Diálogos da Transição

O que está em jogo na 'corrida do lítio'?

Brasil entrou na corrida do lítio esta semana, com o lançamento mundial da iniciativa Lithium Valley Brazil, na bolsa de valores de Nova York

Brasil pode se posicionar como produtor confiável de minerais críticos, diz diretor da Vale
Mina de litio na China, país responsável por 35% do processamento global de níquel, 50 a 70% para lítio e cobalto e quase 90% para terras raras

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Diálogos da Transição

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Editada por Nayara Machado
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“O lítio é uma matéria-prima estratégica e também política”, resume Elaine Santos, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

Atualmente, 80% do lítio utilizado mundialmente é destinado à fabricação de baterias. Segundo previsões da Bloomberg New Energy Finance (BNEF), é esperado que a demanda por minerais de transição alcance 17,5 milhões de toneladas em 2030.

Só que a oferta do mineral é superconcentrada: cerca de 65% das reservas encontradas estão no Chile, Bolívia e Argentina, mas hoje a China lidera o processamento, com cerca de 50%.

Com as projeções de demanda de eletrificação em alta e o mercado de carros elétricos em crescimento exponencial, o mundo assiste a uma corrida tecnológica.

“Essa mudança de escala energética a partir da transição para as renováveis pode levar a tensões geopolíticas, conflitos internos e interregionais”, observa Santos.

Ela cita como exemplo o plano da União Europeia para reduzir sua dependência de matérias-primas críticas de terceiros. Dentre as mudanças regulatórias está o licenciamento mais rápido.

“Os metais e a energia na Europa são considerados um tema de segurança. Ela busca tornar sua cadeia de minerais críticos mais doméstica, aumentando a mineração no seu território, o que tem levado a uma série de conflitos”.

Entre os conflitos estão os impactos da mineração sobre a qualidade de vida da população local e a proteção ambiental na região das minas.

Nos Estados Unidos, a Lei de Redução da Inflação inclui incentivos fiscais para a eletrificação e reduzir a dependência da China.

“É uma tentativa de reorganizar suas cadeias locais e globais e beneficiar também as montadoras de automóveis, uma vez que a transição energética está muito focada na mobilidade elétrica”.

A pesquisadora participou nesta quinta (11/4), do antessalaque discutiu os desafios do Brasil na exploração desse mineral crítico. Assista no Youtube

“Quando a gente pensa o papel do Brasil nessa cadeia, é muito em termos nacionais, sem olhar para a América Latina. E sem pensar que, nessa cadeia, nós também estamos dependentes da China”, destaca Santos.

“Nós temos a matéria-prima, mas quem vai fazer o processamento, a produção das baterias e dos veículos?”, questiona.

O Brasil entrou na corrida do lítio esta semana, com o lançamento mundial da iniciativa Lithium Valley Brazil, na bolsa de valores de Nova York, Nasdaq, e colocou o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, no mapa global na cadeia do mineral crítico.

A iniciativa, liderada pelo governo de Minas Gerais em conjunto com o Ministério de Minas e Energia (MME), tenta atrair investimentos internacionais para exploração no norte mineiro, que concentra a maior reserva desse mineral no Brasil.

Vale do Lítio, em Minas Gerais, já possui quatro mineradoras desenvolvendo projetos: Sigma Lithium (Canadá), Atlas Lithium (EUA), Lithium Ionic (Canadá) e Latin Resources (Austrália) – todas listadas na Nasdaq.

Ana Cabral Gardner, CEO da Sigma, que já investiu R$ 3 bilhões no projeto na região, afirma que a companhia tem planos de triplicar as operações em Minas Gerais.

Ela conta que a companhia começará fornecendo lítio suficiente para abastecer 617 mil carros elétricos, mas espera chegar a abastecer 1,6 milhão de carros elétricos. Leia na cobertura de Gabriel Chiappini

Impulso para indústria automotiva. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) também tem defendido a mineração para a produção local de baterias, dando impulso ao setor automotivo no Brasil.

Em audiência pública na Câmara dos Deputados, na quarta (10/5), o vice-presidente da Anfavea, Luiz Carlos Gomes, disse que as baterias de lítio ajudam as montadoras a fornecerem produtos mais atrativos e acessíveis.

A associação entende que a extração do minério no país pode atrair as indústrias de fornecimento de baterias, além de “descentralizar a produção” e livrar a dependência da cadeia de suprimentos.

O Brasil hoje depende da importação de outros países para garantir os produtos.

“Não vamos continuar importando baterias, vamos ter produção local. […] Gostaríamos de ter um polo industrial de baterias. É uma grande oportunidade para o Brasil e não podemos perdê-la”, acrescentou.

Políticas para uma cadeia do lítio também estão no radar do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Segundo o diretor de Insumos da pasta, Carlos Leonardo Teófilo, as diretrizes para a exploração do minério serão avaliadas dentro da agenda de reindustrialização.

E devem considerar “sustentabilidade, transição energética e desenvolvimento tecnológico”. No entendimento do diretor, o Brasil deve avançar na criação de uma base estratégica para os metais de transição.

Cobrimos por aqui:

Curtas

‘Guerra do dendê’

Após denúncias contra violações de direitos humanos e territoriais cometidos pela Brasil Biofuels (BBF) no Pará, a Vibra Energia levou a questão ao seu compliance para “determinar as próximas decisões seguindo a política de gestão de riscos da companhia”.

A Vibra tem contratos de aquisição exclusivos do diesel verde e combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês) que serão produzidos pela BBF na Zona Franca de Manaus, usando óleo de palma de instalações em Roraima.

Portos verdes

Os Países Baixos e o governo do Ceará assinaram, nesta quarta (10/5), um acordo para a criação do Corredor de Hidrogênio Verde entre o Porto do Pecém e o Porto de Roterdã.

O porto holandês também assinou uma Parceria de Portos Verdes (Green Ports Partnership) com o Pecém, e os portos de Paranaguá (PR) e de Rio Grande (RS) para desenvolvimento da produção de hidrogênio verde.

Descarbonização nos EUA

O governo Biden divulgou nesta quinta (11/5) um plano abrangente para reduzir as emissões de gases de efeito estufa da indústria de energia dos Estados Unidos. A proposta estabelece padrões que levariam à instalação de equipamentos de captura de carbono (CCS) ou usar hidrogênio de baixo carbono como combustível.

A Agência de Proteção Ambiental projeta que o plano reduziria as emissões de usinas a carvão e novas usinas a gás em 617 milhões de toneladas de CO2 entre 2028 e 2042. Reuters

Novo aerogerador

O BNDES aprovou financiamento de R$ 59 milhões para a WEG fabricar uma nova tecnologia de aerogeradores, para aumentar a eficiência de parques eólicos localizados em terra. O equipamento de alta potência será o maior em operação no mercado brasileiro e possibilitará a redução dos investimentos totais para a instalação de novos parques e a emissão de carbono. A expectativa é de que comece a ser fabricado em série no final de 2024.