No último dia 23 de junho de 2022, o Congresso Nacional publicou a Lei Complementar nº 194/2022 (LC 194) para, dentre outras coisas, dispor que energia elétrica, telecomunicação, combustíveis, gás natural e transporte coletivo são bens e serviços essenciais — vedando ao legislador estadual, assim, a fixação de alíquotas superiores ao patamar das alíquotas gerais de ICMS, fixadas em 17% ou 18%.
Normalmente, essas alíquotas são superiores a 25%.
A nova Lei é publicada em linha com recente decisão do STF: uma vez adotada a técnica da seletividade de ICMS, não é permitido estabelecer alíquotas de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral.
Essa decisão vincula apenas o Poder Judiciário e teve seus efeitos modulados para valer somente a partir do exercício financeiro de 2024.
Além disso, a LC 194 resolveu ainda uma antiga discussão sobre a incidência de ICMS sobre as Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão e Distribuição (TUST e TUSD) vinculados às operações com energia elétrica.
Faz isso ao incluir dispositivo na Lei Kandir que expressamente prevê a não incidência do ICMS sobre os serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica.
Sobre esse ponto, inclusive, a alteração na Lei Kandir promovida pela LC 194 reforça o argumento de defesa da não incidência do ICMS sobre as tarifas também para o passado.
Na discussão do Projeto de Lei nº 18/2022, que deu origem à LC 194, as Comissões de Minas e Energia e de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados expuseram que a cobrança de TUST e TUSD não guarda relação jurídica com a circulação da mercadoria (energia) em si, mas tão somente sobre a composição da base de cálculo do imposto.
Entendimento conforme determinados precedentes do STJ — ainda que não haja jurisprudência consolidada nesse sentido e esteja pendente julgamento do Tema 986 sobre a matéria, submetido ao rito dos recursos repetitivos.
Em tese, com a LC 194, as unidades federativas são imediatamente obrigadas a aplicar a redução das alíquotas de ICMS incidentes sobre as operações com os bens devidos como essenciais, se eventualmente fixadas em patamar superior às demais operações, nos termos do art. 24, §4º da Constituição Federal.
Estados contestam teto do ICMS
O Estado de São Paulo, por exemplo, já confirmou que as operações internas com prestações de serviços de comunicação e energia elétrica, em relação à conta residencial que apresente consumo mensal acima de 200 kWh, devem ser tributadas pelo ICMS à alíquota de 18%.
No entanto, dias depois da publicação da nova Lei, em 27 de junho de 2022, foi ajuizada por alguns estados Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), questionando a constitucionalidade dos artigos 1º a 4º e artigos 7º a 10 da LC 194, que tratam sobre ICMS. O caso aguarda julgamento do pedido de liminar pelo STF.
De acordo com a petição inicial da ADI, a publicação da LC 194 revela intervencionismo da União Federal na competência tributária dos estados, viola o pacto federativo e concede isenção heterônoma (aquela que é concedida por ente sem competência para tal), além de desrespeitar a modulação dos efeitos da decisão proferida pelo STF sobre a seletividade do ICMS.
Contribuintes devem estar atentos não apenas aos desdobramentos dessa ADI, como também ao comportamento dos estados acerca do cumprimento das determinações da LC 194, além de procurar assessoria jurídica especializada que possa auxiliar nas estratégias administrativas e judiciais disponíveis para salvaguardar seus interesses.
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João Paulo Muntada Cavinatto é sócio responsável pela área de Tributos Indiretos e Direito Aduaneiro no escritório Lefosse.
Rafaela Canito é advogada sênior da área de Tributos Indiretos e Direito Aduaneiro no escritório Lefosse.