A condução da reforma do setor elétrico brasileiro tem gerado apreensão aos agentes do mercado, especialmente diante da forma fragmentada e pouco transparente como o Governo Federal tem conduzido esse processo, por meio das Medidas Provisórias nº 1300/2025 e nº 1304/2025.
O momento atual exige atenção e responsabilidade, pois decisões mal calibradas podem comprometer a competitividade do país, impactar a indústria, aumentar os custos para o consumidor e abalar a segurança jurídica do setor.
O setor elétrico brasileiro passou nas últimas duas décadas por algumas regulamentações, mas sem atualizações relevantes em seu marco regulatório.
Entretanto, diversos agentes — especialistas, consumidores, associações empresariais, órgãos de governo e parlamentares — vêm discutindo, há pelo menos dez anos, a necessidade de um aperfeiçoamento profundo, que enfrente distorções históricas, modernize a estrutura setorial e garanta energia mais barata, sustentável e acessível.
Foi nessa esteira que o governo editou a MP 1.300/2025, com a proposta de atuar sobre três pilares: equalização de subsídios, adequação da tarifa social e abertura do mercado livre de energia.
Contudo, o foco central da medida recaiu sobre o aperfeiçoamento da tarifa social, ao passo que o pilar relacionado à equalização de subsídios trouxe uma elevação de custos de forma intempestiva e sem gradualidade, o que pode afetar toda a economia nacional — em especial, a indústria, que já convive com elevados encargos e perda de competitividade frente a concorrentes internacionais.
Mesmo com a MP 1.300 ainda em tramitação — sem que sequer tenha sido instalada sua comissão mista no Congresso —, e enquanto se aguarda a evolução do debate e a análise das emendas propostas, o governo editou uma nova Medida Provisória: a MP 1.304/2025.
Essa nova medida é bem-vinda do ponto de vista em que tenta frear as despesas embutidas na conta de luz através da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e retomar a discussão sobre a contratação compulsória de geração, agora substituindo usinas termelétricas (UTE’s) por Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH’s).
No entanto, gera algumas dúvidas e incertezas.
Embora a intenção de conter o crescimento da CDE seja positiva, a forma como foi proposta abre lacunas que ainda não foram suficientemente esclarecidas.
Há de se pensar sobre o risco de inclusão de novas despesas no orçamento de 2026, em pleno ano eleitoral, além da criação de um novo encargo escalonado, o qual pode trazer impactos ainda não mensurados para os investimentos em fontes renováveis e na atratividade do mercado livre.
No que se refere à substituição das UTEs por PCHs, há um reconhecimento de que a mudança é tecnicamente mais alinhada com a matriz energética brasileira.
No entanto, essa proposta aparece em meio a um cenário institucional complexo: o Congresso ainda analisa um veto presidencial diretamente ligado ao mesmo tema, o que gera dúvidas quanto à validade e à coerência das decisões.
A insegurança jurídica se intensifica, pois parece não haver um entendimento consolidado sobre qual será o rumo do setor até o fim do ano.
O setor elétrico brasileiro precisa, sim, de mudanças. Mas elas devem ser estruturais, transparentes, debatidas com profundidade e centradas em um modelo de longo prazo.
O país não pode continuar lidando com medidas provisórias desconectadas entre si, que tratam de sintomas sem atacar as causas, e que aumentam a instabilidade regulatória em um setor vital para o desenvolvimento.
Nesse contexto é imprescindível reforçar os aspectos que uma verdadeira reforma elétrica deve priorizar:
- A modernização da regulação, com foco em eficiência, inovação e integração de novas fontes;
- A redução dos custos estruturais da energia, promovendo justiça tarifária e eliminando distorções históricas na alocação de encargos;
- A segurança jurídica e previsibilidade, que atraiam investimentos e garantam o bom funcionamento do mercado;
- E, sobretudo, a competitividade da indústria nacional, base da geração de renda e empregos no país.
Num momento em que o cenário internacional exige mais produtividade, descarbonização e protagonismo global, o Brasil tem a oportunidade de liderar a transição energética com uma matriz limpa e diversificada.
Mas isso só será possível se a reforma do setor elétrico for tratada com a seriedade e a profundidade que o tema exige. A indústria e o país não podem pagar o preço por decisões mal planejadas.
Antonio Carlos Vilela é presidente do Conselho Empresarial de Energia Elétrica da Firjan e vice-presidente da Firjan Cirj.