Crise hídrica é realidade no saneamento e soluções precisam olhar para pessoas, diz diretora da Iguá

Gestão sustentável e eficiente da água é parte fundamental da estratégia ESG da companhia

Roseane Santos, diretora da Iguá, fala sobre crise hídrica no saneamento

A falta de chuvas no Brasil — que pode ser a pior dos últimos 91 anos, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) — vem diminuindo o nível de água nos reservatórios e já traz desafios para o setor de saneamento.

Na semana em que o marco legal do saneamento básico completa um ano desde a aprovação, a epbr conversou com a diretora de sustentabilidade da Iguá Saneamento, Rosane Santos, sobre as estratégias da empresa no enfrentamento da crise hídrica e as políticas ESG (sigla em inglês para critérios ambientais, sociais e de governança).

Fundada em 2017, a empresa possui 18 operações — 14 concessões e quatro parcerias público-privadas —  em 37 município do país, e já é um dos principais players do setor de coleta e tratamento de água e esgoto.

“Já estamos lidando com falta de água. A escassez hídrica é uma realidade”, afirmou Rosane.

Para evitar futuros problemas de desabastecimento, a companhia desenvolve um plano de segurança hídrica, que também envolve investimentos na eficiência do uso dos recursos naturais.

“O plano leva em conta o tamanho da população e o quanto ela vai crescer, com base em estudos técnicos. Eu considero essa geografia no curto, médio e longo prazo, olhando para o estado dos mananciais e nível dos reservatórios”, conta.

Uma os exemplos é a região de Paranaguá (PR), onde atua a Iguá, que vem enfrentando um déficit de precipitações severo desde o ano passado.

Em junho, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) chegou a publicar uma Declaração de Situação Crítica de Escassez Quantitativa de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraná até 30 de novembro de 2021.

Rosane aponta que além das mudanças climáticas e o desmatamento, muitas vezes o problema possui outros fatores, como a má gestão dos recursos hídricos e falta de eficiência na distribuição.

A companhia, por exemplo, conseguiu fazer com que os índices de perdas em Paranaguá passassem de 41,5% em 2017, quando assumiu a operação, para 21,6% em abril de 2021, o que diminui a demanda de captação dos mananciais.

A queda foi resultado de um trabalho de combate à crise hídrica e mitigação dos efeitos da estiagem feitos pela empresa, envolvendo uma série de ações desde investimentos em infraestrutura até o desenvolvimento de tecnologias para o aumento na eficiência operacional.

Para se ter ideia, em 2019, as perdas na distribuição de água no Brasil chegaram a 39,2%, o equivalente a 7,5 mil piscinas olímpicas de água tratada desperdiçada diariamente ou sete vezes o volume do Sistema Cantareira – maior conjunto de reservatórios para abastecimento do estado de São Paulo.

A quantidade seria suficiente para abastecer mais de 63 milhões de brasileiros em um ano, de acordo com levantamento (.pdf) divulgado no mês passado pelo Instituto Trata Brasil.

Segundo a diretora da Iguá, o problema da escassez é maior nas grandes cidades.

“Tem sido um processo mais difícil no Brasil como um todo. Apesar da nossa gigantesca bacia hidrográfica, não necessariamente os mananciais estão próximos às grandes cidades”, explica.

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ESG como drive de negócios

Apesar dos aspectos ambientais do ESG estarem muito concentrados na redução de emissões de carbono por parte de empresas, a gestão da água é um tema cada vez mais importante na agenda dos investidores, principalmente quando isso implica na medição dos riscos e retornos dos seus investimentos.

Para a diretora, a captação de recursos da companhia vem sendo facilitada pelas estratégias ESG adotadas.

“ESG é drive de negócio”, disse. “Se antes o investimento estava atrelado a taxa de retorno, hoje, o bom investimento é aquele que considera o público para quem o serviço é prestado, o impacto de mudanças climáticas no seu negócio”.

Em abril deste ano, a Iguá venceu o disputado leilão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), ao lado da Aegea.

A empresa conseguiu captar mais de R$ 1,2 bilhão em financiamentos de longo prazo — parte com a emissão de debêntures sustentáveis — para viabilizar os investimentos previstos, e com a entrada do fundo de pensão Canada Pension Plan Investment Board (CPP Investments), em troca de 45% de participação na companhia.

Além dos critérios ambientais, Rosane destaca o forte apelo social da Iguá, pelo impacto na vida das comunidades onde opera.

Em Cuiabá (MT), a maior cidade em que atua, a companhia elevou de 30% para 60% a cobertura da rede de esgoto com investimentos que somam quase R$ 500 milhões.

A empresa também universalizou o abastecimento de água e o tratamento de esgoto na operação de Mirassol (SP), bem antes da meta do novo marco legal que estipula a universalização do serviço até 2033.

 

“ESG é drive de negócio. Toda vez que fazemos avaliação de um potencial leilão, o ESG vem como um dos principais elementos dessa avaliação”, diz Rosane Santos, diretora de sustentabilidade da Iguá Saneamento

Entrevista Rosane Santos – diretora de sustentabilidade da Iguá

A água é um dos principais ativos da companhia. Como vocês lidam com esse recurso?

Trabalhamos com a boa gestão dos recursos hídricos. Só tiro dos mananciais aquilo que de fato eu vou tratar e disponibilizar para a população. Ao mesmo tempo que eu devolvo o esgoto tratado, que tenha condições de ser reabsorvido no ecossistema sem causar dano na vida silvestre e vegetação.

Já estamos lidando com falta de água. A escassez hídrica é uma realidade, em função das mudanças climáticas, má gestão dos recursos hídricos, o desmatamento, entre outros fatores.

O que tem sido feito para enfrentar essa crise hídrica?

Em todas as nossas operações buscamos antecipar onde podemos ter problemas de abastecimento. Tem sido um processo mais difícil no Brasil como um todo.

Apesar da nossa gigantesca bacia hidrográfica, não necessariamente esses mananciais estão próximos às grandes cidades. Estamos construindo um plano de segurança hídrica.

O plano leva em conta o tamanho da população e o quanto ela vai crescer, com base em estudos técnicos. E considero essa geografia no curto, médio e longo prazo, olhando para o estado dos mananciais, nível dos reservatórios, para abastecer a população, e talvez buscar outra fonte de captação.

Proteção de florestas…

Vamos desenvolver alguns projetos nos próximos anos nessa lógica de recuperação. Pretendemos trabalhar com matas ciliares e recuperar o máximo possível de vegetação, além da manutenção da mata nativa.

Toda essa narrativa ambiental é essencial para garantir a continuidade e existência, e vida dessa água que está no manancial.

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Como o ESG está incorporado na empresa?

Quando o fervilhão ESG surgiu, a empresa decidiu que precisava ser mais estratégica. A Iguá adotou a agenda ESG replicando padrões internacionais, do hemisfério Norte, Europa, porque não há padrões nacionais. O Brasil ainda está amadurecendo para criar sua própria narrativa ESG.

Estamos ajustando nossos processos, nossa operação, de forma a contribuir com a agenda do desenvolvimento sustentável, atuando hoje, olhando para o médio e longo prazo.

Qual seria o ponto central dessa estratégia?

A gestão de stakeholders, múltiplas partes relacionadas que estão interessadas nesse negócio. Não existe um mais importante que o outro, e sim temáticas específicas para cada um deles.

Aqui temos a quebra com o capitalismo tradicional, que coloca o acionista no centro, como agente principal ou às vezes exclusivo, e em função das expectativas desse acionista é que todas a decisões e posicionamentos estratégicos da empresa acontecem.

Quando a gente traz o ESG, a gente muda essa lógica.

A gente traz a opinião e expectativa de todo mundo que tem interesse nessa organização — acionistas, funcionários, fornecedores e clientes –, considerando impacto social, qual o nível de transformação que a empresa de saneamento está conseguindo fazer, o próprio poder concedente.

Como o ESG ajuda na captação de recursos e nas decisões da empresa?

ESG é drive de negócio. Toda vez que fazemos avaliação de um potencial leilão, o ESG vem como um dos principais elementos dessa avaliação.

Se antes o investimento estava atrelado a taxa de retorno, hoje, o bom investimento é aquele que considera o público para quem o serviço é prestado, o impacto de mudanças climáticas no seu negócio, porque invariavelmente você vai ser um consumidor de recursos naturais.

A lógica do lucro pelo lucro acabou.

O planeta tem limite geográfico e os recursos naturais são finitos. Soluções e tecnologias, serviços e produtos têm que estar para a população que habita neste planeta, não se pode olhar apenas para o acionista.

No Brasil, por exemplo, somo um país feminino e negro. Se nesse contexto a organização não reflete aquilo que é realidade fora dela, você não sabe em que contexto você está atuando.

Neste sentido, qual o impacto do saneamento?

As estatísticas conseguem demonstrar que a inserção de água e esgoto tratado tem impactos sociais brutais, reduz doenças de veiculação hídrica, melhora assiduidade escolar e profissional, além do desenvolvimento socioeconômico.

Onde chega o saneamento você leva o desenvolvimento.

Percebemos certo atraso em algumas geografias do nosso país porque falta infraestrutura, e o saneamento é um dos elementos primordiais da infraestrutura, por isso é básico. É absolutamente necessário para desenvolvimento de uma cidade e um país.

O  marco legal prevê a universalização do saneamento até 2033, como a iniciativa privada pode contribuir com essa meta? 

O novo marco legal do saneamento surge para acelerar essa curva que estava muito lenta. É inadmissível o Brasil, com esse tamanho, com objetivos e sonhos ambiciosos de ser uma das potências econômicas mais importantes do mundo, ter apenas 50% do esgoto tratado.

Estamos falando do básico, da infraestrutura. Se você não consegue dar conta da infraestrutura, você não vai dar conta de tecnologia ou qualquer outra coisa.

O marco nos ajuda, porque coloca inciativa privada e pública juntas em uma mesma causa.

A questão é o tamanho do gap. Demoramos tanto tempo para olhar isso, que temos que correr muito.

Quando olhamos para tudo que o marco preconiza, estamos falando de investimentos de centenas de bilhões de reais, e a gente sabe da dificuldade que o poder público teria de disponibilizar tamanho recurso para investir em saneamento, principalmente, porque estamos falando de um crescimento que virá em pequenas e médias cidades.

Grandes metrópoles já estão cobertas. Pequenas e médias cidades são onde haverá maior transformação, e elas não possuem tantos recursos.

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