Opinião

Leilão de baterias: como garantir flexibilidade ao menor custo

Excesso de renováveis, rampas mais íngremes e cortes de geração colocam baterias no centro da estratégia para reduzir custos sistêmicos e evitar a contratação de soluções mais lentas e caras

Bernardo Bezerra é diretor de Regulação e Inovação da Serena (Foto Divulgação)
Bernardo Bezerra é diretor de Regulação e Inovação da Serena (Foto Divulgação)

No Dia dos Pais de 2025, quase todo o parque renovável centralizado do Brasil ficou a poucos minutos de ser completamente desligado. O Operador Nacional do Sistema (ONS) precisou reduzir drasticamente a geração eólica e solar para acomodar o excesso de produção de mini e microgeração distribuída (MMGD) em pleno meio-dia.

O episódio passou despercebido pela maior parte da população, mas deveria ser tratado como o retrato mais fiel da nova fase em que o sistema elétrico brasileiro entrou — uma fase em que a oferta deixou de ser o problema e a capacidade de acomodá-la passou a ser o verdadeiro desafio.

Por décadas, nossas discussões regulatórias giraram em torno de garantia física e potência firme. Hoje, porém, o gargalo é outro: flexibilidade. Os sinais estão por toda parte.

No Nordeste, a sobreposição entre solar centralizada e distribuída pressiona a rede em períodos em que, historicamente, não havia desafio algum. Mesmo em outras regiões, o sistema começa a experimentar rampas de potência que, em pouco tempo, deixarão o parque termelétrico atual incapaz de responder.

Essa dinâmica formada por excedentes renováveis diurnos, rampas cada vez mais íngremes no final da tarde e picos de carga noturnos crescentes levou a Califórnia e o Texas à beira do colapso operacional antes de encontrarem uma saída. Nos Estados Unidos, a resposta foi rápida: em apenas cinco anos, Califórnia (CAISO) e Texas (ERCOT) colocaram em operação mais de 15 GW de baterias e já têm mais de 30 GW em construção ou contratados. 

Não se trata de uma curiosidade tecnológica, mas da única solução capaz de tratar simultaneamente os três dilemas modernos de operação. Baterias inverteram a curva do pato, reduziram cortes, diminuíram a necessidade de térmicas flexíveis e, sobretudo, deram ao operador uma ferramenta de resposta rápida que não existia antes.

O Brasil está agora diante da mesma encruzilhada — mas com uma vantagem. Podemos aprender com os erros dos outros.

A Califórnia demorou demais e pagou caro: cortes massivos, sobretarifas e emergências operativas. O Texas viu preços explodirem para milhares de dólares por MWh, com eventos que quase derrubaram o sistema. Ambos só encontraram estabilidade quando priorizaram baterias, não como adendo tecnológico, mas como elemento central da operação moderna.

Por isso, a discussão do leilão de baterias proposta pelo Ministério de Minas e Energia é, possivelmente, a decisão mais estratégica dos próximos anos. Mas essa decisão só produzirá os efeitos desejados se acertarmos não apenas o “quê”, mas a ordem, a lógica e a coerência dos sinais regulatórios.

A sequência atual — leiloar térmicas e repotencialização hidrelétrica antes de leiloar baterias — vai na contramão do que o sistema precisa. Nenhuma dessas soluções entrega gigawatts de capacidade em 12 a 18 meses.

Baterias entregam. Flexibilidade é o atributo que falta. E apenas baterias entregam flexibilidade em escala, velocidade e com múltiplos benefícios simultâneos.

Se o Brasil insistir em contratar primeiro as soluções lentas, deixará para depois justamente a ferramenta que reduz o custo sistêmico, diminui o curtailment e evita a necessidade de térmicas adicionais. É o caminho mais caro.

Mas acertar o leilão vai muito além de escolher a tecnologia correta. Há riscos silenciosos de incoerência regulatória que podem anular a política pública. O primeiro deles é o conflito entre o bônus locacional proposto para o certame e o sinal tarifário da transmissão (TUST).

De um lado, o MME quer atrair baterias para áreas de baixa robustez elétrica — um movimento correto e estratégico. De outro, a TUST vigente pode penalizar exatamente essas localizações, criando um desincentivo econômico que contradiz o próprio planejamento. Sinal locacional só funciona quando todos os sinais apontam para a mesma direção.

Há ainda outro ponto crucial: a colocalização de baterias com geradores renováveis existentes. Quando a bateria compartilha a infraestrutura com uma usina eólica ou solar, ela reduz cortes locais, transforma energia perdida em valor econômico e permite que o empreendedor ofereça uma Receita Fixa menor no leilão.

É, na prática, o arranjo mais eficiente e mais barato para o sistema. Mas a minuta atual do leilão não garante a prioridade de carregamento local em momentos de curtailment. Sem essa priorização, perde-se justamente o diferencial competitivo da colocalização.

O Brasil tem uma oportunidade rara de ajustar o sistema antes que o problema se transforme em crise.

O leilão de baterias pode transformar o excesso de energia renovável mal acomodada em valor econômico, estabilidade operativa e maior eficiência tarifária. Tudo depende de alinhar planejamento, sinalização econômica e regras de operação em torno de um mesmo objetivo: preparar o sistema para a era da flexibilidade.

As três propostas que deveriam guiar o desenho final do certame são claras:

  1. o leilão de baterias deve ser o primeiro, porque nenhum outro recurso entrega simultaneamente potência, absorção de excedente, flexibilidade e velocidade de construção;
  2. os sinais regulatórios precisam ser coerentes — bônus locacional, TUST e planejamento da transmissão devem apontar para a mesma direção; e
  3. é essencial priorizar o carregamento local nos sistemas colocalizados, reduzindo curtailment, diminuindo risco e permitindo preços mais baixos no leilão.

Se o Brasil seguir esses três princípios, podemos transformar o desafio da flexibilidade na maior vantagem competitiva do nosso sistema elétrico em décadas. Caso contrário, continuaremos tratando sintomas — e apagando geração renovável.

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