Energia

Estados aliados ditam edição (e cortes) em MP para tarifas e renováveis

Proposta encabeçada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) foi alterada de última hora para preservar fundos em Minas e no Nordeste

BRASÍLIA – O texto final da medida provisória que autoriza o governo a aportar recursos para reduzir tarifas de energia foi alterado de última hora antes de ser oficializado na terça (9/4), em mais uma demonstração da força da representação dos estados de Lula no Senado Federal.

Encabeçada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), de Alexandre Silveira (PSD), a MP destina fundos de desenvolvimento regional, criados na privatização da Eletrobras, para reduzir tarifas na região Norte.

O plano foi iniciado ano passado, para contornar o reajuste de 44% previsto – e na prática, congelado – no Amapá, estado do senador Davi Alcolumbre (União).

O dinheiro será usado para quitar os empréstimos feitos pelo governo passado a fim de rolar o custo da covid-19 (2020) e a crise energética provocada pela escassez hídrica (2022).

Na reta final, foram retirados os artigos que autorizavam o MME a utilizar recursos dos fundos da área de influência de Furnas e da bacia hidrográfica do São Francisco. Senadores aliados alertaram o governo da oposição dos estados em comprometer recursos para as obras com a redução de tarifas.

E, mesmo com a oposição do mercado consumidor de energia, o MME atendeu o Consórcio do Nordeste: os geradores terão mais tempo para entrar com projetos beneficiados pelo desconto em encargos de transmissão e distribuição.

A região Nordeste é produtora de energia renovável, especialmente eólica, escoada pelo sistema de transmissão para atender os centros de carga na região Centro-Sul.

O governo estima que a terceira perna da MP reduzirá as contas de energia no país em 3,5%, em média. Com a edição da medida, a CCEE está autorizada a negociar a antecipação dos aportes que a Eletrobras faria até 2047 na CDE, em troca dos novos contratos das grandes hidrelétricas.

São R$ 26 bilhões em valores de 2022, a serem negociados com a ex-estatal, para trazer a valores presentes.

O governo decidiu atender aos governadores do Nordeste, mesmo com contrariedade de áreas técnicas em outros ministérios. O que inclui o Ministério da Fazenda, que não concorda com o atendimento à demanda dos estados.

“A proposição de uma solução tempestiva que atenue a revisão tarifária no estado do Amapá, que seria da ordem de 44%, é indiscutivelmente necessária e urgente”, considerou a Frente Nacional dos Consumidores de Energia.

No mais, a medida é duramente criticada. É “incoerente e prejudicial”, diz a entidade que reúne conselhos de consumidores e entidades industriais.

Isso porque na antecipação dos recursos para a CDE, serão aplicados descontos para antecipar os efeitos agora, consumindo os valores que reduziram a conta no futuro.

“No momento em que o setor elétrico e a sociedade brasileira buscam caminhos para diminuir o preço da conta de luz dos brasileiros – uma das mais caras do mundo – este não deveria ser o caminho”.

O ministro criticou diversas vezes o uso dos empréstimos durante o governo Bolsonaro, com juros pagos pelos consumidores para salvar o setor nas crises de 2020 e 2022.

Os consumidores também se opuseram à prorrogação por 36 meses do subsídio nos encargos.

A principal argumentação do Consórcio Nordeste é a de que muitos estados não conseguiram aproveitar o período de transição, entre 2022 e 2026, devido ao gargalo na transmissão de energia na região.

O pedido foi levado ao governo ano passado, tendo em vista o planejamento e a contratação das novas linhas de transmissão, justamente para ampliar o escoamento da energia do Nordeste na segunda metade da década.

O texto assinado nesta terça é tratado, portanto, como uma proposta exclusiva do Ministério de Minas e Energia, com a decisão política do Planalto.

O lobby vitorioso pela prorrogação dos descontos na TUSD/TUST já havia encontrado guarida no Congresso Nacional, muito antes de o MME decidir tirá-lo do campo das intenções.

No ano passado, já com Lula à frente do Executivo, também foi um dos lobbies acomodados no PL das eólicas offshore.

Internamente, o MME segue trabalhando com a possibilidade de enviar ao Congresso novas propostas para a modificar a ‘modernização do setor elétrico’. A tendência é que isso não ocorra no curto prazo.

Uma fonte ligada ao ministro Alexandre Silveira afirmou, na quarta (3/4), ao político epbr, serviço de assinatura exclusivo para empresas (teste grátis por 7 dias), que as outras propostas já estão mapeadas. Pelo menos na parte técnica. Falta, claro, o aval do Palácio do Planalto e, eventualmente, da Fazenda.

Desde março, os técnicos do MME vêm se debruçando sobre os assuntos que permeiam a edição das novas MPs.

A novidade foi a proposta do MME para usar recursos da partilha do pré-sal para a modicidade tarifária, levada por Silveira ao Planalto na semana passada.

“Tudo pode ser… É o que eu falo com vocês: o setor elétrico é muito dinâmico. Vocês conhecem bem. Quando você está construindo qualquer política pública do setor elétrico, você tem que considerar diversos fatores dentro do planejamento”, comentou Silveira na semana passada.

A pasta tentou, sem sucesso, usar o óleo da União para a infraestrutura de gás, o que perdeu força ao longo de 2023; e na Fazenda, também retornou ano passado o lobby de agentes do mercado financeiro pela antecipação da receita da partilha, que não avançou.

O MME tenta demonstrar ao governo (e mobilizar forças internamente para) alternativas de uso da riqueza do pré-sal para construção de políticas públicas, como prevê a criação do regime de partilha, historicamente utilizado para compor o resultado fiscal.