Governança e Conformidade: empoderamento ao invés de desculpa

Que lições se podem extrair para o Brasil pós Lava-Jato? Por Roberto di Cillo

Fachada da sede da Petrobras no Rio de Janeiro
Sede da Petrobras no Rio de Janeiro

México, uma sempre possível potência na produção de óleo e gás sobretudo offshore, foi e continua a ser testemunha do que o receio de agentes públicos com o envolvimento em esquemas de corrupção pode significar para uma indústria que, notoriamente, é crucial para o desenvolvimento econômico de um país e, sob outro ângulo, para a melhoria da qualidade de vida, no mínimo, de seus residentes.

Lamentavelmente, o México, diferente do Brasil, não foi capaz de atrair tantos investimentos de contratadas por razões que inegavelmente tangenciam questões gerenciais da Pemex, além de questões mais amplas, mas que provavelmente são contornáveis, como o são em vários países da África, por exemplo.

O resultado, no México, foi uma produção em queda, mesmo no momento de pico do preço do petróleo no mercado internacional há cerca de uma década, como mostra o gráfico abaixo.

Que lições se podem extrair para o Brasil pós Lava-Jato?

Há uma questão séria e que afeta a Petrobras, a grande tomadora de serviços no setor aqui em nosso país. Não é incomum ouvir de quem trabalha em contratadas da Petrobras queixas a respeito de processos de tomada de decisão que podem ser vistos como benéficos às contratadas atrasados ou tomados contrariamente ao bom senso e melhor governança da própria Petrobras, que abre seus flancos, por gestores que se julgam incapazes de tomar outra decisão, para ações judiciais e dúvidas a respeito de sua própria credibilidade como tomadora de serviços que são, por sua essência e em muitos casos, altamente especializados e escassos.

A aplicação e, pior, a manutenção de multas e/ou downtime por questões banais não tem sido incomum na Petrobras e, se em outros momentos poderia levantar dúvidas sobre a sua legitimidade no melhor estilo da criação da dificuldade para a venda de uma facilidade, os números públicos divulgados pela Petrobras ao longo dos anos com relação às medidas tomadas pela empresa para buscar maior governança reforçam notícias veiculadas pela imprensa de que um clima de receio por parte de colaboradores, na tomada de decisões, paira e paralisa.

Com relação a tais números, basta lembrar a força de trabalho empregada pela área de Governança e Conformidade (em maio de 2018, 470 colaboradores e 150 agentes adicionais nas unidades) e os milhões publicamente divulgados e já dispendidos com escritórios de advocacia e empresas de auditoria.

No México, pelo menos na década passada, havia uma situação análoga. Funcionários da Pemex não tomavam decisões sob o receio de terem de se defender contra medidas propostas contra eles por decisões favoráveis a contratadas, ainda que legítimas, tendo que arcar com honorários de advogado que não seriam cobertos pela Pemex.

Voltando ao Brasil, sob a perspectiva das contratadas e demais stakeholders afetados pela demora em decisões razoáveis sobre multas e downtime na Petrobras, não é só uma questão de redução da margem de lucros (e elevação de risco de crédito da Petrobras), o que já é algo significativo, eis que nem toda empresa é estatal, com função social mais importante do que a geração de lucros (o que pode ser uma falácia), lucros sempre necessários para justificar processos decisórios importantes no setor privado. Muito mais grave, a situação gerada pela demora em questão coloca em cheque a viabilidade da continuidade de negócios, que geram milhares de empregos e consequentemente sustentabilidade e riqueza, proporcionam o desenvolvimento de conhecimento e formação de capital intelectual inclusive no Brasil e arrecadam tributos! Isto tudo além de uma redução na capacidade de produção futura de gás e óleo, naturalmente.

Tudo somado, com a pressão da necessidade de produção aumentada de gás e óleo no Brasil, a tempestade parece perfeita para uma revolução na forma como decisões são tomadas na Petrobras, sob o gravíssimo risco de ela, suas contratadas, o Brasil, os estados costeiros e nós todos, residentes do Brasil, continuarmos a ser penalizados sob várias formas.

Que tal, por exemplo, a Petrobras reconhecer que decisões sobre multas e downtime não deveriam ser tomadas exclusivamente pelos gerentes dos contratos e por seus superiores imediatos? Novamente e no novo cenário, são pessoas que podem ter receio de tomar decisões favoráveis às contratadas por medo de perderem seus próprios empregos ou mais, para não falar das possíveis situações, que devem existir, de indivíduos mal intencionados mesmo e que não merecem a proteção da empresa, sobretudo para a tomada de decisões em seu nome, e sim todo o vigor do cumprimento de uma política de tolerância zero com corrupção.

E que tal uma forma mediação, nesses casos, em caráter ad hoc ou até numa câmara mais permanente, com participação da academia e da indústria? Não é questão exclusivamente para advogados, naturalmente, eis que haverá, em quase a totalidade dos casos, pontos técnicos a serem resolvidos. Fica a provocação.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.