Opinião

Papel invertido no sistema elétrico

Inversão de fluxo de potência elétrica ocorre quando a lógica tradicional do fluxo de energia — da geração ao consumo — é invertida, ou seja, a energia excedente é injetada do consumidor para a rede, avalia Marcos Madureira

Marcos Madureira é presidente da Abradeee — Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Foto Divulgação)
Marcos Madureira é presidente da Abradeee — Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Foto Divulgação)

A matriz elétrica brasileira está passando por uma transição acelerada, impulsionada principalmente pelo crescimento de fontes renováveis como eólica e solar, incluindo a geração distribuída (GD).

Com a expansão dessas fontes, cada vez mais consumidores se tornam também produtores de eletricidade. Seria um processo a ser celebrado, não fosse a falta de planejamento e regulação adequadas para compatibilizar esse crescimento. 

Um dos problemas decorrentes dessa ausência de planejamento é a desproporcionalidade da inversão de fluxo de potência elétrica, que ocorre quando a lógica tradicional do fluxo de energia — da geração ao consumo — é invertida, ou seja, a energia excedente é injetada do consumidor para a rede.

Esse fenômeno tem se intensificado com a expansão da GD, impulsionada por subsídios que, apenas em 2024, custaram mais de R$ 10 bilhões aos consumidores comuns, pagos por meio da conta de luz.

Essa inversão de fluxo impacta diretamente a operação das distribuidoras de energia e até mesmo o Sistema Interligado Nacional (SIN), com reflexos para a população.

Os equipamentos da rede são projetados para permitir um fluxo bidirecional de eletricidade, ou seja, a energia que é distribuída e a energia que é injetada no sistema.

Entretanto, a concentração da injeção de energia pela geração distribuída, em um mesmo período do dia, sem carga para consumo, pode levar, em alguns locais, ao extrapolamento de parâmetros operacionais, sobrecarga da rede, desequilíbrio de tensão e interrupções no fornecimento de energia.

Um dos principais desafios desse novo cenário é o crescimento exponencial das fazendas solares em regiões rurais, como já se observa em Minas Gerais.

Esse modelo de negócio atrai empresas que instalam painéis solares em terrenos próprios e vendem a energia gerada via aplicativos para consumidores que “alugam” frações dessa geração, obtendo, em média, 15% de desconto na conta de luz

Esse negócio cresce às custas do consumidor comum de energia, que continua pagando em sua conta de luz pelo benefício concedido a esses investidores.

Apesar de não exigirem instalação de painéis próprios, as pessoas que possuem as chamadas ‘energia solar por assinatura’ também se beneficiam dos subsídios e não arcam com os custos da distribuição e transmissão da energia utilizada.

Atualmente, a maior parte dos pedidos de conexão solicitados, cerca de 80%, refere-se a instalações com até 7,5 kW, que são atendidos pelas distribuidoras sem nenhuma restrição desde que a energia seja utilizada na unidade geradora, conforme regramento da Aneel.

Os 20% restantes, compostos, em grande parte, por projetos de fazendas solares, exigem estudos mais detalhados de impacto na rede, pois operam com potências significativamente maiores e/ou exportam energia para outros pontos de consumo. 

Outro efeito negativo desse arranjo desordenado é o chamado curtailment energético, que ocorre quando esse volume de energia (sobreoferta) chega ao sistema interligado e força o operador a realizar desligamentos ou a desconexão de determinadas fontes; eólicas, solares e até mesmo vertimentos de água por usinas hidrelétricas, literalmente desperdiçando energia. 

Para entender melhor essa dinâmica, podemos fazer uma analogia com um sistema de abastecimento de água. Normalmente, a distribuição de água ocorre de um reservatório central para a rede, reduzindo gradualmente a espessura dos canos até chegar às residências.

No caso da GD, seria como se houvesse um poço próximo à torneira do consumidor, permitindo que ele não apenas utilizasse uma parte da água, mas também injetasse o excedente de volta na rede.

Se múltiplos consumidores começam a despejar grandes volumes de água na tubulação ao mesmo tempo, isso pode gerar pressão excessiva e risco de rompimento da estrutura — um efeito semelhante ao que ocorre na rede elétrica.

A matriz elétrica brasileira é privilegiada em termos de diversidade e sustentabilidade, com mais de 85% da energia gerada a partir de fontes limpas.

No entanto, o crescimento acelerado e desordenado de fontes intermitentes, como a GD fotovoltaica, tem imposto desafios crescentes ao setor elétrico. A inversão de fluxo de potência é um dos mais críticos, pois compromete a estabilidade e a segurança do sistema.

Para mitigar esses impactos, as distribuidoras estão investindo em modernização da rede, digitalização e inovação tecnológica. Soluções como armazenamento de energia, redes inteligentes e controle avançado de tensão serão fundamentais para integrar a GD de forma segura e eficiente.

Mas é essencial que haja uma regulamentação mais clara e baseada em planejamento, permitindo que parte da energia gerada seja armazenada em baterias e injetada na rede nos momentos mais adequados, reduzindo a pressão sobre o sistema. Além disso, é necessário um planejamento criterioso para equilibrar a oferta e a demanda, garantindo que o consumidor brasileiro não seja penalizado pelos desafios.


Marcos Madureira é presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia (Abradee).



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