Mais um grupo de trabalho

Lula 3 arrisca abrir mão de primeiro leilão de eólicas offshore

No mercado, a percepção é de que o Brasil segue perdendo oportunidades para outros países

Lula durante cerimônia de Mais Investimentos em Rondônia, em 8 de agosto de 2025 (Foto Ricardo Botelho-MME) 2
Lula durante cerimônia de Mais Investimentos em Rondônia, em 8 de agosto de 2025 (Foto Ricardo Botelho-MME) 2

RIO e BRASÍLIA — O grupo de trabalho (GT) para discutir a regulamentação das eólicas offshore, pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), anunciado na semana passada, enterrou de vez as esperanças de representantes do setor de que o terceiro governo Lula realizaria ainda em 2026 o primeiro leilão de cessão de áreas para geração em alto mar no país. 

Na prática, grupos de trabalho já estão debruçados sobre o tema desde o governo Jair Bolsonaro, antes mesmo de o ex-presidente editar o decreto 10.946, em 2022, primeira iniciativa para regular a cessão de uso de áreas marinhas para geração eólica.

Naquele momento, setores do governo tentaram emplacar um primeiro leilão, apostando no potência dos ventos no Ceará e na infraestrutura preexistente para atividades offshore no Rio de Janeiro. Sem uma lei, prevaleceu a insegurança jurídica e os planos foram abortados.

O movimento da semana passada foi visto por investidores — que ainda apostam na solução — como mais uma postergação, frustrando expectativas.

Fontes relataram à agência eixos que fica uma percepção de que o Brasil segue perdendo oportunidades para outros países, em especial no momento em que investimentos fogem dos Estados Unidos, devido à políticas “anti-eólicas” do governo Donald Trump.

As queixas são dirigidas ao MME, mas refletem uma percepção de que o governo, como um todo, não acredita nos projetos ou não se convence do senso de urgência pregado por investidores.

As eólicas offshore sofrem críticas dentro e fora do governo por serem mais caras, enquanto há vasto potencial em terra. Isso, em um momento em que uma crise com perdas bilionárias assola o setor de renovável, em razão dos cortes compulsórios de geração (curtailment) — um campo de batalha no Congresso Nacional, que acumula medidas provisórias do setor.

Uma minuta de decreto para a regulamentação da geração offshore já foi elaborada e discutida com executivos do setor. O novo GT terá, contudo, 270 dias para apresentar de volta ao CNPE diretrizes para a regulamentação da lei 14.766/2025, que estabeleceu o marco legal das eólicas offshore.

Segundo disse o secretário nacional de Transição Energética e Planejamento do MME, Gustavo Ataíde, que ocupa a função desde junho, a proposta de decreto só deverá ser apresentada no primeiro semestre de 2026, após novas rodadas. 

Ou seja, o texto deve começar a tramitar internamente no governo apenas em pleno ano eleitoral.

Antes da criação do GT, o MME havia aberto, em julho, uma consulta pública para aperfeiçoar a metodologia de seleção de áreas para geração eólica offshore, com critérios técnicos, ambientais, econômicos e sociais. 

A expectativa era que o material subsidiasse a elaboração do decreto. Mas, segundo algumas empresas que participaram do processo, as contribuições sequer constam como analisadas até agora.

Dentre o que será definido, estão:

  • A definição locacional prévia de prismas, os ‘blocos’ para geração de energia offshore;
  • o procedimento de apresentação pelas empresas interessas, a qualquer momento, das sugestões de prismas;
  • A solicitação de declaração de interferência prévia (DIP), etapa de validação prévia da viabilidade, que confronta outras atividades, como pesca, navegação e produção de óleo e gás;
  • Sanções e as penalidades aplicáveis nos casos de não cumprimento das obrigações previstas nas outorgas;
  • E os requisitos obrigatórios para qualificação técnica, econômica, financeira e jurídica, além da promoção da indústria nacional. Técnicos do governo (e grandes empresas) querem evitar a contratação especulativa das áreas.

Procurado pela agência eixos, o Ministério de Minas e Energia não respondeu às perguntas enviadas sobre o cronograma e o risco de o país perder o primeiro leilão de offshore durante o terceiro governo Lula.

Fuga de investimentos

“Infelizmente o cronograma não atende aos anseios do mercado. Precisamos ter leilão no primeiro semestre, ou o Brasil pode ser esquecido enquanto potencial player para o offshore”, disse à agência eixos, Edisiene Correia, responsável por Novos Negócios da Shizen no Brasil.

“Entregar relatório no primeiro semestre implica em adiar um ano e meio o leilão”, estima.

A Shizen é a segunda empresa com mais pedidos de licenciamento de parques eólicos offshore no Brasil, com 18 GW, em seis estados, atrás apenas da Petrobras, com dez projetos que somam 23 GW.

É uma das poucas que se antecipou e pediu a DIP na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que negou o pedido — sem decreto, não é possível.

Vale lembrar que cada projeto acima de 1 GW tem, em média, um investimento mínimo de US$ 1,5 bilhão (mais de R$ 8 bilhões na cotação atual).

Seguno a EPE, em um cenário de expansão modesta do setor, com 4 GW instalados até 2035 e 16 GW até 2050, os investimentos poderiam ser de cerca de US$ 40 bilhões (R$ 214 bilhões) até lá.

“Estamos sem esperanças. O Brasil pode ser esquecido enquanto potencial player”, disse à agência eixos um representante de uma empresa com projetos também em licenciamento no Ibama

A frustração é ainda maior porque havia expectativa de que o decreto fosse publicado até a COP30, em novembro de 2025, em Belém. 

Como noticiado pela eixos, a GWEC, a Abeeólica e o IBP esperavam que o governo aproveitasse o evento internacional para anunciar a data do primeiro leilão, — o que não deve mais ocorrer.

As expectativa é que outras empresas abandonem o mercado brasileiro, a exemplo do que já aconteceu com a dinamarquesa Copenhagen Infrastructure Partners (CIP) e a australiana Corio Generation, que suspenderam suas atividades no Brasil, adiando investimentos bilionários por falta de cronogramas claros. 

A CIP tem 7,2 GW em licenciamento no Ibama, por meio da Bosford Participações, e a Corio planejava desenvolver cinco parques eólicos offshore no Brasil, somando até 6 GW. 

A TotalEnergies, com mais 12,1 GW em pedidos, também realocou para outras áreas a equipe responsável pelas eólicas offshore no Brasil.

Os investidores estão migrando recursos para outros países na America Latina, como Colômbia e Chile, e na Ásia-Pacífico, como Taiwan.

Ano eleitoral e incertezas

Em 2026, as campanhas eleitorais começam em agosto, com o primeiro e o segundo turnos de votação em outubro.

Embora seja possível realizar leilões durante o período eleitoral, há restrições legais quanto à publicidade e a atos administrativos que possam ser interpretados como favorecimento político.

Em 2022, o então presidente Jair Bolsonaro também tentou acelerar o primeiro leilão de offshore, com a publicação do decreto. Mas o processo emperrou diante de riscos de judicialização e da indefinição sobre o modelo regulatório. Agora, sob Lula 3, o impasse parece se repetir.

“O prazo de entrega de um relatório para regulamentação até o fim do primeiro semestre do ano que vem é algo que poderia ser mais célere, até porque esse GT já tem trabalhado faz muito tempo nessa pauta”, afirmou uma outra fonte ouvida pela agência eixos

Ainda assim, o anúncio do GT trouxe um ponto positivo, segundo fontes, pela primeira vez, o MME apresentou um cronograma, ainda que genérico.

“O que se espera é que o GT dê celeridade ao processo de regulamentação que indústria aguarda tanto”, disse a mesma fonte. 

Já a EDF Power Solutions, que tem cinco projetos offshore em licenciamento no Ibama (10,3 GW em três estados), adota um tom mais otimista.

“Recebemos com entusiasmo a criação do GT. Trata-se de um marco relevante para o desenvolvimento do setor no Brasil, especialmente pela definição clara dos marcos infralegais e dos prazos estabelecidos”, disse a empresa em nota à agência eixos.

Sete anos de debates (e muitos jabutis)

Em 2018, o então senador Fernando Collor (PTC/AL) apresentou o primeiro texto para as eólicas offshore (PL 11247/2018). 

Em 2022, o então presidente Jair Bolsonaro editou o decreto (10.946/2022) sobre a cessão do uso de área para geração elétrica offshore, definindo dois procedimentos, a cessão independente (de iniciativa privada) e a cessão planejada (de iniciativa do governo). 

Naquele momento, o Senado apontou risco de judicialização, o que levou a tramitação no Congresso Nacional, do projeto de lei, apresentado em 2021, de autoria do então senador Jean Paul Prates (PT/RN).

Após intensas discussões no Congresso, que incluíram incentivos ao carvão, gás natural, Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), usinas a biomassa e eólicas onshore no texto, a lei foi aprovada na Câmara, em 2023, e pelo Plenário do Senado, em dezembro de 2024

A lei foi sancionada pelo presidente Lula, em janeiro de 2025, com vetos aos incentivos que não tinham relação com as eólicas offshore. 

Em junho de 2025, o Congresso derrubou os vetos presidenciais, prorrogando por até 20 anos os contratos de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs), usinas a biomassa e eólicas onshore. 

Em julho de 2025, o Ministério de Minas e Energia abriu uma consulta pública para aperfeiçoar a metodologia para seleção de áreas para a atividade, com critérios técnicos, ambientais, econômicos e sociais para a identificação de áreas viáveis.

Em outubro de 2025, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou a criação do grupo de trabalho (GT-EO) para regulamentação do marco legal das eólicas offshore.

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias