Congresso

Refinarias privadas defendem urgência em projeto que eleva royalties sobre petróleo 

Sem definição na ANP, aumento de base de cálculo para royalties ganha tração na Câmara dos Deputados

Refinarias privadas de derivados defendem urgência em projeto de lei que eleva royalties sobre petróleo. Na imagem: Presidente da Associação Brasileira dos Refinadores Privados (Refina Brasil), Evaristo Pinheiro, durante audiência na Câmara (Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados)
Presidente da Associação Brasileira dos Refinadores Privados (Refina Brasil), Evaristo Pinheiro, durante audiência na Câmara (Foto: Will Shutter/Câmara dos Deputados)

RIO – Diante da demora da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) em revisar a metodologia de cálculo dos preços de referência, deputados de estados e municípios que recebem royalties se mobilizam para resolver a questão no Legislativo, e assim garantir o aumento na arrecadação.

A revisão é do interesse das refinarias privadas. Entendem que a revisão, combinada com mudanças na tributação – os preços de transferência – vão desestimular a exportação de óleo cru.

“Hoje, com essa distorção do preço de referência, é mais lucrativo exportar o petróleo do que vendê-lo para a produção de combustíveis no mercado interno”, afirma o presidente executivo da Refina Brasil, Evaristo Pinheiro.

Os preços de referência são usados para o cálculo do pagamento de royalties, participações especiais do petróleo para a União, estados e municípios. As cotações são definidas com base em uma fórmula estabelecida pela ANP.

Na agência, o processo de revisão dos preços de referência teve início em 2022, e desde então já foram realizadas duas consultas públicas. A última proposta apresentada estabelece um período de transição de 12 meses, após uma carência de 180 dias.

A depender da conclusão dos trâmites na agência, a entrada em vigor da nova metodologia poderia ocorrer no segundo semestre de 2024, com a aplicação plena das novas regras apenas a partir de 2025 ou 2026.

Em resposta, o deputado federal Hugo Leal (PSD/RJ) trabalha para aprovar um requerimento de urgência e acelerar o PL 50/2024. Leal também é secretário estadual de Energia e Economia do Mar do Rio de Janeiro, maior produtor do país.

Uma audiência pública está prevista para 14 de maio na Comissão de Minas e Energia (CME) da Câmara. Segundo o parlamentar, o requerimento de urgência poderá vir na sequência. “Estou trabalhando para isso”, afirmou à agência epbr em abril.

Além de estados e municípios, a demora incomoda o Ministério da Fazenda, que calcula uma perda de arrecadação da ordem de R$ 6 bilhões por ano.

Na agência, a alteração proposta leva em conta especialmente as regras de emissão para o transporte marítimo estabelecidas pela Organização Marítima Internacional (IMO). As exigências por combustíveis com teores de enxofre reduzidos valorizaram o óleo brasileiro.

As refinarias privadas afirmam que a fórmula atual dos preços de referência leva a uma distorção, em que o preço do barril de petróleo nacional fica mais barato do que no mercado internacional.

Com isso, é mais vantajoso para os produtores brasileiros exportar do que vender o produto para o refino nacional, já que a base de cálculo dos tributos para a exportação acaba sendo menor. “É uma vantagem decorrente de uma distorção tributária, regulatória”, diz Pinheiro.

“Hoje, com essa distorção do preço de referência, é mais lucrativo exportar o petróleo do que vendê-lo para a produção de combustíveis no mercado interno”, acrescenta.

A Refina Brasil representa sete empresas que operam refinarias independentes, fora do sistema Petrobras: Acelen, Ream, Dax Oil, Brasil Refino, SSoil Energy, Paraná Xisto e 3R Petroleum.

A entidade argumenta que, hoje, essas empresas precisam importar petróleo para processar nas refinarias nacionais, apesar de o Brasil ser autossuficiente na produção da commodity.

Em defesa do pleito, tentam convencer as autoridades que o acesso à produção nacional poderia eventualmente baratear o preço final dos combustíveis.

“Isso tende a ter um impacto positivo no preço do petróleo e no que é produzido por essas refinarias. Então, o preço para o consumidor tende a cair”, argumenta o executivo.

O impacto, no entanto, é limitado, porque as empresas privadas respondem hoje por cerca de 7% do refino nacional, com os 93% restantes controlados pela Petrobras.

A estatal é impactada de forma diferente pela discussão, dado que tem operações verticalizadas e consome o próprio petróleo que produz. A Petrobras não reajusta os preços do diesel há 125 dias; e os da gasolina, há 192.

Além disso, as refinarias nacionais não são capazes de atender a toda a demanda por combustíveis do país, por isso cerca de 30% dos derivados consumidos no Brasil são importados.

Ano passado, a Acelen também acionou o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) para forçar a Petrobras a rever as condições de fornecimento de óleo.

A refinadora tentou, sem sucesso até o momento, assegurar que a estatal venda o óleo nas mesmas condições de preços internos que pratica para suas próprias refinarias, que não foram privatizadas.

Acelen é a maior do segmento, graças à privatização de Mataripe, a antiga Rlam, no governo Bolsonaro. Com Lula, a Petrobras negocia a recompra.

Projeto prevê alinhamento de royalties e tributação

O projeto de Hugo Leal prevê que a base de cálculo para as participações governamentais passe a ser o preço de transferência, usado para o controle de transações financeiras e comerciais entre empresas sediadas no Brasil e fora do país.

O preço de referência é de ordem regulatória, são os parâmetros que a ANP considera na definição do valor bruto das diferentes correntes de óleo e sobre a qual incidem as participações governamentais exclusivas do setor.

Já os preços de transferência são da esfera fiscal, é um princípio usado em transações internacionais e partiu de uma medida provisória aprovada em 2023, na esteira do alinhamento com regras da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

No caso do petróleo, a intenção do governo federal foi estabelecer regras – e com isso, poder fiscalizar – os valores das operações e evitar que o preço do óleo sobre o qual incidem os impostos seja inferior ao efetivamente praticado, reduzindo a carga tributária. A prática foi alvo de críticas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Outro pleito dos refinadores independentes é por um diferimento na cobrança de PIS-Cofins na aquisição de petróleo.

Segundo Pinheiro, a compra do insumo responde por 85% dos custos dessas empresas, por isso, a alteração no prazo da cobrança ajudaria na gestão do capital de giro.

Ele ressalta que a maioria dos estados que têm refinarias já concedem esse diferimento na cobrança do ICMS. “Para a União não teria nenhum impacto negativo, não significa uma renúncia fiscal”, ressalta.

A Refina Brasil também defende, junto à ANP, a flexibilização de regras para refinarias menores, que hoje cumprem com as mesmas obrigações das grandes unidades em termos de prestação de informações e exigências de estoque, que gera custo para as empresas.

“O impacto de uma grande refinaria na sociedade é maior, o risco ambiental e de segurança no entorno dela também é maior. Uma pequena refinaria não é assim. O que a gente vem discutindo com a ANP é tratar iguais como iguais e diferentes como diferentes”, diz o presidente da Refina Brasil.

Governo Bolsonaro antecipou revisão de preços

A indefinição se arrasta desde 2017, quando um decreto editado pelo ex-presidente Michel Temer evitou uma revisão e garantiu às petroleiras que mudanças respeitem um prazo mínimo de oito anos (com quatro anos de período de transição).

Em 2022, a medida foi revogada por Jair Bolsonaro, disparando o trabalho na ANP – uma minuta foi apresentada no fim do ano passado, sugerindo a transição.

No momento, a agência está avaliando as contribuições recebidas na segunda consulta pública. Em entrevista à epbr este mês, o diretor-geral da ANP, Rodolfo Saboia, defendeu que o debate permaneça na agência reguladora.

Segundo ele, a definição da base de cálculo pelo Congresso pode “engessar” os processos. “Colocando na legislação, você engessa muito mais o processo, fica muito mais difícil”, disse Saboia.

Segundo o diretor, os investidores valorizam os processos regulatórios. “É um processo muito mais estável, transparente e previsível quando é regulado, porque o rito regulatório, por lei, obriga a que isso seja cumprido de uma determinada forma”.

Com edição adicional de Luma Poletti e Gustavo Gaudarde