BRASÍLIA – Está ganhando escala uma proposta do governo Lula (PT) para regulamentar o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). Após várias tentativas de avanço da pauta no Congresso Nacional, as sinalizações do Executivo mostram vontade de chegar a uma definição do arcabouço legal ainda este ano, antes da COP28.
O país tem buscado aprovar um marco regulatório para o mercado de carbono antes da cúpula climática da Organização das Nações Unidas (ONU), desde a 26ª edição do evento, em 2021. Na ocasião, a Câmara dos Deputados analisava o Projeto de Lei 528/2021, do ex-deputado Marcelo Ramos.
Ano passado, durante a COP27, o Senado Federal também debateu o Projeto de Lei 412/2022, do ex-senador Chiquinho Feitosa, que chegou a ser aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), mas ainda não progrediu na Comissão de Meio Ambiente (CMA).
Na quinta (22/6), a presidente da CMA, senadora Leila Barros (PDT/DF) disse que é “certeza” que o PL avançará após o recesso parlamentar.
“Essa é a ideia. É uma missão que o Congresso tem como objetivo. Acabando o recesso em julho, nós já vamos trabalhar na elaboração [do projeto]. É uma certeza, um objetivo”, comentou à agência epbr.
Paralelamente, o governo federal também trabalha em uma proposta e ainda não está definido se vai enviar um projeto de lei ou trabalhar em um substitutivo aos projetos já em tramitação.
O secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Rodrigo Rollemberg, defende que quanto mais “consensuados” estiverem os setores envolvidos na discussão, maior a chance de avanço da proposta no Legislativo.
Com a aprovação do novo texto, será revogado o decreto que instituiu o Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Sinare), publicado na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A seguir você verá:
- Como funciona o comércio de emissões
- A diferença entre mercado regulado e voluntário
- Quem já adotou o ETS
- Os eixos da proposta brasileira para o mercado regulado
- O que diz a indústria
- Próximos passos até a aprovação da proposta brasileira
Comércio de emissões
O modelo de mercado regulado escolhido é o sistema de comércio de emissões de carbono (ETS, na sigla em inglês), um instrumento para financiar a redução das emissões de gases do efeito estufa (GEE).
Foi criado no contexto das negociações internacionais sobre alterações climáticas durante a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, em 1992, e estabelecido pelo Protocolo de Kyoto.
O mecanismo estabelece regras para a venda de créditos de carbono por entidades que limitam seus níveis de emissões para aquelas com dificuldade de cumprir as metas de descarbonização.
Na prática, quem polui mais pode recompensar quem ajuda a despoluir a atmosfera. Uma unidade de crédito de carbono representa 1 tonelada de dióxido de carbono equivalente (tCO2e).
Do ponto de vista ambiental, o mercado de carbono é uma medida eficaz para reduzir as emissões de carbono, assim como a regulação encorajaria a adoção de ações mais sustentáveis em setores de difícil descarbonização.
No mundo, os mecanismos de precificação de carbono geraram aproximadamente US$ 95 bilhões em receitas somente em 2022, de acordo com estimativas do Banco Mundial.
Regulado x voluntário
A necessidade de limitar o aquecimento global a 1,5ºC até 2100, previsto pelo Acordo de Paris tem levado empresas a adotarem voluntariamente as medidas de compensação.
Enquanto o mercado regulado tem normas definidas por governos locais, federais ou órgãos internacionais, o mercado voluntário parte de iniciativa própria dos participantes, não sendo obrigados – por lei – a gerar créditos de carbono. Na modalidade voluntária, as regras de geração são definidas individualmente por cada empresa ou pessoa física.
O preço do carbono muda. Enquanto em mercados regulados, como o europeu, já chegou a superar os US$ 100 a tonelada, nos mercados voluntários eles ficam em torno de US$ 10 a tonelada, de acordo com dados do Banco Mundial.
Para incentivar novas tecnologias e uma transição energética profunda, organismos internacionais defendem que é preciso um preço do carbono na casa dos US$ 100/tonelada, pois um custo baixo de aquisição de títulos induz as empresas a continuarem compensando emissões, ao invés de cortá-las.
Quem tem ETS
Nações como Alemanha, Canadá, China, Coreia do Sul, Indonésia, México, Nova Zelândia e Reino Unido já implementaram o comércio mandatório de créditos de carbono, além da União Europeia.
O ETS da China começou a operar em 2021 e cobre apenas o setor de energia, mas já é o maior mercado de carbono do mundo, respondendo por cerca de 9% das emissões globais de GEE.
Entes subnacionais nos Estados Unidos e Japão também estabeleceram seus ETS. Exemplos da Califórnia e Washington nos EUA, e Tóquio, no Japão.
O Brasil está desenhando um marco legal para o mercado com os mesmos parâmetros usados internacionalmente. Com um sistema nacional, o governo quer diminuir a dependência estrangeira e disparar acordos comerciais.
Por isso, prepara uma minuta com base no modelo cap-and-trade, detalhado a seguir.
Eixos da proposta
O cap-and-trade consiste na distribuição de autorizações para poluir, ou seja, é estabelecida uma quantidade máxima de emissões de GEE às empresas reguladas.
Nessa modalidade, as permissões podem ser concedidas pelo governo ou adquiridas por meio de leilões.
Mas se o ente regulado conseguir limitar suas emissões e, ainda assim, ficar abaixo do teto estabelecido, ele pode negociar o excedente com empresas que não conseguiram cumprir suas metas e terão que adquiri-las.
O sistema foca principalmente nos setores com altos níveis de emissões de carbono.
Indústria defende modelo
Na última semana, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresentou ao governo sua proposta para o mercado regulado de carbono no Brasil. A entidade aposta no modelo cap-and-trade, seguindo os padrões e experiências internacionais.
“A CNI analisou experiências internacionais e considerou os dados dos efeitos econômicos de mercados regulados de carbono em outros países”, explica o presidente da CNI, Robson Braga.
A entidade aponta, em seu plano, que setores sujeitos à regulação devem emitir pelo menos 25 mil toneladas de CO2 por ano. Isto é, prioriza atividades que representam a maior parte das emissões totais de GEE, como as indústrias siderúrgica, química, petroquímica, de cimento e de alumínio.
A estratégia das indústrias para o sistema brasileiro de comércio de emissões envolve três elementos principais: o Plano Nacional de Alocação, o Programa de Monitoramento de Emissões de GEE e o Mercado Regulado de Emissões.
A CNI calcula o potencial de geração de R$ 128 bilhões em receitas com a regulação do mercado brasileiro.
Durante o anúncio da proposta, Rollemberg alegou que o sistema defendido pela indústria dialoga com o trabalhado pelo governo.
“Recebemos da indústria uma proposta para o mercado regulado e ela está em muita consonância com que foi desenvolvido conjuntamente com os ministérios”, afirmou o secretário.
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O que vem por aí?
Os detalhes sobre o funcionamento desse mercado de carbono ainda estão em avaliação pelo governo. Portanto, a adoção dos pontos propostos pela indústria dependerá de discussões em andamento.
De acordo com a secretária de Mudanças do Clima do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ana Toni, a minuta do PL do mercado regulado atualmente está passando por análise jurídica. O texto também será colocado em consulta pública antes da tramitação no Congresso.
Sobre os parâmetros do mercado, a secretária adiantou que será estabelecido um limite de emissões e o governo está “olhando” para os setores que serão incluídos.
“Estamos olhando por níveis de emissões, qualquer empresa ou empreendimento acima de uma quantidade de emissões, será convidado a participar do mercado de carbono e aí compensar as suas emissões”, disse à agência epbr.
“O mercado regulado tem um debate muito amplo, que agrega vários setores”, concluiu.
Com edição adicional de Nayara Machado
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