Energia

Geração distribuída demanda uniformidade de regras tributárias

Avanço dado pelo Marco Legal da Geração Distribuída não é suficiente para eliminar dificuldades da tributação da GD

Dez anos após criação da geração distribuída, ICMS ainda preocupa. Na foto, terraço de prédio com painéis fotovoltaicos para GD solar
O SCEE permite ao consumidor que produz energia, em volume superior ao necessário para uso próprio, injetar o excedente na rede (Foto: Solarimo/Pixabay)

Os números dos três primeiros meses de 2022 estão confirmando a expectativa de vultosos investimentos nos sistemas de geração própria de energia. Esses resultados são impulsionados pela janela de oportunidade – até 5 de janeiro de 2023 – que garante a isenção total da cobrança da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) para as novas instalações que se conectarem nesse prazo.

Todavia, esse avanço dado pela recém-sancionada Lei Federal 14.300/2022 (Marco Legal da Geração Distribuída) não é suficiente para dirimir as dificuldades que os interessados em projetos de geração distribuída enfrentam quanto à tributação. Se, por um lado, o uso da rede de distribuição implica pagamento de tarifa, por outro, essa modalidade de produção da própria energia não carrega em si fato gerador de tributação, que está sendo indevidamente aplicada em inúmeros Estados.

Não bastasse os casos de cobrança de impostos e contribuições não aplicáveis, não há uniformidade de regras entre os entes federados e muito menos segurança jurídica quanto ao tema. Assim, a geração distribuída é mais um exemplo da influência negativa que questões tributárias mal equacionadas têm sobre a evolução da economia.

Confaz e marco legal não acompanharam evolução do setor

Em que pese haver norma de isenção para o ICMS, o PIS e a Cofins, através do Convênio ICMS 16/2015 e da Lei 13.169/2015, respectivamente, as hipóteses de isenção nelas elencadas não acompanharam a evolução do setor. Ambos, Convênio e Lei, não foram revistos para a devida adaptação após a edição de duas resoluções da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que alteraram parâmetros técnicos de dimensionamento (limite de 5 MW) e passaram a admitir formas de geração compartilhada no gênero geração distribuída.

O Convênio ICMS 16/2015, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), prevê a isenção apenas quando da produção de energia de forma individual, e não coletiva, além de limitar a isenção para as centrais geradoras de até 1 MW — e apenas sobre a base de cálculo da tarifa de energia, excluindo todas as demais componentes.

A Lei Federal 13.169/2015, que também regula a tributação do setor quanto ao PIS e a Cofins, não traz a mesma limitação de potência e não delimita as componentes tributáveis da conta de luz, mas mantém a questão da mesma titularidade para fins de fruição do benefício.

Assim, com a Lei e o Convênio desatualizados, e em respeito à regra do Código Tributário Nacional (CTN) sobre a forma de interpretar legislação tributária – o que se deve proceder de forma literal quando se trata de normas de isenção (Artigo 111, inciso II) – há múltiplos casos de cobrança indevida dos tributos, especialmente sobre projetos de geração compartilhada.

Para piorar, alguns estados, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, legislaram em desacordo com o que prevê o Convênio ICMS 16/2015 e ampliaram a isenção para modais de geração compartilhada – consórcio, cooperativa e empreendimento de múltiplas unidades consumidoras. Além disso, ampliaram a potência limite para 5 MW, desde que a energia injetada seja proveniente de centrais geradoras de fonte solar.

As normas de isenção de Minas Gerais e Rio de Janeiro estão em vigor, enquanto a do Espírito Santo aguarda aprovação do Confaz. Há risco de que percam eficácia jurídica em 31 de dezembro de 2022, caso nada seja feito pelos respectivos governos estaduais nos termos da Lei Complementar 186/2021 — que possibilita a prorrogação de benefícios como esses até 2032.

Por incrível que pareça, as normas de isenção estão trazendo mais confusão do que alívio para o setor: gerar sua própria energia, sem transferência jurídica desse bem, não constitui fato gerador do ICMS. Os casos supracitados provocam a ilusão de que o ICMS, o PIS e a COFINS são devidos, quando, na verdade, não há qualquer benesse quando das “isenções” concedidas pelas autoridades.

A celeuma está posta e os empreendedores de geração distribuída na modalidade compartilhada não têm para onde correr, exceto socorrerem-se do Judiciário. Em virtude disso, alguns cidadãos têm buscado a tutela jurisdicional para garantir seus direitos, como no caso da recente liminar – em mandado de segurança – obtida no estado do Paraná por um consórcio de geração compartilhada, afastando a cobrança do ICMS.

A decisão seria a primeira com este perfil a citar a normatização do novo Marco Legal da Geração Distribuída, que determina que a microgeração e a minigeração distribuídas se caracterizam como produção de energia elétrica para consumo próprio, sem diferenciar a forma pela qual foi gerada, se individual ou coletiva.

Na ponta do lápis, a cobrança indevida de impostos e contribuições pode inviabilizar projetos de geração distribuída, por conta do acréscimo de uma carga tributária até 40% sobre energia produzida para consumo próprio.

Ressalto que geração distribuída significa ampliação do uso de fontes renováveis e limpas por meio de investimento privado, com o aumento da matriz energética brasileira, sem dispêndio do erário, em tempos de busca por segurança do fornecimento e barateamento do custo da energia. Tributar a geração distribuída é, além de ilegal, um movimento contrário ao crescimento sustentável do País.

Einar Tribuci é diretor Jurídico e de Tributação da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD) e sócio proprietário do Tribuci Sociedade de Advogados