BRASÍLIA e RIO — O Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) distribuiu na manhã desta terça-feira (31), na sede do ministério de Minas e Energia, em Brasília, cópias de documentos com críticas à condução política da pasta.
O objetivo era agendar uma reunião com o ministro Alexandre Silveira (PSD). O protesto ocorre em meio aos mais de 30 dias de indefinição sobre quem serão os secretários em cargos-chave de Minas e Energia.
Silveira se aproximou do ex-ministro Bento Albuquerque, que esteve à frente do MME por três anos e meio no governo Bolsonaro.
É o grupo que trabalhou pela privatização da Eletrobras, do qual faz parte Marisete Pereira, ex-secretária-executiva de Albuquerque e atual conselheira da empresa — cargo que assumiu após a liquidação do controle da União.
Ikaro Chaves, funcionário da Eletronorte e membro do CNE, defende que não faz sentido o governo manter proximidade com pessoas ligadas ao governo Bolsonaro ou à privatização.
“O interesse da Eletrobras privada é tão grande que corre o risco de paralisar o próprio ministério, e isso é muito ruim para o país”, afirma Chaves.
O manifesto do CNE está sendo distribuído para outros ministros do governo Lula, segundo Chaves. Veja o documento entregue na portaria do MME, na íntegra (.pdf).
Procurado nesta terça (31/1), a pasta não respondeu às críticas. O espaço segue aberto.
Construção da base do governo Lula
O acordo com as bancadas no Congresso Nacional, costurado sob a aprovação da PEC da Transição, destinou o MME ao PSD de Silveira, em uma costura que envolveu também o União Brasil no Senado, liderado por Davi Alcolumbre (AP).
“Eu não sou contra uma frente ampla. Acho que o país precisa de um governo de frente ampla, mas daí a você compactuar com o bolsonarismo, com o roubo do patrimônio público, tem uma distância”, reforça Ikaro Chaves. O “roubo” citado é crítica à privatização da Eletrobras.
Silveira chegou ao ministério após se engajar na campanha de Lula contra Jair Bolsonaro (PL) em Minas Gerais, que ajudou na eleição do petista. Perdeu contudo a corrida à reeleição para o Senado.
Lideranças do PT, portanto, não colocaram de pé uma campanha tão ferrenha quanto a que mirou Elmar Nascimento (União), que se tornou um rival direto do partido na Bahia e chegou a ser cotado para o MME.
“Já fizemos interlocuções com membros do Partido dos Trabalhadores, já nos reunimos com a presidente [do PT] Gleisi [Hoffmann], com o Glauber Rocha [Psol/RJ], Erika Kokay [PT/DF] e outros parlamentares, mas ainda não conseguimos ser recebidos pelo ministro”, critica Emanuel Mendes Torres, diretor do sindicato dos eletricitários do Rio de Janeiro.
O PT está ocupando cargos na área de energia, subordinados ao MME de Silveira. Gleisi Hoffmann assegurou a indicação do deputado federal Enio Verri — ambos são do Paraná — para a diretoria brasileira de Itaipu Binacional.
A reestatização é uma pauta difícil. Há amarras legais e contratuais. A liquidação do controle foi aprovada por meio de uma medida provisória, que desagrada consumidores, setores do mercado de energia e ambientalistas em razão das emendas para contratar térmicas e outros benefícios direcionados.
Os sindicatos cobram, ao menos, uma audiência com o ministro. Dizem que Silveira tem sido resistente ao diálogo e agido na contramão da campanha eleitoral de Lula.
“É importante que as pessoas sérias, ao tentarem comprar empresas públicas brasileiras privatizadas, levem em conta que a gente vai mudar de governo e que a gente vai rediscutir isso”, dizia Lula na corrida eleitoral de 2022.
“Estamos fazendo essas críticas, querendo chamar atenção do ministro que esses bolsonaristas que participaram do processo de privatização não tem que ter espaço dentro do MME”, reforça Torres.
Por sua vez, Marisete Pereira e seu ex-secretário-executivo adjunto, Bruno Eustáquio, têm participado de discussões internas do ministério, mesmo sem terem sido oficializados de volta aos quadros do MME.
Marisete esteve inclusive no encontro há duas semanas com empresas que tiveram linhas de transmissão danificadas no após os ataques de 8 de janeiro e sinalizam que os ativos foram alvo de sabotagem.
Seu nome não consta na agenda oficial do evento. A Eletrobras foi representada por seus executivos, incluindo o diretor de Relações Governamentais e ex-CEO da Eletrobras, Rodrigo Limp — ele próprio, um ex-membro do MME de Bolsonaro.
Para Ikaro Chaves, “Silveira foi cooptado pela empresa privada e há uma queda de braço dentro do ministério, que é um dos únicos que não nomeou suas secretarias executivas”.
Lei de privatização e seus efeitos ainda são questionados
Concluída em junho de 2022, a privatização da Eletrobras foi conduzida pela equipe econômica de Paulo Guedes, que ofereceu novas ações da empresa na bolsa de valores.
A Eletrobras é a maior companhia do setor elétrico da América Latina, responsável por cerca de um terço da energia elétrica do Brasil e quase metade das linhas de transmissão que cortam o território nacional.
Esse gigantismo levou agentes favoráveis a menor participação estatal no setores econômicos, a questionar a transferência de uma empresa com tamanha participação de mercado para a iniciativa privada.
Para os eletricitários, o processo foi conduzido às pressas durante a pandemia, sem ouvir a sociedade e que apresenta uma série de inconsistências.
“Naquele momento, usou-se a caneta e o orçamento secreto e ainda empurraram um monte de jabutis, o que vai aumentar com o aumento do preço da energia, se o problema for empurrado mais adiante”, reclama Torres.
Há uma preocupação especial com o processo de demissão voluntária conduzida desde 2016, que segundo os sindicalistas fez o número de funcionários despencar.
“Mesmo que a empresa contrate no mercado um contingente grande de trabalhadores, mexer com o setor elétrico não é simples. Quando você está falando em usinas hidrelétricas ou sistemas de transmissão você lida com equipamentos muito específicos”, alerta Chaves.
Torres acredita que a falta de funcionários também trouxe impactos nos casos de sabotagem contra torres de transmissão no início do ano.
“Você não tinha mão de obra na Eletrobras para levantar as torres por conta do processo de demissão. Eles tiveram que contratar aquelas pessoas que eles demitiram através de um contrato por 30 dias para que elas pudessem levantar as torres. Não tem sentido isso”, diz.