A janela da oportunidade está aberta e 2022 pode ser o ano da energia. Parte do caminho já está trilhado, com o projeto de modernização do setor elétrico, definido como prioridade pelo governo e Congresso.
Como apresentado, o relatório do PL 414/2021 concluído pelo deputado Fernando Coelho Filho (União/PE) conseguiu a rara convergência entre entidades representativas, atentas aos avanços e a necessidade de mudança de regras para o setor avançar.
Sabemos que no jogo democrático é necessário que exista o debate e que o contraditório esteja presente. No caso do projeto 414, o que se vê, no entanto, é a preparação orquestrada de propostas que significam ainda mais privilégios a pequenos grupos que hoje estão no camarote VIP do setor elétrico, desconfigurando o relatório original do relator.
À espreita, o bando de jabutis observa ávido o momento de inflar ainda mais a conta dos consumidores, empurrando novos subsídios que encarecem e atrasam o pleno desenvolvimento e a competitividade do setor. Jabutis que, dessa vez, subvertem a lógica da modernização como essência do projeto, afinal, apregoam sustentar um modelo ultrapassado de gestão energética.
- Leia em epbr: Derrubando muros do setor elétrico
Financiamento para térmicas é ameaça real
Pelo menos um deles se apresenta como ameaça real e obsessora. O que pretende organizar a concessão de subsídios para a construção de uma malha de gasodutos dedicada a abastecer usinas térmicas em regiões que já exportam energia.
Além de aumentar a emissão de gases do efeito estufa, o custo dessa empreitada insensata seria pago, como sempre, pelos consumidores.
Um retrocesso para o setor elétrico ao criar uma reserva de mercado, desconsiderando opções mais baratas para o consumidor. Investir em térmicas afastadas dos grandes centros de consumo significaria aportes em infraestrutura de transmissão.
Um impacto econômico tão questionável que o pescoço desse jabuti foi cortado em todas as tentativas anteriores de inserção, incluindo a MP da Eletrobras e a MP 1055, que tratou de medidas emergenciais durante a última crise hídrica.
Financiar gasodutos não guarda nenhuma pertinência temática com o propósito do PL 414. E estão todos cientes de que o risco à sustentabilidade e à competitividade é uma das facetas desse jabuti, que onera indevidamente o consumidor com um novo subsídio.
História de atraso e prejuízo coletivo
Historicamente, o setor elétrico se tornou espaço de acomodação de interesses específicos em troca do mal coletivo. Um esforço constante de determinados setores de economia que julgam conveniente aumentar o custo de todos os consumidores a pretexto de vantagens futuras, sem lastro.
E são interesses defendidos com a intensidade de fortes grupos econômicos de interesse privado, em uma disputa desequilibrada.
Às vésperas da apresentação oficial do relatório do PL 414, que pode ganhar status de urgência na tramitação, o monitoramento é constante e reúne as associações que representam os consumidores. A sociedade se movimenta quando alertada e esse é um desafio das entidades — decodificar as mensagens.
O setor foi se fechando em si mesmo, hermético em sua linguagem de iniciados que acaba favorecendo o pacto para que os interesses sejam, ao final, acomodados na conta de energia.
Esse debate passa também pela necessidade de reavaliar as opções energéticas.
Uma das mais recentes pesquisas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) mostra que as opções de política energética encarecem a energia em 30% no Brasil, bem acima do que o país poderia oferecer. E não estamos falando de encargos, mas de escolhas ruins que elevam o custo simples da energia.
As agendas no campo da energia são capturadas por interesses da cadeia produtiva. É preciso, portanto, nos precaver para que os debates da transição energética não terminem em um discurso que vai escolher o velho modelo do setor elétrico.
A narrativa acaba sendo montada com histórias envolventes, com meias verdades ou mentiras completas, consequentemente a oferta de uma energia cara e sem risco, financiada em contratos baratos e de longo prazo pelo BNDES, desde que o consumidor, sempre ele, pague por isso.