Na esteira da intensa cobertura da mídia internacional da disparada recente do valor do Bitcoin, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, anunciou a criação de uma criptomoeda estatal, o Petro, para superar bloqueios financeiros submetidos ao país.
O anúncio foi feito por Maduro no domingo (3/12), durante seu programa na VTV, ao vivo de uma feira de tecnologia em Caracas (Fictec). O tema das criptomoedas ganha corpo na Venezuela este ano, quando já houve o lançamento de uma moeda local e a criação, em novembro da Associación Nacional de Criptomoedas (Asonacrip).
Ao mesmo tempo em que setores da população recorrem cada vez mais ao Bitcoin, principal criptomoeda em circulação atualmente, para driblar a crise inflacionária que atinge o país.
Quais as informações oficiais até o momento?
Por meio de suas agências, o governo da Venezuela afirmou que irá fazer uma emissão inicial da moeda Petro, “respaldada por 300,8 milhões de barris de petróleo”.
Para a elaboração do Petro, Maduro afirma que irá criar um observatório multidisciplinar de blockchain, composto por 50 pessoas das áreas de “tecnologias, economia e finanças, legal, monetária, de comunicação entre outras”, dentro do Ministério de Educação Universitária, Ciência e Tecnologia. O órgão servirá como conselheiro de Maduro.
“Anotem este dia, 3 de dezembro de 2017, estudamos a fundo esse tema e quero anunciar que a Venezuela vai implementar um novo sistema de criptomoedas a partir das reservas petrolíferas”, Nicolás Maduro
O objetivo é realizar transações, furando bloqueios financeiros impostos à Venezuela. A Agencia Venezolana de Noticias (AVN) chegou a citar que “uma empresa de transporte na Ucrânia começou a aceitar pagamentos em Bitcoins para poder negociar com países que têm bloqueios econômicos, como Sudão, Catar, Iêmen, entre outros”.
Trata-se da Varamar Ltd, com sede em Odessa, que opera uma frota de navios-tanque e graneleiros conectando Oriente Médio, índia, Norte da África e Europa – rotas de transporte de petróleo bruto e polos de refino e centros consumidores de derivados.
“Isso [pagamento em Bitcoins] também deve ajudar a resolver problemas de pagamento em países como Paquistão, Rússia, Sudão, Iémen e Catar, que têm companhias seguras, mas são vítimas de sanções impostas contra seus governos”, afirmou o fundador da Varamar. Alexander Varvarenko à Bloomberg.
O contexto da criação do Petro
O anúncio de Maduro ocorre 13 dias após o país ter o calote parcial de sua dívida soberana e de sua estatal de petróleo. a PDVSA, ter moratória declarada pela ISDA (Associação Internacional de Swaps e Derivativos), em mais um capítulo da crise de confiança que vive o país, já considerado mal pagador pelos EUA, União Europeia e agências de risco.
Desde agosto, o presidente dos EUA, Donald Trump, impôs sanções a Venezuela, a Maduro e a diversos membros de seu governo, impedindo transações nos EUA e com empresas americanas. A justificativa foi o reconhecimento de que Maduro é um ditador e que os direitos humanos não são respeitados na Venezuela.
Na prática, o país enfrenta dificuldades para rolar a dívida, realizar operações de câmbio com o Bolívar – que acumula desvalorização frente ao dólar de 95% este ano – e, agora, transacionar seu principal produto, o petróleo, com mercados que envolvam intermediários norte-americanos.
“[O Petro] nos vai permitir avançar nas formas de financiamento internacional para desenvolvimento econômico e social do país. Será com uma emissão de criptomoedas respaldadas em reservas de riqueza venezuelana de ouro, petróleo, gás e diamantes”, Nicolás Maduro.
Como o Petro pode funcionar e qual o desenvolvimento de criptomoedas na Venezuela?
Da mesma forma que a empresa ucraniana Varamar pode desenvolver uma rota de comercialização de petróleo no Oriente Médio sem que instituições financeiras sob embargo participem da operação, com Bitcoins, em tese, a Venezuela poderia comercializar petróleo recebendo de volta criptomoedas. Mas o que Maduro promete não é adotar o Bitcoin em operações do governo ou da estatal PDVSA, mas a criação de uma nova moeda.
A lógica de câmbio e transações envolvendo Bitcoins ou outras criptomoedas usa a tecnologia chamada de blockchain, em que as operações são realizadas por redes descentralizadas e a troca de moeda ocorre quando uma equação matemática é resolvida e chaves criptografadas são validadas.
O processo é aberto para todos os integrantes das redes e ao mesmo tempo anônimo, porque a identificação e a realização das operações não dependem de dados dos usuários para a validação. A PDVSA, poderia por exemplo, acertar o fornecimento de petróleo para uma refinaria na Índia, que aceite pagar em Bitcoin, que, por fim, poderiam ser trocados na Rússia e servir para pagar a dívida que a Venezuela tem com os russos. Tudo isso, em um mercado com alta liquidez que funciona 24 horas por dia, sem a necessidade de intermediação de uma comercializadora em Londres ou Wall Street.
Claro que a engenharia financeira dessa operação não seria simples, envolvendo preços futuros de commodities, moedas e, agora, criptomoedas. Sem falar que seria preciso combinar com os russos e com os indianos e, talvez, com uma casa de câmbio em Pequim que esteja disposta a bancar essa transação – por mais que não sejam necessários intermediários como bancos, casas de câmbio reconhecidas são a alternativa mais seguras para operações com Bitcoins, porque as transações são irreversíveis.
O que não ficou claro é como Maduro pretende que o Petro seja incluído nesse mercado de criptomoedas. O Bitcoin, por exemplo, não tem um lastro propriamente dito e sua emissão depende de critérios regidos por regras matemáticas (mais detalhes no fim do texto).
Ao anunciar que o Petro será emitido pelo governo e lastreado em reservas de 300 bilhões de barris de petróleo venezuelano, Maduro parece propor mais a criação de um câmbio paralelo no país, para negócios internacionais, desta vez digital e transacionado pela blockchain, do que a criação de uma criptomoeda nova, nos modelos conhecidos até hoje.
Na teoria, a depender de um teste de credibilidade da outra parte, a circulação do Petro venezuelano pode servir para intermediar operações de swap cambial, mas não houve declaração sobre até que ponto a nova moeda pode ou será utilizada no sistema monetário do país. Uma característica fundamental das criptomoedas é a transparência das regras de emissão e de validação das operações e não é difícil imaginar que, a depender da forma como será feito, o risco do Petro fique atrelado ao risco de crédito venezuelano.
Além do crescimento das operações com Bitcoin, e da própria criação da Asonacrip, uma organização não governamental que pretende difundir as criptomoedas na Venezuela, uma fintech de Caracas lançou este ano a Onix Coin, que de acordo com os idealizadores, já movimenta algumas centenas de milhares de dólares por dia e estava cotada a US$ 0,44 às 21:30 desta segunda-feira (4/12).
Feria de Ciencia y Tecnología en el Poliedro de Caracas culminará este lunes, informó el Presidente Maduro pic.twitter.com/0LKD0xeEDT
— VTV CANAL 8 (@VTVcanal8) 3 de dezembro de 2017
A crise
Para a economia da Venezuela, os impactos da queda dos preços do petróleo, em 2015 e 2016, significou cortes na principal fonte de financiamento do Estado, levando a restrições aos mercados de dívidas e piora da situação macroeconômica interna. O petróleo representa cerca de 95% das receitas com exportação da Venezuela, de acordo com a OPEP. A produção em 2016 foi de 2,4 milhões de barris/dia, 75% para exportação.
Isso em um país que vive tensões políticas, acirradas após a morte de Hugo Chávez e a chegada de Maduro à presidência em 2013. Este ano, o partido chavista PSUV elegeu governadores em 17 dos 23 estados, em uma eleição marcada por críticas à ausência de auditores independentes no país e denúncias de fraudes por políticos rivais.
Mas o que são criptomoedas?
O conceito surgiu em 2009, com a publicação de um artigo assinado sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto (o autor é desconhecido) propondo a criação de uma fórmula que, quando resolvida gera um bloco contendo uma cadeia única de caracteres, ou uma unidade de Bitcoin, ou seja, a emissão da moeda.
O algoritmo foi pensando para que fique cada vez mais difícil gerar novos blocos (processo chamado de mineração) e para que, de tempos em tempos, cada bloco contenha um número menor de Bitcoins. Começou com 50 moedas por bloco e é reduzido à metade a cada 210 mil blocos gerados – hoje está em 12,5 e a previsão é que caia para 6,25 em 2020.
De forma simplificada, o valor do Bitcoin, como de outras criptomoedas, varia conforme a demanda ao passo que a oferta é cada vez mais limitada – a equação prevê um custo maior de processamento para emitir cada vez menos.
A blockchain, por sua vez, é a tecnologia de solução dessas equações em blocos que precisam ser validados por toda uma rede. É uma evolução da ideia de transferência ponto-a-ponto (p2p). Assim, não são necessários intermediários exclusivos para cada operação entre criptomoedas.
Por exemplo, é possível transferir Bitcoins ou outras criptomoedas de uma conta (chamadas de wallets, carteiras) para qualquer pessoa em qualquer lugar no mundo com acesso à internet. Para dar mais segurança, há casas de câmbio digitais, mas a transferência poderia ser feita até por e-mail. Ter um Bitcoin nada mais é do que ter a chave criptográfica, uma cadeia de caracteres, que dá acesso a uma ou mais partes e inteiros de uma unidade da moeda.