O setor elétrico brasileiro, pilar estratégico para a competitividade das empresas, convive não apenas com desafios regulatórios e de infraestrutura, como também com uma pesada carga tributária. Nesse ambiente, qualquer possibilidade de eficiência fiscal merece atenção.
Uma discussão que vem ganhando relevância é a de reconhecer os dispêndios com tarifas de uso do sistema de transmissão e de distribuição de energia elétrica – conhecidas pelas siglas TUST e TUSD – como passíveis de registro de crédito das contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Em pouco menos de 1 ano e meio, as contribuições ao PIS e à Cofins serão extintas pela reforma tributária e substituídas pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Porém, eventual saldo credor remanescente de PIS e Cofins não apropriado ou não utilizado até a data de extinção dessas contribuições poderá ser aproveitado no novo sistema para compensação com débitos de CBS ou mesmo para restituição ou compensação com outros tributos federais (quando atenderem aos demais requisitos previstos na legislação para tal).
Dependendo da interpretação que se dê ao critério de registro de créditos de PIS e Cofins sobre dispêndios incorridos com TUSD ou TUST, os valores pagos nessas tarifas podem se tornar oportunidade de otimização da carga tributária atual, com impacto direto na competitividade do negócio.
A questão é especialmente sensível para companhias industriais e de grande consumo energético, que enfrentam custos expressivos com aquisição de energia elétrica.
Da cumulatividade ao crédito: uma breve evolução
As contribuições ao PIS e à Cofins, criadas originalmente sob a sistemática cumulativa, não permitiam qualquer abatimento dos valores já recolhidos ao longo da cadeia. Com a introdução do regime não-cumulativo, buscou-se maior neutralidade econômica: abriu-se espaço para o aproveitamento de créditos relativos a determinados custos e despesas vinculados à atividade empresarial.
Ainda assim, o legislador não detalhou de forma exaustiva quais dispêndios poderiam ser considerados passíveis de crédito, abrindo campo para debates interpretativos. Nesse cenário, surge a dúvida: os dispêndios incorridos por contribuintes com TUST e TUSD podem ser enquadrados como elegíveis ao registro de créditos de PIS e Cofins?
Por que a discussão importa?
As tarifas de uso da rede são impostas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e representam valores pagos pelos consumidores e geradores para remunerar as concessionárias de transmissão e de distribuição. Em outras palavras, sem o pagamento dessas tarifas, não há fornecimento ou consumo de energia elétrica.
Do ponto de vista econômico, isso significa que TUST e TUSD são custos obrigatórios, inerentes à própria aquisição da energia elétrica. Esse seria, portanto, o primeiro argumento para justificar o direito ao crédito: se a lei autoriza o crédito sobre “energia elétrica consumida”, as tarifas que viabilizam o fornecimento da energia deveriam ser consideradas parte desse custo.
Ainda que assim não fosse, há um segundo argumento construído sobre a noção de bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda.
Após o julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), consolidou-se o entendimento de que insumo é aquilo que, aferido pelos critérios de essencialidade e relevância, é indispensável ao processo produtivo. Nesse sentido, não há dúvida de que o acesso à rede de transmissão e distribuição é condição para que a energia chegue às fábricas, máquinas e linhas de produção.
O cenário jurisprudencial atual
A Receita Federal do Brasil (RFB) já se manifestou, em ocasiões anteriores, de forma contrária ao crédito sobre TUST e TUSD. Para a administração tributária, essas tarifas não estariam abrangidas pelo conceito legal de insumo nem poderiam ser equiparadas à energia elétrica consumida.
Contudo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) vem construindo precedentes mais favoráveis aos contribuintes. A lógica defendida no tribunal administrativo é clara: transmissão e distribuição são etapas indissociáveis do fornecimento de energia, e, portanto, seus custos devem ser considerados parte integrante da energia adquirida.
No âmbito do Poder Judiciário, ainda não há decisões de mérito específicas sobre o tema. Mas alguns julgados em Tribunais Superiores, mesmo tratando de outros tributos, já reconheceram que as atividades de transmissão e distribuição não podem ser dissociadas do fornecimento de energia elétrica. Isso fortalece a tese de que as tarifas teriam natureza de custo necessário e insubstituível.
Oportunidade e risco para os contribuintes
Diante desse cenário, nessa reta final de vigência das contribuições ao PIS e da Cofins, as empresas podem revisitar seus critérios de creditamento de PIS e Cofins e, à luz da sua atividade empresarial, avaliar os argumentos jurídicos aplicáveis aos dispêndios incorridos com TUST e TUSD, seja em âmbito administrativo ou judicial. O potencial benefício pode ser significativo, sobretudo em setores de consumo intensivo de energia.
Por outro lado, é importante reconhecer que o tema ainda envolve incertezas. A legislação não é expressa e o direito ao crédito pode enfrentar resistência das autoridades fiscais. Isso significa que iniciativas nesse sentido exigem análise cuidadosa de riscos, preparação documental robusta e, muitas vezes, disposição para litigar.
Em tempos de margens pressionadas e alta competitividade, empresas que buscam eficiência fiscal não podem ignorar essa discussão. Ainda que não haja consenso definitivo, existem fundamentos jurídicos sólidos para sustentar que TUST e TUSD devam ser tratadas como parte do custo da energia elétrica ou como insumos essenciais à atividade produtiva.
Assim, contribuintes atentos podem não apenas defender seu direito, mas também se posicionar na vanguarda de um debate que tende a ganhar força nos próximos meses. Avaliar essa possibilidade, com suporte técnico e jurídico adequado, pode significar um importante diferencial competitivo.
Raphael Gomes e Rafaela Canito são sócios de Energia e Tributário do Lefosse, respectivamente, e escreveram esse artigo com o apoio de Bruno Fettermann e Mariana Fantini, advogados da área tributária do Lefosse.