Confaz regulamenta acesso de terceiros às unidades de processamento de gás natural

Artigo por Diogo Martins Teixeira e Isabela Cantarelli do escritório Machado Meyer Advogados

Shell’s liquefied natural gas (LNG) regasification terminal in Gibraltar 2018, switching from diesel-fuelled power generation to cleaner-burning natural gas.  It uses a newly commissioned 80-megawatt gas-fired power plant.  An inspector checks the gas pressure gauge of the evaporator.
Shell’s liquefied natural gas (LNG) regasification terminal in Gibraltar 2018, switching from diesel-fuelled power generation to cleaner-burning natural gas. It uses a newly commissioned 80-megawatt gas-fired power plant. An inspector checks the gas pressure gauge of the evaporator.

Mais um passo essencial à abertura do mercado de gás natural foi dado no dia 12 de abril de 2021, com a publicação do Ajuste SINIEF nº 01/2021[1], que regulamenta o tratamento tributário do Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) aplicável à atividade de processamento de gás natural para terceiros.

A norma era bastante esperada pela indústria e é estratégica para o Novo Mercado de Gás, tendo em vista que os aspectos tributários relativos ao acesso por terceiros às Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs), medida fundamental ao desenvolvimento do mercado, estava pendente de regulamentação pelos Estados.

É válido lembrar que, até então, as UPGNs são detidas e acessadas por um único agente, que, no contexto da abertura de mercado, se comprometeu a conceder acesso a terceiros com o intuito de contribuir para um mercado mais dinâmico, plural e competitivo. Visou-se permitir que outros agentes pudessem utilizar tais infraestruturas sem deixarem de ser os titulares das moléculas de gás natural remetidas para o processamento, o que até então não era uma realidade prática observada.

Esse é o contexto no qual o Ajuste SINIEF nº 01/21 foi editado, fruto de intensos debates e esforços conjuntos dos Estados no âmbito do CONFAZ, disciplinando o tratamento tributário do processamento do gás natural para fins de ICMS, tendo por perspectiva equalizar os aspectos específicos do setor.

O tratamento diferenciado estabelecido no Ajuste define a natureza jurídica da atividade de processamento como uma industrialização por encomenda, sendo aplicável aos agentes produtores que contratam a atividade de processamento(autores da encomenda) e aos autorizados a realizar o processamento de gás natural (industrializadores) localizados nos Estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe.

Os principais procedimentos regulados pelo Ajuste SINIEF nº 01/21 para permitir o exercício da atividade de processamento para terceiros estão sintetizados abaixo.

I. Fluxo e prazos de emissão de Notas Fiscais Eletrônicas (NFe) na atividade de processamento

 O Ajuste regulamenta o fluxo e o prazo das NFes que serão emitidas no contexto da atividade de processamento, dentre as quais se destacam:

  1. NFe de remessa de gás natural não processado para o processamento;
  2. NFe de retorno dos produtos resultantes do processamento, incluindo situações de remessa e venda a ordem; e
  3. NFes de Entrada e Saída simbólica dos derivados líquidos de gás natural emitidas pelo autor da encomenda, as quais adequam os diferentes tempos e movimentos dos derivados líquidos resultantes do processamento no decorrer do mês à luz dos prazos para emissão dos documentos de remessa e retorno de industrialização.

Outro aspecto relevante do Ajuste SINIEF n° 01/21 consiste na desvinculação do fluxo físico ao fluxo jurídico, sendo este um aspecto bastante relevante para maior segurança jurídica e adequação tributária à realidade do gás natural.

II. Suspensão e diferimento do ICMS no processamento

 Outro aspecto relevante foi a previsão de suspensão do lançamento do ICMS incidente na remessa do gás natural não processado e no retorno dos produtos resultantes do processamento (gás natural processado e derivados líquidos), de modo que o imposto seja recolhido pelo autor da encomenda englobadamente com o ICMS incidente na saída dos produtos derivados.

Note-se que o Convênio AE 15/74, internalizado por diversos Estados, concede a suspensão do ICMS nas operações de remessa e retorno de produtos destinados à industrialização por encomenda, entretanto, há exceção às operações interestaduais com produtos primários de origem mineral, o que poderia resultar em controvérsia sobre sua aplicação ao gás natural, sendo tal potencial discussão superada pelo Ajuste SINIEF nº 01/21.

O Ajuste SINIEF nº 01/21 ainda estabeleceu o diferimento do ICMS sobre o valor agregado cobrado na industrialização nas operações internas, sendo também recolhido pelo autor da encomenda juntamente com o imposto incidente na saída dos produtos resultantes da industrialização. Essa medida contribuiu para conferir neutralidade tributária ao processamento, reduzindo complexidades e tornando a atividade menos onerosa.

III. Mútuos de gás natural não processado e de derivados líquidos de gás natural

O Ajuste também regulamenta o tratamento tributário aplicável às operações de mútuo de (i) gás natural não processado, destinadas a compatibilizar as quantidades alocadas aos autores da encomenda  no ponto de entrada com as quantidades efetivamente remetidas; e de (ii) derivados líquidos de gás natural, que se destinam a viabilizar a eficiência logística da UPGN e a formação de lotes de expedição dessas mercadorias. A realização das operações de mútuo é imprescindível à operacionalidade das UPGNs.

A norma é bastante positiva e representa um inovador instrumento jurídico de regulamentação dos aspectos tributários relativos ao processamento de gás natural e busca conferir maior segurança jurídica ao setor, contribuindo para a entrada de novos agentes no mercado e a crescente introdução do gás natural brasileiro na matriz energética do país.

Para fazer jus ao tratamento diferenciado previsto no Ajuste, os contribuintes autores da encomenda e industrializadores devem se credenciar junto às suas respectivas unidades federadas, por meio de manifestação expressa apresentada às Secretarias Estaduais de Fazenda (SEFAZ), em linha com o procedimento já adotado para fins de transporte disciplinado pelo Ajuste SINIEF nº 03/18.

O Ajuste SINIEF nº 01/21 entrou em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 2021.

Diogo Martins Teixeira é sócio do escritório Machado Meyer Advogados

Isabela Cantarelli é advogada do escritório Machado Meyer Advogados

 

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[1] Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/ajustes/2021/ajuste-sinief-01-21. Acesso em: maio. 2021