RIO – A entrada do Brasil no mapa global do lítio, com quatro mineradoras – Sigma Lithium, Atlas Lithium, Lithium Ionic e Latin Resources – anunciando projetos de exploração no Vale Jequitinhonha (MG), coincidiu com o derretimento dos preços na cotação internacional, que, em 2023, chegou a cair 80%.
Esse cenário, no entanto, não deve afetar a lucratividade do lítio brasileiro, avalia Marc Fogassa, CEO da Atlas Lithium, com sede nos Estados Unidos.
“Os preços do hidróxido de lítio, do carbonato de lítio e do espodumênio caíram entre 70% e 80%. Nós da Atlas não estamos preocupados, porque acreditamos que o nosso produto vai continuar sendo um produto de alta qualidade e relativo baixo custo”, diz o executivo à agência epbr.
A empresa prevê o início da produção no Vale do Jequitinhonha no quarto trimestre de 2024, com a meta de produzir até 150 mil toneladas por ano de concentrado de lítio – também chamado de concentrado de espodumênio –, e dobrar a capacidade no ano seguinte.
“Nossa intenção é, em meados de 2025, dobrar a capacidade anualizada para 300 mil toneladas. Nós estamos adotando uma modularização da planta e vamos colocar o segundo módulo em 2025”, conta.
Segundo Fogassa, os custos de extração e da operação da planta de lítio na região são muito baixos e devem ser ainda mais competitivos que de outros grandes produtores mundiais, como a Austrália.
“O Brasil está como a Austrália estava há dez anos, só que o custo do Brasil é um quarto ou um terço do custo da Austrália, incluindo mão de obra, insumos, transporte etc. Isso permite o material produzido no Brasil ter um custo atrativo”.
Na visão do executivo, enquanto na Austrália, a desvalorização do hidróxido de lítio deve reduzir o número de empresas ofertando o produto, no Brasil, o mercado provavelmente conseguirá sobreviver a esse patamar de preços. “Então, talvez tenha uma demanda maior pelo nosso produto”, avalia.
Os preços do concentrado de espodumênio caíram quase 90% desde janeiro de 2023, uma tendência que se reflete de forma semelhante nos preços do hidróxido e carbonato de lítio para baterias na Ásia, de acordo com a Fastmarkets. Em 17 de janeiro de 2024, a consultoria avaliou o preço spot CIF China do espodumênio em US$ 800-950 por tonelada. Em 19 de janeiro de 2023, era avaliado em US$ 7.500-7.790/tonelada.
Rodrigo Menck, advisor da Atlas e ex-CFO da Sigma, estima que o custo de produção do lítio na Austrália pode chegar a US$ 1.000 dólares por tonelada, enquanto os produzidos pela Sigma e Atlas devem cair para cerca de US$ 400 – mais competitivo até que o do Chile, segundo maior produtor mundial de lítio.
“Se todos os projetos forem vingando, o Vale do lítio vai passar o Chile, a Argentina, todo mundo. Vai ser a grande referência de método produtivo e de custo de produção” afirma Menck, à agência epbr.
Compradores chineses
Se a Austrália é uma das maiores produtoras de lítio, é na China que está concentrada a maior parte da cadeia global de processamento, com quase 90%.
Foi justamente a demanda de duas grandes empresas chinesas que garantiu os investimentos previstos pela Atlas para colocar em pé a primeira planta da companhia.
A Chengxin, maior fornecedora da chinesa BYD, a Yahua, fornecedora da norte-americana Tesla, anunciaram um total de US$ 50 milhões para a Atlas Lithium.
O contrato envolve o investimento direto na empresa (US$ 10 milhões) e acordos de compra (US$ 40 milhões), em troca de 80% dos ativos da companhia.
“Essas empresas são grandes produtoras de produtos químicos com base em lítio.
A Yahua vai fabricar com o nosso concentrado espodumênio hidróxido de lítio, e Chengxin provavelmente vai produzir carbonato de lítio”, detalha Fogassa.
A geopolítica do lítio
Há uma disputa geopolítica pelo lítio, que deve ver sua demanda crescer vertiginosamente, em mais de 40 vezes até 2040, segundo projeção da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês).
O mundo já começa a assistir uma corrida pelo mineral e pela cadeia de beneficiamento, principalmente para diminuir a dependência da China. No caso mais extremo, o Canadá determinou que três empresas chinesas encerrassem suas operações na exploração de lítio no país.
Nos Estados Unidos, a Lei de Redução da Inflação (IRA, em inglês) concede subsídios a veículos elétricos que possuam 80% dos minerais utilizados em suas baterias oriundos dos EUA ou de países com quem mantém acordo de livre comércio, também em uma tentativa de reduzir o domínio chinês.
“A Atlas é uma empresa politicamente neutra. Somos uma empresa americana, com empresas brasileiras que são as detentoras dos direitos minerais”, pontua Fogassa, afirmando que mesmo as empresas chinesas com quem mantém negócios estão se inserindo neste mercado de maneira global.
Segundo ele, a Yahua já possui uma planta de processamento de lítio na Indonésia, e a Chengxin está construindo uma unidade em Marrocos. Ambos os países possuem acordos de livre comércio com os EUA, portanto, se qualificam como possíveis exportadores de derivados do lítio para a indústria americana de baterias.
BYD e a verticalização de elétricos no Brasil
Assim como sua vizinha no Vale do Jequitinhonha Sigma Lithium, a Atlas está conversando com a BYD sobre futuros negócios. Mas, ao contrário da Sigma, que negocia uma possível venda, Fogassa explica que o modelo mais adequado para a Atlas é de equity (participação acionária).
A BYD – maior fabricante de carros elétricos do mundo – espera investir R$ 3 bilhões na sua primeira fábrica de elétricos fora da Ásia, no Brasil. A estratégia é intensificar ainda mais o controle da sua cadeia de abastecimentos, possibilitando oferecer carros eletrificados a preços mais acessíveis.
A montadora promete verticalizar toda sua produção de veículos elétricos na Bahia, desde a exploração e beneficiamento do lítio, passando pela fabricação de baterias, até a produção de ônibus e automóveis.
“A BYD conversa conosco também. Ela fez contato. E é um mercado que está crescendo”, diz Fogassa.
Entretanto, ele ainda enxerga desafios para a verticalização da produção no Brasil, e a venda do concentrado de lítio para o mercado doméstico. A maior barreira é o alto investimento necessário para a construção de uma planta de processamento químico do lítio no Brasil, que pode ser de US$ 600 milhões a US$ 1 bilhão.
“Talvez no futuro, quando o Brasil tiver uma planta química, seria natural que a gente considerasse a venda para uma empresa brasileira”, completa.
Incentivos
Para Rodrigo Menck, o governo poderia fomentar a industrialização do lítio no país.
No anúncio do programa Nova Indústria Brasil, do governo federal, na última segunda (22/1), o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, chegou a dizer que além do crédito, o banco também previa a participação acionária em empresas de segmentos estratégicos, como as de minerais críticos, baterias e veículos elétricos.
“O BNDES, como banco de fomento, deveria entrar em todas as cadeias que fossem trazer, no médio e longo prazo, um desenvolvimento sustentável no Brasil. Então, eu acho assim, trazer o desenvolvimento desse tipo de etapa produtiva, eu acho espetacular”, avalia Menck.
Por enquanto, no Brasil, a Companhia Brasileira de Lítio (CBL) é a única empresa brasileira produtora de carbonato e hidróxido de lítio. Além disso, a AMG Brasil estuda a instalação de uma planta de conversão de carbonato de lítio, em Minas Gerais, com uma produção anual de cerca de 15 mil toneladas por ano do produto, e investimentos de aproximadamente US$ 250 milhões.