoduto Néstor Kirchner, na Argentina. O país vizinho promete gás barato.
Os argentinos buscam o financiamento do BNDES — da ordem de US$ 689 milhões — para o segundo trecho do projeto — que vai ampliar o escoamento das reservas não-convencionais de Vaca Muerta, em Neuquén, próximo à província de Santa Fé.
O gasoduto permitirá, ao país vizinho, substituir as importações de gás da Bolívia e, com isso, abrir espaço para exportar os recursos de Vaca Muerta ao Sul do Brasil.
- Para aprofundar: Lula e Fernández reacendem integração Brasil-Argentina no gás, depois de hiato de duas décadas
“Se há interesse dos empresários [brasileiros e argentinos] e do governo e temos um banco de desenvolvimento para isso, quero dizer que vamos criar as condições para fazer o financiamento que pudermos fazer, para ajudar no gasoduto argentino”, disse Lula, em pronunciamento conjunto com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, em Buenos Aires.
Em seu discurso, Lula reafirmou a intenção de retomar o papel do BNDES como financiador de projetos de engenharia em países vizinhos.
“É isso que países maiores têm que fazer com países com menores condições em determinados momentos históricos. De vez em quando, no Brasil, somos criticados por pura ignorância, por pessoas que acham que não pode haver financiamento para outros países. Eu acho que não só se pode, mas que é necessário que o Brasil ajude tidos os seus parceiros. É isso que vamos fazer, dentro das possibilidades econômicas do nosso pais”, completou.
Fernández cita declínio argentino
O presidente argentino justificou que a integração do gás entre os dois países se torna ainda mais importante, em meio ao declínio das exportações bolivianas — que tem no Brasil e na Argentina os dois principais mercados para o seu gás natural.
A Argentina caminha para a autossuficiência nos próximos anos, mas o Brasil ainda tem na Bolívia uma importante fonte de suprimento.
A Wood Mackenzie prevê que a produção de gás boliviano cairá mais rápido do que o esperado e o Brasil pode não dispor do energético do país vizinho ao fim da década, se não houver novas descobertas importantes na Bolívia.
Esse cenário, porém, não é um consenso no mercado. A Gas Energy, por exemplo, também prevê um declínio na produção boliviana, mas estima que o país vizinho produzirá entre 24 milhões e 25 milhões de m3/dia em 2030, se não houver novas descobertas — mais que suficiente para abastecer o consumo interno e manter parte das exportações ao Brasil.
Fernández comentou que a decisão sobre o financiamento do BNDES está nas mãos do Brasil. Ele afirmou que a Argentina pretende licitar “o quanto antes” as obras do segundo trecho do gasoduto, para aproveitar a “inércia da construção da primeira etapa”, prevista para ser concluída ainda em 2023.
Argentina promete gás barato
O ministro da Economia da Argentina, Sergio Massa, disse que na primeira semana de fevereiro uma equipe da pasta e do Banco de la Nación viajará ao Brasil. Na pauta, a integração energética entre os países, em especial o segundo trecho do gasoduto Néstor Kirchner.
O ministro argentino defendeu que ambos países estão diante de uma “enorme oportunidade”: “O Brasil de ter acesso a gás mais barato do que hoje compra da Bolívia; e a Argentina de abrir um mercado com volumes que até agora só pode despachar para a Central Energética Uruguaiana ou para o Chile — nos períodos que não são de pico”, disse Massa, em coletiva de imprensa com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Massa disse ainda que o primeiro trecho do gasoduto Néstor Kirchner stá previsto para ser inaugurado no dia 20 de junho e que, entre março e abril, será licitado o segundo trecho do gasoduto (Salliqueló-San Jerónimo) — que permite abastecer parte do litoral argentino e garantir gás para o norte do país.
“Em paralelo há duas obras no projeto: o TGN [Transportadora de Gas del Norte] e uma obra de conexão do gasoduto Salliqueló-San Jerónimo até o gasoduto ao norte. Qual é o objetivo dessas obras? Basicamente começar a preparar o terreno para abastecer o Brasil de gás”, afirmou o ministro.
Um novo capítulo na integração Brasil-Argentina
A primeira visita internacional de Lula — justamente à Argentina — pode marcar um novo capítulo na história da relação entre os dois países no setor de gás natural.
A reaproximação entre os dois vizinhos representa uma nova chance para sacramentar a integração entre os mercados de gás das duas principais economias da América do Sul — um projeto iniciado há mais de duas décadas, sem ter sido, de fato, concluído.
O projeto original, do fim dos anos 1990, previa a construção de um gasoduto de 615 km de extensão, ligando Porto Alegre (RS) a Uruguaiana (RS), na fronteira com a Argentina e onde existe uma termelétrica.
O empreendimento, da Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB) foi dividido em três trechos, mas apenas os extremos saíram do papel, no início dos anos 2000: o trecho que conecta o Polo Petroquímico de Triunfo (RS) à Porto Alegre, onde termina o Gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol); e o trecho entre Uruguaiana e a malha da Transportadora de Gás del Mercosur (TGM), na Argentina.
O trecho final do projeto (o Uruguaiana-Triunfo), que permitiria conectar de fato o gás argentino à malha integrada de gasodutos do Brasil nunca se viabilizou economicamente.
O projeto foi deixado de lado com o declínio da produção argentina, a partir de meados dos anos 2000. As novas perspectivas da indústria argentina de gás, capitaneada pelo aumento da produção de gás não convencional da formação de Vaca Muerta, reacenderam o plano de integração entre os dois países.