Subsídios ao gás de cozinha

Os recentes aumentos do gás de cozinha reacenderam o debate a respeito das dificuldades das classes sociais mais baixas de acessarem este fundamental energético

Subsídios ao gás de cozinha
Imagem de Magnascan por Pixabay

O gás liquefeito de petróleo (GLP), conhecido como “gás de cozinha”, está presente em 100% dos municípios brasileiros e em todas as classes sociais, possui penetração de mercado superior a insumos básicos como energia elétrica, água encanada e esgoto. O famoso “botijão de gás” é item essencial na maioria dos lares do país.

A elevação dos preços do gás de cozinha tem impacto relevante sobre a população de baixa renda, sendo que, por conta disso, foi fruto de políticas sociais e subsídios em diferentes governos.

Citando os das últimas duas décadas, tivemos auxílio-gás, subsídio via Petrobras e redução de impostos.

Neste breve artigo serão discutidas essas políticas, seus efeitos e por que elas não foram suficientes para resolver o problema de acesso ao gás por parcela relevante da população.

FHC-Lula-Dilma-Bolsonaro

“O gás tá caro”, esta frase perpassou todos os Governos desde que o GLP passou a ser produzido nas refinarias, envasado e domiciliado nos “botijões de gás”.

De Getúlio Vargas a Bolsonaro, nenhum governo escapou disso. O cerne do problema está na população de baixa renda, que tem dificuldade de acesso não só ao gás, mas a outros itens básicos de consumo, como energia elétrica, por exemplo.

Formas variadas de lidar com o problema foram utilizadas nos últimos 20 anos. Fernando Henrique Cardoso (FHC), em 2001, criou o “auxílio-gás”, onde cada família atendida pelo Bolsa-Escola recebia quinze reais (valor equivalente a 75% do preço de um botijão à época), a cada dois meses, como subsídio para compra de um botijão.

Milhões de famílias pobres foram beneficiadas pelo auxílio, as expensas da União que o custeava. Em 2003, diversos programas sociais foram reunidos para compor o Bolsa-Família, assim o auxílio-gás passou a compor o novo programa e possivelmente poucos ainda lembrem que ele existiu um dia.

Durante os Governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016), a combinação de três fatores reduziu o peso do preço do gás sobre o orçamento doméstico:  a valorização do salário mínimo, o uso da Petrobras e o bom momento econômico, que refletia em pleno emprego.

O salário mínimo foi elevado a percentuais acima da inflação por diversos anos consecutivos durante a gestão Lula e Dilma, o que representou um ganho real à massa assalariada do país. Não cabe aqui considerar o impacto disso sobre o custeio público e a inflação, por ser longa a explanação.

Essa valorização fez com que o percentual dispendido de um salário mínimo para comprar um botijão de gás fosse reduzido de 12% em 2004 para 6,0% em 2013, conforme apresentado no gráfico 1.

Gráfico 1 – Percentual do salário mínimo nacional necessário para comprar um botijão de gás de 13 kg (P13)

Outra questão que teve relação direta com essa sensação de que o gás pesava menos no orçamento doméstico esteve relacionada à precificação do GLP nas refinarias da Petrobras.

De 2003 a 2015, o preço do GLP para uso residencial foi exatamente o mesmo na saída das refinarias, o que pode ser evidenciado em parte no gráfico 2.

Os reajustes quando realizados ocorriam apenas no GLP industrial, criando-se um subsídio cruzado parcial.

Gráfico 2 – Cotações do GLP no Golfo Americano e mercado interno de 2002 a 2008 (Fonte: MME, 2008). Linha azul: GLP residencial; Linha verde: GLP industrial; Em vermelho: Preço nos EUA

O uso da estatal como instrumento de política pública para o GLP não diferenciava ricos de pobres, ou seja, o desconto dado na saída da refinaria era igual para todos.

Além disso, essa fixação de preços incorria em efeitos colaterais. Consumia recursos, caixa, da Petrobras, inviabilizava investimentos privados no segmento e limitava a expansão da oferta de GLP, ao passo que prejudicava até mesmo o avanço e a concorrência do gás natural como substituto energético.

Por conta do déficit de GLP no mercado doméstico, o Brasil importa em média 25-30% do seu consumo.

Com o gás sendo subsidiado pela Petrobras, somente ela atuava como importadora, com prejuízo ainda maior do que o observado na comercialização do gás produzido internamente. Em 2008, por exemplo, o GLP importado custava o dobro do valor praticado internamente.

Não à toa, o déficit estrutural de GLP impõe ainda hoje a proibição legal de uso deste energético em várias áreas.

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O fim dos subsídios no refino e a redução de PIS e COFINS

Os fatos históricos que acarretaram no elevado endividamento da Petrobras, noticiados exaustivamente nas principais mídias do país, causaram uma ruptura no subsídio que a estatal praticara durante os Governos Lula e Dilma.

Parte da reestruturação das finanças da estatal envolveu o fim dos subsídios aos combustíveis, dentre os quais o GLP fez parte. A nova política de preços da Petrobras, alinhados aos de mercado, foram visíveis a partir de 2017, quando passaram a corresponder às oscilações do petróleo e do câmbio.

Paralelamente, vale lembrar que a economia brasileira entrou numa espiral negativa a partir de 2014, que culminou com a recessão econômica de 2015 e 2016.

Os reflexos nos anos seguintes impuseram aumento do desemprego, crescimento do PIB quase vegetativo e um menor reajuste anual no salário mínimo nacional. É o plano de fundo do cenário econômico nacional, que impactou especialmente os mais pobres.

Os recentes aumentos do gás de cozinha reacenderam o debate a respeito das dificuldades das classes sociais mais baixas de acessarem este fundamental energético.

Muitas pessoas recorreram à lenha e à queima de outros materiais para driblar a impossibilidade de acesso ao botijão de gás pela falta de recursos, como já ocorreu muitas vezes no passado.

O GLP não foi o único produto que ficou mais caro no país, outros energéticos também ficaram, assim como os principais itens da cesta básica, que também tiveram substancial aumento no país. A mistura negativa perfeita.

Pressionado, o Governo Bolsonaro, em março de 2021, zerou a cobrança de PIS e COFINS cobrados sobre o GLP, numa tentativa de resposta à sociedade ao problema apresentado.

A medida, apesar de salutar (todos almejam redução da carga tributária), foi inócua para o fim a que se propôs, dado que o valor dos tributos somados era de R$ 2,18 por botijão P13, equivalente a 2-3% do preço de varejo do produto na ocasião.

Assim como o subsídio feito nas refinarias num passado recente, a redução de impostos atingiu todos os consumidores, sendo por isso ineficiente como política pública. A população de baixa renda seguiu sem acesso ao gás e o Governo Federal perdeu receita.

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Atendendo a população de baixa renda

Diante do cenário de dificuldade de acesso ao gás pela população de baixa renda, impõe-se que algo seja feito.

Algumas opções já foram testadas no passado. O auxílio-gás aos moldes daquela feita no governo FHC é uma alternativa a ser levada em consideração.

O subsídio via refino, como comentado anteriormente, impõe distorções na cadeia de valor do GLP, que acabam até mesmo por inibir a ampliação da oferta do produto. Além disso, mostrou-se um modelo injusto, ao beneficiar todos os consumidores de forma igualitária.

Não dá pra tratar por igual os desiguais. É uma alternativa que não deve ser considerada, ainda mais diante da abertura do mercado de refino em curso no país.

A solução estrutural é aumentar a renda das famílias mais pobres, fazendo com que elas tenham condições mínimas de acesso aos bens básicos. Fazer isso de forma organizada, orgânica, gerando crescimento econômico e bem-estar social é um desafio, mas muitas nações já fizeram e nos servem de exemplos.

Neste sentido, atacar a desigualdade é fundamental.

O Brasil, apesar de figurar entre as maiores economias do mundo, está também entre aquelas que têm grande desigualdade socioeconômica. A dificuldade de se comprar gás de cozinha é apenas a “ponta do iceberg” da exclusão social experimentada por uma parcela significativa da população.

Em paralelo as reformas estruturantes, como a política, a tributária, a administrativa, entre outras que reduzam a burocracia, o desperdício, os privilégios, fomentem a pesquisa e a inovação, há que se engrossar o Bolsa-Família e outros programas sociais de distribuição de renda. É a forma mais justa de se atender as famílias mais vulneráveis economicamente, é o melhor “subsídio” que se pode fazer para que muitos brasileiros tenham dignidade. O tema é urgente. Avante!

Referências

Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). Anuário Estatístico 2020. Disponível em: http://www.anp.gov.br/publicacoes/anuario-estatistico/5809-anuario-estatistico-2020. Acessado em junho de 2021.

Guia Trabalhista. Salário mínimo nacional. Disponível em: http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/salario_minimo.htm. Acessado em junho de 2021.

Ministério de Minas e Energia (MME). Relatório mensal do mercado de derivados de petróleo de dezembro de 2008. Disponível em: http://antigo.mme.gov.br/web/guest/secretarias/petroleo-gas-natural-e-biocombustiveis/publicacoes/relatorio-mensal-do-mercado-de-derivados-de-petroleo. Acessado em junho de 2021.

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