Opinião

Você sabe como serão as refinarias do futuro?

Renovar o parque de refino brasileiro para atender internamente à demanda é essencial para a segurança energética no Brasil, escrevem executivos da Acelen

Instalações metálicas na Refinaria de Mataripe (a antiga Rlam), da Acelen, na Bahia (Foto Agência Petrobras)
Refinaria Mataripe (a antiga Rlam), da Acelen, na Bahia (Foto Agência Petrobras)

Você sabe como serão as refinarias do futuro? Renovar o parque de refino brasileiro para atender internamente à demanda é essencial para a segurança energética no Brasil. Ao mesmo tempo que a transição energética global exige inovação e tecnologias cada vez mais sustentáveis.

No Brasil, o setor prevê investimentos de US$ 173 bilhões até 2033, com expectativa de geração de 400 mil empregos e arrecadação anual de até US$ 55 bilhões, segundo estudo conduzido pela consultoria Catavento, em parceria com o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) e o Instituto Clima e Sociedade (iCS).

No mundo, a previsão é de aumento de 24% no consumo global de energia até 2050. 

O futuro da matriz energética será construído com importante papel do setor de óleo e gás como agente da economia verde.

Se a indústria do petróleo seguirá sendo parte fundamental da economia por tantas décadas, explico no artigo a seguir qual será o padrão das refinarias do futuro e o que estamos adotando na Refinaria de Mataripe, considerada uma das mais modernas da América Latina.    

Já caminhamos para completar 4 anos à frente da Refinaria Mataripe. Neste tempo, superamos muitos desafios e alcançamos patamares de eficiência e confiabilidade muito além do que poderíamos imaginar no início da jornada.

Vivemos no dia a dia os desafios do “downstream”, um segmento que reflete bem as características de uma indústria de commodities, com margens muito estreitas, cujos fatores decisivos para sobrevivência são o acesso à matéria-prima competitiva, confiabilidade das unidades e uma gestão rigorosa dos custos de produção.

Essa é uma indústria impulsionada por movimentos geopolíticos e novas exigências regulatórias/ambientais. Todo esse contexto leva a grandes desafios para manter a operação competitiva.

Esse tempo é suficiente para entendermos nossos desafios e olharmos para o futuro da refinaria, nas próximas duas a três décadas.  Refletimos: como será a “Refinaria do Futuro”? Como vamos mantê-la lucrativa e sustentável no longo prazo?

O mundo espera uma redução da demanda de combustíveis líquidos de refino. Segundo a instituição de pesquisa e inteligência de negócios especializada em energia Rystad Energy, essa tendência existe em qualquer um dos três macros cenários de transição energética, como mostrado no gráfico abaixo. 

Esses cenários diferem entre si em função do avanço da eletrificação nos transportes terrestres (EV), combustíveis sustentáveis na aviação (SAF) e no transporte marítimo — substituição de bunker e MGO (óleo diesel marítimo) por gás natural liquefeito (GNL) e metanol

Outro consenso é que no total dos combustíveis líquidos, haverá menor participação da gasolina em detrimento dos destilados médios (shift to médium distillates). Apesar da redução para qualquer um dos cenários, a participação do petróleo na matriz de combustíveis de transporte ainda será muito relevante em 2050.

Para uma visão mais detalhada do futuro da transição energética, podemos ver abaixo a matriz energética mundial de 2018 e a previsão para 2050, apresentada pela Deloitte.

Destacam-se o aumento da participação do uso de gás natural e da eletricidade em geral, com participação crescente de fontes renováveis (eólicas e solares) e geração de hidrogênio. O petróleo permanece como fonte relevante em 2050.

Conforme estudo “Descarbonização e Sustentabilidade” da Deloitte elaborado para a Acelen a partir de dados da DNV.

Concluímos que a indústria de refino de petróleo continuará a ter papel relevante na transição energética pelo menos nas próximas três décadas, com um mercado cada vez competitivo.

Para sobreviver, as refinarias deverão estar sintonizadas com as tendências do mercado e bem-preparadas para capturar oportunidades de ganho de eficiência e se tornarem cada vez mais sustentáveis, sob pena de deixarem de ser lucrativas ou perderem sua “licença de operação” num cenário cada vez mais desafiador.

Adaptabilidade, sustentabilidade e inovação

A indústria de refino está em um momento crucial, enfrentando uma crescente pressão para a transição rumo a operações mais sustentáveis e eficientes.

A refinaria do futuro será caracterizada pela mudança nas matérias-primas, padrões de excelência em confiabilidade e sustentabilidade suportados com o poder transformador da digitalização.

Essa evolução não é apenas necessária para atender à demanda global de energia e para sustentar a competitividade, mas também para alinhar-se às regulamentações ambientais e às tendências emergentes do mercado.

Flexibilidade e adaptabilidade para garantir a lucratividade

Uma refinaria moderna é um sistema altamente complexo e integrado, responsável por separar e transformar o petróleo bruto em uma ampla variedade de produtos, incluindo combustíveis para transporte, óleos combustíveis residuais, lubrificantes e muitos outros produtos.

Originalmente, as refinarias de petróleo foram projetadas considerando uma faixa bem estreita de qualidade de petróleo. E operavam com uma cesta de poucos petróleos produzindo uma distribuição relativamente fixa de produtos.

A configuração de unidades de processamento pode variar bastante de uma refinaria para outra.

Algumas refinarias são mais orientadas para a produção de gasolina (com grande presença de unidades de reforma catalítica e/ou craqueamento catalítico), enquanto a outras refinarias podem ser mais voltadas para a produção de destilados médios, como querosene de aviação (QAV) e óleo diesel.

Para chegarmos à refinaria do futuro, é fundamental garantir a lucratividade e a sustentabilidade do presente. Os pilares principais para bons resultados econômicos englobam o acesso à matéria-prima competitiva, a otimização do mix de produtos e uma gestão focada na otimização dos custos de produção.

O desenho da melhor configuração para a refinaria do futuro vai ser definido pela flexibilidade para processar diferentes ranges de petróleo e pelo perfil da demanda do mercado de produtos.

A concorrência por petróleos mais leves e com boa qualidade os torna cada vez mais escassos e exigirá o pagamento de maiores prêmios para sua aquisição.

A refinaria do futuro precisa ser flexível e adaptável para processar uma faixa mais variada de petróleos, principalmente aqueles que trazem maiores desafios para seu processamento:

  1. os mais pesados (Heavy and Extra Heavy oil – ºAPI <26);
  2. os mais ácidos (acidez naftênica TAN> 1,0 mgKOH/g de óleo);
  3. com maior teor de enxofre (>1%) e outras características indesejáveis, como teor de metais, água e teor de asfaltenos.

As refinarias bem adaptadas para esses petróleos de oportunidade (opportunity crudes) possuirão vantagem enormes. Deve ser dado o direcionamento estratégico para habilitar a refinaria para processar a oferta de petróleos com baixo ºAPI, como mostrado na tabela abaixo.

Fonte: American Petroleum Institute (API)

Na parte de cima da tabela API, uma flexibilidade adicional que pode conferir competitividade é a capacidade de processar frações líquidas leves, conhecidas como “condensados”, com ºAPI na faixa de 50, em mistura com os petróleos pesados ou extrapesados.

Geralmente, os condensados não podem ser alimentados diretamente, pois eles requerem mistura (blend) com outras mais pesadas para serem processadas adequadamente nas unidades de destilação.

Além disso, necessitam de flexibilidade logística para armazenamento e distribuição. Ter a capacidade de viabilizar o processamento de condensados pode ser uma alavanca de resultados, ampliando a faixa de produtos e maior captura de margem. 

Esse movimento estratégico foi capturado há algumas décadas pela indústria de refino norte-americana, e daí a vantagem competitiva no custo de produção de combustíveis, conforme o gráfico abaixo, extraído de material apresentado pela Deloitte:

Conforme estudo “Descarbonização e Sustentabilidade” da Deloitte elaborado para a Acelen a partir de dados da HSB Solomon Associates LLC 2016 Fuels Study.

Para ser competitiva, a refinaria do futuro precisa ter uma configuração de desempenho mais complexa, que aprofunde os processos de conversão de frações pesadas, de baixo valor, a produtos nobres, como por exemplo, o Craqueamento Catalítico em leito fluidizado (FCC), o Hidrocraqueamento e processos de conversão térmicos como o Coqueamento retardado. 

A refinaria do futuro também possuirá processos robustos para controle ambiental, destacando-se os de dessulfurização e desnitrogenação, incluindo as unidades de hidrodessulfurização de nafta (HDS), hidrotratamento de diesel (HDT) e unidade de remoção de enxofre (URE). 

A elevada demanda por hidrogênio traz atenção especial para as unidades de geração de hidrogênio (UGH) quando avançamos na complexidade dos processos de hidroconversão e processamento de cargas de petróleo de oportunidade.

O conhecimento dos contaminantes das futuras cargas de petróleo será fundamental para a introdução de catalisadores de última geração, robustos para atender as especificações regulatórias com campanhas competitivas.

Transição das matérias-primas: uma nova era para as refinarias

Uma das mudanças mais significativas no cenário do refino é a diversificação das matérias-primas. O refino tradicional de petróleo está sendo gradualmente complementado com alternativas renováveis e sintéticas (resíduos reprocessados).

A integração de matérias-primas renováveis, como óleos de cozinha usados e óleos vegetais está ganhando força. Essa transição ajuda as refinarias a reduzirem suas pegadas de carbono e garantirem a sustentabilidade a longo prazo.

Os avanços na tecnologia de refino permitem o coprocessamento de matérias-primas de base renovável junto ao petróleo convencional. Unidades de hidro processamento, por exemplo, estão sendo adaptadas para lidar com uma mistura de materiais fósseis e renováveis, o que otimiza o rendimento e minimiza as emissões de gases de efeito estufa.

A refinaria do futuro dependerá cada vez mais de configurações de processo adaptáveis para acomodar diversas matérias-primas.

Digitalização: a alavanca para confiabilidade e sustentabilidade

A transformação digital desempenhará um papel crucial na eficiência operacional e na sustentabilidade das refinarias. A confiabilidade continua sendo um pilar fundamental das operações de refino, com ênfase na minimização de paradas não planejadas e na garantia de produção contínua.

Estratégias avançadas de manutenção preditiva, impulsionadas por inteligência artificial e aprendizado de máquina, estão transformando a abordagem dos refinadores à gestão de ativos. Essas ferramentas analisam dados em tempo real para antecipar falhas nos equipamentos, reduzindo custos de manutenção e melhorando a eficiência geral.

Gêmeos digitais permitem a simulação e otimização contínua das operações, garantindo um uso mais eficiente dos recursos naturais e energéticos. Além disso, esses sistemas são importantes na formação e treinamento das equipes de operadores e engenheiros.

Os simuladores on-line para treinamento de operadores (OTS) deverão se incorporar como ferramenta necessária para as novas exigências de desempenho operacional.

O uso de inteligência artificial, modelagem preditiva e automação avançada permitirá maior confiabilidade nos processos, reduzindo paradas não programadas e melhorando a segurança operacional.

Além disso, o uso de gêmeos digitais permitirá a otimização contínua das unidades de refino, garantindo máxima eficiência energética e menor impacto ambiental.

A inteligência artificial também impulsiona melhorias nos sistemas de controle das refinarias. A automação de processos baseada em IA garante condições operacionais ideais ao ajustar continuamente parâmetros como temperatura, pressão e composição das matérias-primas.

Esse nível de precisão reduz o consumo de energia, diminui as emissões e aumenta a produtividade geral.

A cibersegurança é um aspecto cada vez mais crítico da transformação digital. À medida que as refinarias se tornam mais interconectadas por meio de tecnologias da Internet Industrial das Coisas (IIoT), é essencial estabelecer estruturas robustas de cibersegurança para proteger a infraestrutura crítica contra possíveis ameaças cibernéticas.

Ecossistemas digitais seguros serão uma característica definidora das refinarias de próxima geração.

O ambiente regulatório e as novas exigências ambientais

A refinaria do futuro operará em um ambiente cada vez mais restritivo. Políticas públicas voltadas para a transição energética e regulações ambientais mais rígidas impulsionarão a necessidade de inovação contínua.

As refinarias precisarão demonstrar conformidade com padrões rigorosos de emissões, eficiência energética e sustentabilidade, ao mesmo tempo em que se adaptam a novas dinâmicas de mercado e expectativas dos consumidores.

Otimização do consumo de água e gestão de efluentes

As refinarias utilizam água em diversas etapas, como geração de vapor e refrigeração. Implementar práticas de reuso de água é crucial para diminuir o consumo e a geração de efluentes.

Tratamentos terciários avançados permitem que efluentes sejam reutilizados, reduzindo a captação de água nova e minimizando o descarte de poluentes no meio ambiente.  A eficiência hídrica é e será uma questão chave.

Gestão e minimização de resíduos

A adoção de tecnologias limpas, como a gaseificação de resíduos, permite converter subprodutos de baixo valor em gás de síntese, utilizado na geração de energia ou como matéria-prima para produtos químicos. Essa abordagem reduz a quantidade de resíduos sólidos e diminui a necessidade de descarte em aterros.

Pessoas

A refinaria do futuro precisará de pessoas preparadas para os desafios que teremos, seja de confiabilidade como da utilização maciça das ferramentas de Transformação Digital, Indústria 4.0 e Inteligência Artificial. Nesse sentido é fundamental que as organizações se planejem para essa realidade, desenvolvendo tanto as atuais equipes, como interagindo com as instituições formadoras para atender a essa demanda. 

A refinaria de 2050: tecnologias emergentes

A sustentabilidade deixou de ser uma opção para se tornar uma necessidade nas refinarias modernas. Regulamentações ambientais rigorosas e compromissos de neutralidade de carbono estão impulsionando investimentos em tecnologias de baixo carbono.

Soluções de captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS) estão sendo implementadas para reduzir as emissões dos processos de refino, avançando significativamente na descarbonização.

As melhorias na eficiência energética são outro pilar fundamental da sustentabilidade. O aproveitamento de correntes originalmente enviadas para o flare e de correntes com valor energético, representa uma primeira ação de otimização.

O uso de sistemas de recuperação de calor residual, a eletrificação de processos e soluções baseadas em hidrogênio estão ganhando espaço. Além disso, as refinarias estão explorando o potencial do hidrogênio verde, produzido por eletrólise com energia renovável para substituir as fontes convencionais de hidrogênio nas operações de refino.

Olhando para 2050, a indústria do refino passará por mudanças disruptivas. O modelo tradicional baseado exclusivamente em petróleo dará lugar a um mix de fontes de carbono, incluindo biomassa, resíduos plásticos e CO2 capturado.

A capacidade das refinarias será cada vez mais integrada à produção de hidrogênio verde, essencial para a descarbonização do setor e para a produção de combustíveis sintéticos.

Além disso, processos inovadores de síntese de combustíveis para transporte, como e-fuels e combustíveis sintéticos baseados em hidrogênio e carbono renovável ganharão relevância, garantindo a continuidade da mobilidade baseada em combustíveis líquidos, mas com menor impacto ambiental.

Conclusão

A refinaria do futuro será marcada pela adaptabilidade, pela digitalização e pela busca incessante pela sustentabilidade por meio de um ecossistema altamente integrado e adaptável.

O petróleo permanecerá relevante por décadas e as refinarias deverão estar preparadas para processar um “novo normal” dos petróleos de oportunidade para se manterem competitivas. A transformação digital desempenha um papel crucial na eficiência operacional, confiabilidade e na sustentabilidade das refinarias.

Em crescente desenvolvimento, os princípios da economia circular, utilizando materiais residuais, reciclando emissões de carbono e explorando novas rotas químicas farão parte das novas configurações de processo. A transição para biorrefinarias, tecnologias power-to-liquid (PTL) e petroquímicos avançados vai remodelar ainda mais a indústria.

No final das contas, as refinarias que conseguirem navegar com sucesso por essa transição serão aquelas que abraçarão a inovação, priorizarão a sustentabilidade e aproveitarão os avanços digitais, investindo para isso em equipes preparadas para essa nova realidade.

O futuro do refino não se resume apenas à produção de combustíveis, mas sim à criação de valor por meio da eficiência, da responsabilidade ambiental e da liderança tecnológica. Ao adotar essas mudanças, as refinarias continuarão desempenhando um papel vital no cenário energético global em evolução.


Celso Ferreira é VP executivo de Operações da Acelen.

João Baptista Farah Emiliano é diretor Industrial da Acelen.

Danilo Andrade Cruz é gerente de Automação da Acelen.


Referências

[1] Acelen/ Deloitte – Workshop Descarbonização e Sustentabilidade, 2022

[2] The refinery of the future, perspective – Eelco T. C. Vogt & Bert M. Weckhuysen

[3] The Refinery of the Future, James G. Speight 

[4] The future of refining – What lies ahead to 2050 – RystadEnergy – Whitepaper 

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