Energia

Eduardo Leite quer evitar fuga de gás argentino para o MS e garantir importação via RS

Garantir que gás de Vaca Muerta chegue pelo Rio Grande do Sul pode significar, para o estado, investimentos em infraestrutura de gás e fertilizantes, além de mais arrecadação

Eduardo Leite quer evitar fuga de gás argentino para o MS e garantir importação via RS. Na imagem: Governador do RS, Eduardo Leite, participa do Congresso de Hidrogênio para América Latina e Caribe, no Rio de Janeiro (Foto: Grégori Bertó/Secom)
Governador do RS, Eduardo Leite, participa do Congresso de Hidrogênio para América Latina e Caribe, no Rio de Janeiro (Foto: Grégori Bertó/Secom)

RIO – O governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), tem buscado o diálogo com o governo federal, para garantir que a importação do gás natural argentino de Vaca Muerta, objeto de discussão entre Lula e Alberto Fernández, seja feita pelo Rio Grande do Sul.

A outra porta de entrada possível para o gás argentino seria o Mato Grosso do Sul, a partir da infraestrutura já existente e ociosa da Bolívia – que possui gasodutos interligados tanto com a Argentina quanto com o Brasil.

“Estamos advogando, especialmente junto ao Ministério de Minas e Energia, para que, no que diz respeito aos investimentos que o governo brasileiro se propôs a fazer através do BNDES na Argentina, por exemplo, os gasodutos de Vaca Muerta tenham a priorização da entrada desse gás pelo Rio Grande do Sul, e não simplesmente sejam levados a Bolívia para, pelo Gasbol, fazer a transmissão – o que imporia um intermediário, um terceiro elemento [a Bolívia]”, disse Eduardo Leite, em entrevista à agência epbr.

Garantir que o gás da Argentina chegue pelo Rio Grande do Sul pode significar, para o estado, investimentos em infraestrutura de gás e produção de fertilizantes, além de mais arrecadação de ICMS com a importação.

A retomada das conversas sobre a integração energética entre Brasil e Argentina reacendeu a expectativa de que o gasoduto de 615 km de extensão, entre Porto Alegre (RS) e Uruguaiana (RS), na fronteira com o país vizinho, saia, enfim, do papel.

O projeto da Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSB) remonta aos anos 1990 e permitiria a conexão da Argentina com a malha integrada do Brasil – e significaria também mais uma fonte de suprimento para o Rio Grande do Sul, cuja demanda, reprimida, sofre com gargalos logísticos.

Há também uma questão fiscal nessa história. Garantir que o gás argentino entre pelo Rio Grande do Sul representaria, para o estado, mais arrecadação de ICMS. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que cabe ao Mato Grosso do Sul a cobrança do ICMS sobre a importação da Bolívia – ou seja, o imposto incide no estado onde o gás entra, e não onde é consumido.

Discussão sobre integração deve ser retomada este mês

No início do ano, após a visita oficial do presidente Lula a Buenos Aires, os governos dos dois países vizinhos anunciaram uma série de compromissos na área de energia, dentre os quais o aumento do intercâmbio de gás natural, GLP (o gás liquefeito de petróleo) e energia elétrica.

Na ocasião, Lula afirmou que seu governo iria “criar as condições” para financiar, por meio do BNDES, o gasoduto Néstor Kirchner, na Argentina. O país vizinho promete gás barato.

A discussão sobre o tema deve ser retomada no próximo dia 26 de junho, durante a quarta visita do presidente da Argentina, Alberto Fernández, ao Brasil este ano.

Os argentinos buscam o financiamento do BNDES – da ordem de US$ 689 milhões – para o segundo trecho do projeto – que permitirá abastecer, com as reservas não-convencionais de Vaca Muerta, em Neuquén, parte do litoral e garantir gás para o norte da Argentina.

A obra não garante, por si só, a entrega de gás ao Brasil, mas prepara terreno para exportação do gás de Neuquén, seja para o Chile, Bolívia ou Brasil.

RS quer gás para fertilizantes

Eduardo Leite defende a ampliação da oferta de gás, especialmente, para produção de fertilizantes no Rio Grande do Sul. Ele mira não só Vaca Muerta, como também a instalação de um terminal de GNL no porto de Rio Grande.

O governador gaúcho acompanha também as discussões, no governo federal, sobre o programa Gás para Empregar, que estuda medidas para aumentar a oferta do gás no mercado brasileiro e que tem no setor de fertilizantes uma de suas prioridades – embora não única.

“Importante para o país é diversificar justamente as suas fontes de gás. Trabalhamos especialmente em relação ao gás esta entrada pelo Rio Grande do Sul, além de uma usina de regaseificação também no Porto de Rio Grande”, comentou Leite.

O Rio Grande do Sul é o quarto maior produtor agrícola do país. Hoje, o Brasil importa cerca de 85% dos fertilizantes utilizados no agronegócio e, no caso dos nitrogenados, a dependência externa pode chegar a 95%.

Leite considera que a ampliação na capacidade de produção de fertilizantes, tendo o gás natural como matéria-prima, pode ajudar a alavancar, no futuro, a produção de fertilizantes a partir do hidrogênio verde.

“Isso é estratégico para o país: a produção de fertilizantes para reduzir sua dependência de outros países. Nossa expectativa é poder fazer essa ampliação, podermos ser um local dessa ampliação na produção de fertilizantes, e utilizar isso também como alavanca para essa cadeia do hidrogênio verde ao longo dos próximos anos”, acredita o governador.

Um dos destaques na produção gaúcha de fertilizantes é a Yara. O grupo possui uma unidade de produção no Porto de Rio Grande, onde o governo estadual quer desenvolver um hub de hidrogênio verde.

“A presença da Yara no Rio Grande é um diferencial para aproveitarmos esses investimentos que buscamos em termos energéticos no hidrogênio verde”, disse o governador.

RS aguarda diretrizes da União para hidrogênio verde

O Rio Grande do Sul aguarda a definição de metas objetivas no Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), anunciado ainda no governo Bolsonaro. E espera que o assunto entre na agenda do atual governo.

No mês passado, o secretário Chefe da Casa Civil do Governo do Rio Grande do Sul, Artur José de Lemos Júnior, fez críticas à morosidade do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), responsável pelo PNH2.

“São apenas seis meses deste novo governo. Dou crédito para que ele organize sua agenda e possa apresentar um programa estruturado ao longo dos próximos meses, ainda este ano, quem sabe”, ponderou Eduardo Leite.

Segundo ele, os estados dependem da atuação do governo federal na interlocução com investidores estrangeiros e outros países.

“Qualquer relação que se tenha com investidores internacionais, com a comunidade europeia, são relações internacionais que demandam um esforço do governo central (…) Somos governos subnacionais que esbarram em limitações na possibilidade de acordos e de relação com outros países, o que demanda intermediação do Itamaraty, do Ministério de Relações Exteriores e do Governo Federal”.

No mês passado, o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) anunciou linhas de crédito para projetos de energias renováveis voltados para a produção de hidrogênio verde no estado – que possui atualmente 22 projetos de parques eólicos em alto mar em licenciamento junto ao Ibama, somando mais de 55 GW em capacidade instalada.

Os projetos eólicos estão próximos a zonas portuárias, como os portos de Pelotas, Porto Alegre e de Rio Grande. Isso representa vantagens para o estado na produção de hidrogênio verde.

Segundo estudo da McKinsey, contratado pelo governo gaúcho, o preço do hidrogênio renovável produzido no estado pode custar entre US$ 2,1/kg e US$ 3,4/kg até o final da década – patamar considerado competitivo pelo mercado europeu.

Expectativas em relação a reforma tributária

Outra expectativa do governo gaúcho é em relação a aprovação da reforma tributária (PECs 45/19 e 110/19) – prevista para ser votada na primeira semana de julho.

“Estamos com grandes expectativas em relação à reforma tributária. Sabemos que ela vai ser capaz de estimular economicamente o estado e o país pela redução da complexidade do nosso sistema tributário”, disse o governador.

Na avaliação de Leite, o sistema atual , “demanda grande energia e esforço de empreendedores”.

“Tudo isso tira muito da nossa competividade econômica e da produtividade da nossa economia”, completou.

Contudo, o governador destacou que ainda é preciso conhecer os detalhes da proposta final.

“Ainda falta muita informação sobre os detalhes. E os detalhes fazem toda a diferença nesse ponto, sobre qual será o órgão arrecadador, como serão as regras deste IVA dual, de estados e União, para que possamos ter uma análise mais profunda sobre o impacto dele para o Rio Grande do Sul”.