O diretor do Departamento de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Miguel Ivan Lacerda, deu sinais nesta quinta (19) que faz parte do grupo do governo Bolsonaro que vê oportunidades de desenvolvimento econômico nas políticas de transição energética, projetos de descarbonização e combate às mudanças climáticas.
“Esse governo está lançando a maior política de transição energética do mundo, valorizando uso do etanol”, afirmou em transmissão pelo Facebook, ao lado do presidente Jair Bolsonaro.
A política em questão é o RenovaBio, criado pela Lei 13576, de 2017, aprovada no Congresso com amplo apoio parlamentar, incluindo a base do então governo de Michel Temer, e regulamentado entre 2018 e 2019 pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e pela ANP.
O RenovaBio é um programa de descarbonização do setor de combustíveis fósseis. Obriga que as distribuidoras comprem créditos de carbonos, batizados de CBio, de produtores de biocombustíveis, como etanol e biodiesel.
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Fiscalizado pela ANP, o programa tem critérios de avaliação, que na prática remuneram os produtores com base na eficiência energética da produção. Estimula o setor de biocombustíveis ao mesmo tempo que reduz incentivos ao desmatamento – a terra mais bem utilizada dá retorno financeiro para o produtor, com o direito de emitir mais CBio.
“O programa vai remunerar a retirada de carbono, pagar pela eficiência, sem subsídios, sem criar imposto, só criando os mecanismos legais para fazer a compensação de carbono”, afirmou Miguel Lacerda.
“Significa 700 milhões de toneladas de carbono retirados da atmosfera, é o maior programa do mundo”, completou. É uma estimativa, já que o RenovaBio deve começar a funcionar, na prática, a partir de 2020 e o resultado do programa vai depender de condições de mercado.
A presença de Lacerda na transmissão com Bolsonaro faz parte da campanha em curso para tentar desfazer a imagem de que o governo é leniente com ações ilegais de desmatamento da Amazônia, em prol de atividades econômicas, em especial agricultura, pecuária e mineração.
“Toda a vez que o fazendeiro planta cana ou soja, ele está retirando carbono da atmosfera. Se as pessoas de outros países comprarem nosso crédito de carbono, o preço do combustível no Brasil vai cair”, afirmou Lacerda.
O interesse internacional por CBio é apontado como um dos trunfos do RenovaBio, capaz de atrair capital estrangeiro, fomentar a produção dos biocombustíveis, sem onerar demasiadamente a cadeia de nacional de combustíveis.
“Esse governo lançou esse programa, vai estruturar esse programa que vai ser o maior programa de descarbonização do mundo”, repetiu Lacerda, apesar de o programa ter sido lançado no governo anterior, demonstrando o intuito de tentar aproximar a imagem de Bolsonaro a políticas ambientais positivas.
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Sinais trocados
No início da semana, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas assinou um memorando de entendimento com o Climate Bonds Initiative (CBI) para certificar projetos de infraestrutura para emissão de green bonds.
Medida é uma tentativa de ampliar o acesso brasileiro ao mercado de capitais internacional, qualificando empreendimentos para captação de fundos específicos voltados para projetos sustentáveis. Benefícios passam pelo acesso a recursos, antes restritos, e pela redução do custo de capital.
Mas há uma ala do governo que trata esses temas como uma ideologia a ser combatida.
O presidente Bolsonaro vem reclamando que as críticas que recebe são parte de uma conspiração, que envolve outros países, com o objetivo de preservar a Amazônia para que, no futuro, estrangeiros explorem recursos minerais na região.
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“O Brasil está preocupado com a questão ambiental”, afirmou hoje.
Os fatos não têm ajudado a retórica do presidente. Documentos obtidos pelo O Globo, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), na semana passada, mostram que o Ibama não realizou um quinto das operações de fiscalização previstas no Plano Nacional Anual de Proteção Ambiental (Pnapa) até agosto deste ano.
O orçamento do órgão foi contingenciado em mais de 30%, com corte de cerca de R$ 100 milhões de reais no ano. Fiscais do Ibama aplicaram 23% menos advertências e multas por crimes contra a flora na Amazônia Legal.
O desmatamento na Amazônia quase dobrou entre janeiro e agosto deste ano, na comparação anual, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cujo ex-diretor Ricardo Galvão foi acusado por Bolsonaro, sem apresentar quaisquer evidências, de estar “a serviço de ONGs”.
O desmatamento é apontado como causa dos incêndios. Estudo realizado pelo Ministério Público Federal (MPF) divulgado esta semana mapeou áreas de desmatamento ilegal antigas, na Amazônia, e identificou que um terço delas foi alvo de queimadas em 2019.
Os incêndios dispararam. Inpe registrou 30.901 focos até 31 de agosto, contra 10.421 em 2018 e 25.853 na média histórica para o mês, entre 1998 e 2018.
Em agosto, também sem apresentar provas, Bolsonaro afirmou que as queimadas seriam causadas por ONGs para prejudicar a imagem do seu governo, em referência a fatos ocorridos no Pará.
Afirmação foi feita em 21 de agosto. Dias depois o Globo Rural revelou, apresentando documentos oficiais, que o MPF do Pará tinha conhecimento que fazendeiros da região organizavam o Dia do Fogo e o Ibama pediu ajuda ao Ministério da Justiça, de Sérgio Moro, com o envio da Força Nacional, mas não foi atendido.
“Como combater tudo isso sem meios, na região Amazônia, que pega dez estados e é maior que a Europa Ocidental?”, questionou Bolsonaro durante a transmissão de hoje. Ele arredondou. A Amazônia Legal é formada por nove estados das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
Até o momento, o governo já definiu como não vai combater. Está proibindo a destruição de equipamentos, como tratores e máquinas, flagradas em operações ilegais de desmate – uma promessa de campanha.
Em abril, um caso chamou atenção: Bolsonaro gravou um vídeo ao lado do senador Marcos Rogério (DEM/RO) afirmando que “esse procedimento, não é essa a nossa orientação”.
“Ontem, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, veio falar comigo com essa informação. Ele já mandou abrir um processo administrativo para a apurar o responsável disso aí. Não é pra queimar nada, maquinário, trator, seja o que for, não é esse procedimento, não é essa a nossa orientação”.
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Também em abril, na Agrishow, Bolsonaro afirmou que o papel de Salles é “fazer uma limpa” no órgãos ambientais. “Tem que haver fiscalização sim. Mas o homem do campo tem que ser bem recebido”, afirmou.
No mesmo mês, o ex-presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard, pediu demissão. Dias antes Salles afirmou que servidores de uma unidade do Rio Grande do Sul deveriam ser investigados por não terem ido a um evento com ruralistas que ele participou, ao lado de Eberhard. “Determino a abertura de processo administrativo disciplinar contra todos os funcionários”.
Sobre ideologias, o chanceler Ernesto Araújo tem usado o termo “climatismo”. Semana passada, afirmou que a questão ambiental é utilizada de forma autoritária para “silenciar o debate” e que o aquecimento global é algo natural.
“Há mudanças climáticas? Sim, certamente, sempre teve. É causada pelo homem? Muitas pessoas dizem que sim, não sabemos com certeza”, afirmou. Araújo já disse que “um estudo” feito nos EUA identificou que estações meteorológicas “nos anos 30 e 40, ficavam no meio do mato, hoje ficam no asfalto, na beira do estacionamento” e por isso os dados apontam que o mundo está aquecendo.
O chanceler é da ala olavista, próximo de Olavo de Carvalho, autointitulado filósofo que já afirmou, para chamar atenção na internet, que viu uns vídeos dizendo que a terra é plana com “experimentos que mostram a planicidade das superfícies aquáticas, e não consegui encontrar, até agora, nada que os refute”. Na língua portuguesa, o termo correto é planeza.
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