Em meio às discussões sobre a reforma na regulação do setor de gás liquefeito de petróleo (GLP), um relatório de abastecimento publicado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) analisa um caso envolvendo a Ultragaz e aponta que há um engessamento das participações de mercado, diante dos mecanismos de fornecimento do produto feito pela Petrobras.
O relatório referente ao mês de outubro de 2024, publicado na quarta-feira (19/2), conta que, naquele mês, a Petrobras reduziu em 40% o volume de GLP em um pedido feito pela Ultragaz em polos do Sul e Sudeste, em razão da empresa ter perdido a janela para pedidos firme.
A empresa chegou a solicitar intervenção da ANP, mas não houve risco de desabastecimento no mercado. O episódio, contudo, demonstrou que há baixa concorrência, dado que haveria uma expectativa sobre o realinhamento de posições do mercado.
O documento foi elaborado pela área técnica responsável pela regulação do abastecimento de combustíveis, a Superintendência de Distribuição e Logística (SDL).
A Ultragaz é a quarta maior distribuidora de GLP do país. Em 2024, foi responsável por 17% das vendas totais por distribuidores.
A Petrobras fornece GLP por meio de um regime em que o distribuidor tem direito a cotas que consideram a média trimestral de fornecimento. Assim, a redução da retirada em um mês também implica na redução no futuro.
A companhia pode reduzir as retiradas, casos em que os cortes costumam ser justificados por uma demanda superior a do mercado consumidor.
Além do caso específico, a ANP avalia que há um estímulo nesse regime de cotas para uma sobredemanda por parte das distribuidoras, para reduzir o risco de market share.
O volume não retirado pela Ultragaz, portanto, poderia ser absorvido por empresas concorrentes, mas não foi o que ocorreu.
“Um aspecto importante da estratégia descrita para os polos sobredemandados é que como a Ultragaz não se compromissou com volumes para o mês de outubro, necessariamente, não teve acesso ao mesmo volume de produto ofertado pela Petrobras”, diz o relatório.
“Neste sentido, os concorrentes deveriam avançar sobre os volumes excedentes, porque os incentivos à busca de maior acesso a produto deveriam ser igualmente distribuídos entre os agentes. Não foi o que ocorreu”, diz a agência.
Isso ainda é provocado pelo baixo crescimento da demanda por GLP. “O baixo crescimento acrescido à sobredemanda tende a tornar ainda mais rígida a posição de cada empresa nas vendas de GLP”, diz a ANP.
Procurada, a Ultragaz afirmou à agência eixos que “efetua seus pedidos junto aos fornecedores para atender a demanda projetada, seja em busca de crescer no mercado, seja para reduzir os custos de transporte para trazer o produto de um polo alternativo. Essa operação envolve a principal fornecedora Petrobras, mas também os demais fornecedores privados”
“Neste processo, os pedidos são feitos de acordo com a demanda, mas eventualmente podem ser ajustados e acordados entre a área de suprimentos e os fornecedores, inclusive com alterações dos polos de fornecimento, como ocorreu durante o episódio citado”.
Reforma do setor
O caso se insere no contexto em que a agência propôs uma reforma no setor de GLP. A consulta prévia da Análise de Impacto Regulatório foi encerrada em janeiro, e as contribuições estão em fase de análise pela área técnica.
Entre as medidas previstas, está a definição de novas diretrizes para o rateio do suprimento de GLP no atendimento das regiões deficitárias.
A proposta da ANP ainda leva em consideração o histórico de retiradas, mas agrega outros dois critérios: o percentual do volume aos distribuidores com menor poder de mercado e o rateio de acordo com a capacidade de armazenagem na unidade federativa do polo.
A ideia é que o rateio ocorra em duas etapas. Na primeira, será destinado mensalmente um percentual aos distribuidores com menor poder de mercado: 20% em polos que não disponibilizarem carregamento rodoviário; e 30% para os demais.
Distribuidoras (incluindo coligadas) com participação igual ou superior a 10% do mercado nacional não poderão ser beneficiadas. A venda entre distribuidoras incluídas no rateio poderá ocorrer apenas para empresas com menor poder de mercado.
Na segunda etapa, 75% do volume a ser rateado, após o saldo da primeira etapa, será conforme histórico de retiradas; e 25% conforme a capacidade de armazenagem de GLP do distribuidor no estado – não serão considerados contratos de cessão de espaço.